18 de fevereiro de 2014

Ela

Her, EUA, 2013. Direção: Spike Jonze. Roteiro: Spike Jonze. Elenco: Joaquin Phoenix, Scarlett Johansson, Amy Adams, Chris Pratt, Rooney Mara, Olivia Wilde, Laura Kai Chen. Duração: 126 min.

Eu descobri minha depressão aos 20 anos. Tomei todo o tipo de remédio que poderia ser diagnosticado, mas foi a escrita que me ajudou a passar pelos piores momentos. Expor meus sentimentos em palavras acabou sendo mais significativo que qualquer fórmula médica. De certa forma, o trabalho de um escritor ou alguém que vive com a escrita sempre indica uma forte camada pessoal. Uma reflexão sobre sua própria existência. Ele dá voz para outras pessoas – existentes ou não –, pode utilizar o seu autoafastamento para criar histórias para os outros, mas, nesse meio tempo, busca se autodescobrir. Encontrar a felicidade que proporciona para outras pessoas.

Theodore, o personagem de Joaquin Phoenix, é uma dessas pessoas. Utiliza os seus próprios sentimentos para fazer com que, em palavras, outras pessoas vivam o que gostaria de estar vivendo ou sentindo: o amor. Um dos exemplos mais bonitos utilizados pelo figurinista Casey Storm para diagnosticar essas emoções, por exemplo, é o contraste entre o vermelho usado pelo protagonista e as roupas mais claras de quem o cerca. O mesmo vermelho intenso dos estofados do trabalho tanto aponta para uma pessoa que vive aquilo sempre quanto para alguém que finge ser outra pessoa o tempo todo, denotando igualmente a sua antissociabilidade. Da mesma forma, a medida que a felicidade vai entrando na vida do rapaz, os tons de suas camisas também mudam: após a conversa com um boneco grosseiro (um dos melhores momentos do longa), é a primeira vez que Theodore utiliza uma camisa branca com um casaco vermelho por cima; noutro momento, ele usa cinza com listras vermelhas; assim por diante.

Além do mais, embora o close constante de Spike Jonze produza uma ideia de intimidade, Theodore consegue ser apenas íntimo com algo tecnológico, que o conhece mais que qualquer outra pessoa, sabe seus sonhos e foi feito para atender as suas necessidades. São tempos palpáveis, afinal. A tecnologia influencia todo o nosso cotidiano: comandos de voz, chats sexuais e, finalmente, os OSs – sistemas operacionais com sentimentos. O auge da tecnologia. O mais importante: uma realidade futura que não está totalmente fora de alcance, pelo contrário; algo que chega a tornar a empatia até um pouco desconfortável. 

Nesta perspectiva, Joaquin Phoenix continua trilhando certeiramente o caminho de personagens destrutivos, complexos e desiludidos que se alinham com sua própria persona pública. Seu Theodore se sente incomodado com os próprios sentimentos, demora em aceitá-los, reflete sobre suas ações e apenas se dá por vencido quando vê que não está louco – outras pessoas também estão vivendo romances com OSs, como aponta Amy (“uma amiga ficou com o OS de outra pessoa!”). Observe, ainda, o momento em que o personagem tem uma conversa com um sistema operacional de um falecido filósofo e o (perfeito) olhar ciumento que denuncia. Já Scarlett Johansson tem a atuação de uma carreira transmitindo todos os seus desejos e frustrações somente pelo tom de voz. Algo tão digno que qualquer premiação relevante a premiaria por seu trabalho. A visão dinâmica entre sociedade e tecnologia é exponencialmente mais brilhante quando é Samantha a entregá-la: desde a sua clemência pelo toque até a sua fuga para algum outro lugar (e o diálogo “Às vezes, eu acho que já senti tudo o que precisaria sentir na minha vida!” não representa apenas um deles).

Por fim, Jonze é brilhante em como administra nossas incertezas sobre o amor e as inúmeras camadas de nossos relacionamentos. Como controlar por quem iremos nos apaixonar? Do mesmo modo, como sentimos os nossos relacionamentos passados? Com amargura ou apenas com flashes de uma felicidade superficial que nos permitimos lembrar?! Uma verdade que não podemos esconder no último encontro. Parafraseando o próprio longa-metragem, são pedaços de nós que estão escancarados na tela. De nossas sensações e neuras. E é belíssimo que Theodore perceba que, ao final, a compaixão humana, emulada no clímax, é o que nos resta. Sempre teremos um ao outro. Só falta compreendermos o mesmo. 


Um comentário:

Cristiane Costa disse...

Ótima crítica.
Como te disse, o filme foi como um espelho do meu eu. Em muitos momentos da minha vida me senti exatamente como Theodore e, em outras vezes, como Samantha. Spike é maravilhoso!