13 de agosto de 2014

Marca do Medo, A

The Quiet Ones, EUA/Inglaterra, 2014. Direção: John Pogue. Roteiro: Craig Rosenberg, Oren Moverman e John Pogue, baseado na história de Tom de Ville. Elenco: Jared Harris, Sam Clafin, Erin Richards, Rory Fleck-Byrne, Olivia Cooke. Duração: 98 min. 

Quando a Hammer Studios estava em seu auge, final dos anos 50 e começo dos 60, o debate entre religião e ciência estava voltando ao centro da produção cinematográfica no gênero. Após anos orientando as narrativas para o caráter científico com base na energia nuclear, os diretores refletiram que a natureza humana era muito mais perigosa e palpável para ser abordada. Pois é voltando aos anos 70 que a companhia tenta resgatar a essência de algumas de suas grandes produções, mas sem que isso signifique fugir da modernidade. 

Porque, embora retorne ao passado, o diretor John Pogue encara as mudanças ocorridas nos últimos anos com bom humor e com apreço, o que também indica o uso da câmera subjetiva. Pontualmente espirituoso em tratar o debate entre ciência e religião (“O que esperava, a minha cabeça girando em 360º?”), que aqui lembra bastante o de O Exorcismo de Emily Rose, Pogue também adiciona um apelo sentimental forte com a situação vivida pela personagem enclausurada em nome da ciência. Assim, com um cientista que acha poder diagnosticar e curar manifestos psíquicos (tramas dignas da Hammer clássica), a direção é eficiente em denunciar que Jane não é nada mais que um experimento – e basta observar o primeiro close, onde só podemos analisar os dedos do pé de Jane e a fresta de uma porta nos remete a uma prisão. A intenção acaba sendo a repulsa, obviamente. 

Da mesma forma, Pogue orquestra competentemente a maneira com que a divisão de convicções e suposições alternativas é tomada: duas cenas são bons exemplos – a primeira delas, a aparição de um dos personagens numa janela com uma lanterna, funcionando como uma brincadeira metalinguística; a segunda, o mau trato com a paciente na tentativa de verificar o seu receio com fogo. Sem contar portas que se abrem por, bem, acasos. Por outro lado, o longa-metragem decepciona na resolução de seu clímax, ancorando-se na maior facilidade de todas, e fracassando, consequentemente, nas intenções de criar algo mais racional. As próprias manifestações finais são risíveis, quando tudo parece ser obra de um demônio, nesta perspectiva; ao passo que o ponto de virada final é feito às pressas, como se os roteiristas acreditassem que o filme necessitava de algo surpreendente. 

Jared Harris, em contrapartida, mantém-se intacto durante todo o percurso, conseguindo oferecer a dinâmica requerida ao seu personagem. Desta forma, avalie como o ator é esperto em utilizar o seu rosto paternal e carismático para esconder uma falsa benevolência e malícia. E se os outros são coadjuvantes rasos, mas adequados, Olívia Cooke também é hábil em apontar seu carinho pelo professor e nos manter crentes de suas boas intenções. 

Uma pena que o terceiro ato não faça jus as explicações trabalhadas nos dois primeiros. Instituindo uma obra paradoxal em seu princípio. A Marca do Medo não é um grande filme, claro, mas uma obra interessante o bastante para recolar a Hammer atual em destaque.


6 de agosto de 2014

Guardiões da Galáxia

Guardians of the Galaxy, EUA, 2014. Direção: James Gunn. Roteiro: James Gunn e Nicole Perlman, baseado nos quadrinhos de Dan Abnett e Andy Lanning. Elenco: Chris Pratt, Zoe Saldana, Bradley Cooper, Vin Diesel, Dave Bautista, Lee Pace, Michael Rooker, Karen Gillan, Djimon Hounsou, John C. Reilly, Glenn Close e Benício Del Toro. Duração: 121 min.

Quando escrevi sobre Thor: O Mundo Sombrio havia julgado que, embora a Marvel tivesse criado uma interessante estrutura narrativa complementar ao seu universo, a sua fraqueza residia no temor de desvencilhar-se da suposta fórmula infalível encontrada. Assim, o estúdio chegava a atrapalhar os horizontes possíveis dos personagens para não perder os frutos rendidos por eles e sua alta comercialização. Guardiões da Galáxia, por outro lado, carregando heróis desconhecidos do grande público, não precisava se preocupar tanto em levar o prestígio e a previsibilidade de outros filmes da companhia. Esse era o acerto da ficção-científica Serenity, por exemplo, que abdicava completamente da sobrevivência de seus heróis ao final do filme, já que muitos não possuíam a familiaridade com a antiga série. A imprevisibilidade, apesar do choque, conquistava por completo. É difícil entender, portanto, o motivo de Guardiões da Galáxia querer soar como um filme de super-heróis tão pragmático, previsível e um pouco insosso.

Pontuando sua narrativa com esferas dramáticas fora de contexto, como uma mãe morrendo de câncer ou um momento em que dois personagens só se apaixonam porque é o que se espera deles, o competente James Gunn se esforça ao máximo para indicar que todo o filme não passa de uma grande piada. Desta forma, preocupando-se em incluir uma dança afetada de Peter Quill para simplesmente arrancar risadas, após uma cena pesadíssima, ou transformar uma sequência clichê em quase um exercício metalinguístico para não parecer algo que já vimos antes. E duas sequências denunciam esse apelo: a primeira, Peter em cima de Gamora falando sobre o altruísmo que sentiu para salvá-la; a outra, muito mais genuína e simpática, com Rocket pensando o quão tolo é os personagens ficando de pé para demonstrar uma suposta bravura.

Além do mais, corriqueiro no universo Marvel, o cineasta reaproveita piadas que deram certo para não ter que se preocupar com a profundidade da história – não que isso seja a intenção explícita, tampouco. Groot repetindo o seu nome inúmeras vezes, uma sequência impagável com uma perna mecânica é retomada no terceiro ato e até uma piada com Kevin Bacon chega a se repetir. Do mesmo modo, Gunn tenta criar suas gags gráficas ou descritivas com o inesperado. Neste caso, as situações que os personagens se envolvem são sempre insanas para justamente usufruir do cômico da surrealidade – e basta observar alguém dançando num confronto final, Rocket desdenhando da aparência humana ou um sujeito que não entende a ironia (“Eu não sou uma princesa”).

Não que muitos momentos não sejam genuínos, pois os são. A cena em que Groot desativa uma bateria enquanto os personagens discorrem sobre o plano é excepcional, bem como a citada cena dos personagens reunidos para a missão e um comovente segundo entre Groot e Rocket se despedindo. Contudo, é muito frustrante a fragilidade com que a fórmula da Marvel continua conquistando o público: e qualquer um que já tenha assistido a mais de um longa-metragem do estúdio saberá qual o exato destino de cada um daqueles protagonistas, resultando numa experiência confortável e previsível, nunca rendendo uma real preocupação – o que é um problema. E, neste aspecto, o filme perde muito, da mesma forma que o covarde Homem de Ferro 3, ao ressuscitar personagens para não perder seus rostos no decorrer da franquia.  

Culminando num terceiro ato espirituoso, mas tão precário quanto um final de episódio procedural, onde analisamos a felicidade de cada um e as respectivas sequelas do último trabalho, Guardiões da Galáxia é mais um demonstrativo da força que a Marvel Studios construiu nos últimos anos – conseguindo vender qualquer coisa que tenha seu nome.