Her, EUA, 2013. Direção: Spike
Jonze. Roteiro: Spike Jonze. Elenco:
Joaquin Phoenix, Scarlett Johansson, Amy Adams, Chris Pratt, Rooney Mara,
Olivia Wilde, Laura Kai Chen. Duração: 126 min.
Eu descobri minha depressão
aos 20 anos. Tomei todo o tipo de remédio que poderia ser diagnosticado, mas
foi a escrita que me ajudou a passar pelos piores momentos. Expor meus
sentimentos em palavras acabou sendo mais significativo que qualquer fórmula
médica. De certa forma, o trabalho de um escritor ou alguém que vive com a
escrita sempre indica uma forte camada pessoal. Uma reflexão sobre sua própria
existência. Ele dá voz para outras pessoas – existentes ou não –, pode utilizar
o seu autoafastamento para criar histórias para os outros, mas, nesse meio
tempo, busca se autodescobrir. Encontrar a felicidade que proporciona para
outras pessoas.
Theodore, o personagem de
Joaquin Phoenix, é uma dessas pessoas. Utiliza os seus próprios sentimentos
para fazer com que, em palavras, outras pessoas vivam o que gostaria de estar
vivendo ou sentindo: o amor. Um dos exemplos mais bonitos utilizados pelo
figurinista Casey Storm para diagnosticar essas emoções, por exemplo, é o
contraste entre o vermelho usado pelo protagonista e as roupas mais claras de
quem o cerca. O mesmo vermelho intenso dos estofados do trabalho tanto aponta
para uma pessoa que vive aquilo sempre quanto para alguém que finge ser outra
pessoa o tempo todo, denotando igualmente a sua antissociabilidade. Da mesma
forma, a medida que a felicidade vai entrando na vida do rapaz, os tons de suas
camisas também mudam: após a conversa com um boneco grosseiro (um dos melhores
momentos do longa), é a primeira vez que Theodore utiliza uma camisa branca com
um casaco vermelho por cima; noutro momento, ele usa cinza com listras
vermelhas; assim por diante.
Além do mais, embora o close
constante de Spike Jonze produza uma ideia de intimidade, Theodore consegue ser
apenas íntimo com algo tecnológico, que o conhece mais que qualquer outra
pessoa, sabe seus sonhos e foi feito para atender as suas necessidades. São
tempos palpáveis, afinal. A tecnologia influencia todo o nosso cotidiano:
comandos de voz, chats sexuais e, finalmente, os OSs – sistemas operacionais
com sentimentos. O auge da tecnologia. O mais importante: uma realidade futura
que não está totalmente fora de alcance, pelo contrário; algo que chega a
tornar a empatia até um pouco desconfortável.
Nesta perspectiva, Joaquin
Phoenix continua trilhando certeiramente o caminho de personagens destrutivos,
complexos e desiludidos que se alinham com sua própria persona pública. Seu
Theodore se sente incomodado com os próprios sentimentos, demora em aceitá-los,
reflete sobre suas ações e apenas se dá por vencido quando vê que não está
louco – outras pessoas também estão vivendo romances com OSs, como aponta Amy
(“uma amiga ficou com o OS de outra pessoa!”). Observe, ainda, o momento em que
o personagem tem uma conversa com um sistema operacional de um falecido
filósofo e o (perfeito) olhar ciumento que denuncia. Já Scarlett Johansson tem
a atuação de uma carreira transmitindo todos os seus desejos e frustrações
somente pelo tom de voz. Algo tão digno que qualquer premiação relevante a
premiaria por seu trabalho. A visão dinâmica entre sociedade e tecnologia é
exponencialmente mais brilhante quando é Samantha a entregá-la: desde a sua
clemência pelo toque até a sua fuga para algum outro lugar (e o diálogo “Às
vezes, eu acho que já senti tudo o que precisaria sentir na minha vida!” não
representa apenas um deles).
Por fim, Jonze é brilhante em
como administra nossas incertezas sobre o amor e as inúmeras camadas de nossos
relacionamentos. Como controlar por quem iremos nos apaixonar? Do mesmo modo,
como sentimos os nossos relacionamentos passados? Com amargura ou apenas com
flashes de uma felicidade superficial que nos permitimos lembrar?! Uma verdade
que não podemos esconder no último encontro. Parafraseando o próprio
longa-metragem, são pedaços de nós que estão escancarados na tela. De nossas
sensações e neuras. E é belíssimo que Theodore perceba que, ao final, a
compaixão humana, emulada no clímax, é o que nos resta. Sempre teremos um ao
outro. Só falta compreendermos o mesmo.
Um comentário:
Ótima crítica.
Como te disse, o filme foi como um espelho do meu eu. Em muitos momentos da minha vida me senti exatamente como Theodore e, em outras vezes, como Samantha. Spike é maravilhoso!
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