29 de maio de 2012

Branca de Neve e o Caçador


 

Snow White and the Huntsman, EUA, 2012. Direção: Rupert Sanders. Roteiro: Evan Daugherty, John Lee Hancock e Hossein Amini. Elenco: Kristen Stewart, Charlize Theron, Chris Hemsworth, Sam Claflin, Ray Winstone, Nick Frost, Toby Jones e Sam Spruell. Duração: 127 minutos.

Apenas nos últimos anos já nos deparamos com pelo menos três contos de fadas que tiveram uma adaptação mais sombria e pesada saída das mãos de seus respectivos diretores. Casos como Chapeuzinho Vermelho, Alice no País das Maravilhas e agora Branca de Neve (conto que recebe sua segunda versão só neste ano) buscam oferecer ao espectador um clima mais atual e menos mágico que os desenhos feitos sobre as personagens.

Entretanto, sempre as maiores falhas destas adaptações foram às visões de seus diretores sobre a história, geralmente criando obras extremamente irritantes e falhas em sua maior parte. No mais novo exemplo, Branca de Neve e o Caçador, o filme até conta com ideias interessantes, mas é constantemente sabotado pelo exagero e a insegurança do estreante Rupert Sanders na direção.

Escrito por Evan Daugherty, John Lee Hancock e Hossein Amini, a história gira em torno de Branca de Neve (Kristen Stewart), que é mantida como prisioneira pela Rainha Ravenna (Charlize Theron), até o dia em que consegue escapar. Para recapturar Branca de Neve e capturar a essência da beleza da protagonista (algo que não havia se tocado até então), a Rainha contrata o caçador Eric (Chris Hemsworth) para... bem, para trazer uma versão diferente do clássico conto dos irmãos Grimm.

Guiando sua narrativa pelo puro exagero estético, Sanders explora todo o design de produção de Dominic Watkins desde o começo – assim, já na primeira cena, deparamo-nos com uma personagem ambientada numa paisagem completamente tomada pela (oh!) neve. Do mesmo modo, o diretor também busca estabelecer um aspecto mais puro e belo, explorando os verdes de sua floresta, apenas para depois mergulhar seu longa-metragem em uma constante escuridão e vazio (inclusive, salientando a floresta tomada pelo fogo).

Além disso, Sanders apenas quer ressaltar a todo o momento o quão “mágico” são aqueles ambientes que admiramos e os personagens envolvidos nele – desta feita, chega a ser risível a cena em que o diretor mergulha a personagem de Charlize Theron em algo que parece ser uma fonte de leite para absolutamente... nada.  Aliás, não só isso, o diretor parece totalmente inseguro e ansioso por seu primeiro trabalho atrás das câmeras ser de tamanha responsabilidade, desta forma, é curioso notar como em todo momento algum estilo novo de direção é mostrado, apenas para dizer que há um diretor ali. Logo, gruas, slow motions, zooms de aproximação, jogo de foco e cortes rápidos em cenas de ação são utilizados como se não houvesse amanhã.

Em contrapartida, como não poderia deixar de ser, algumas das tentativas acabam sendo certeiras: como no momento em que o diretor mostra Branca de Neve andando pelas sombras de Ravenna ou quando o diretor ressalta a perda de juventude da rainha, apenas focalizando suas costas magérrimas e sua palidez. Igualmente acertado são momentos do roteiro escrito por Daugherty, Hancock e Amini (provavelmente o responsável pelos maiores acertos) como o uso da narrativa em off no primeiro ato que conta a história quase na forma de um poema (e que, infelizmente, é descartado em seguida) ou até mesmo na simples pista e recompensa sugerida pela maçã mordida.

Aliás, estes aspectos sutis do roteiro tornam-se sua maior força, e não apenas na questão da maçã; a maneira como Ravenna se infiltra na vida do reino do pai de Branca de Neve, por exemplo, remete perfeitamente a um conceito como o do famoso cavalo de Tróia. Além disso, a questão da pureza da protagonista ser trocada por uma maturidade é outro ponto chave que os roteiristas poderiam explorar muito mais.

Todavia, se a mão do diretor pesa na grande parte das cenas num exagero dominante, o elenco também parece estar fora de sintonia, apesar de seus bons momentos. Chris Hemsworth oferece mais uma vez um trabalho competente ao retratar a perda de alguém próximo; aliás, se não fosse sua naturalidade em compor o caçador, a cena (piegas) de sua declaração às lágrimas para Branca de Neve nunca soaria genuína. Stewart também não compromete como a personagem-título, criando uma protagonista que destoa de seu trabalho em Crepúsculo (mesmo que alguns maneirismos como os lábios semicerrados estejam presentes) ao oferecer uma maior maturidade para sua personagem, falhando (muito) apenas em seu discurso final que é trocado por uma sequência de gritos irritantes e que é confundida com um discurso de guerra.  

Surpreende, portanto, que Theron seja a mais prejudicada pelo roteiro ao criar uma personagem completamente fora do tom. A atriz, aqui, parece conhecer apenas o autocontrole de sua personagem e suas pontuais explosões – algo que culmina em cenas desastrosas como a aparente convulsão que a personagem sofre em determinado momento da trama, além de Ravenna ser irritante ao sempre proferir suas falas pausadamente e prolongadas (basta observar a pronúncia que Theron dá para a frase: “minha beleza... desvanece!”).

No fim, ainda mais triste é perceber que Branca de Neve e o Caçador talvez seja o que mais se aproximou de uma nova (e interessante) versão para um conto de fadas. E é triste observar que, mesmo tendo uma história em que a protagonista passa por um possível estupro ou que a busca pela imortalidade e o que o exterior diz de uma pessoa seja sugerido, novamente um potencial foi prejudicado pelas fragilidades de seu diretor.  

12 de maio de 2012

Filha do Mal


 
The Devil Inside, EUA, 2012. Direção: William Brent Bell. Roteiro: William Brent Bell e Matthew Peterman. Elenco: Fernanda Andrade, Simon Quarterman, Evan Helmuth, Ionut Grama, Suzan Crowley e Bonnie Morgan. Duração: 83 minutos.

Consigo imaginar uma reunião entre os envolvidos de “Filha do Mal”. Todos em um bar, final de um expediente exaustivo, depois de uma semana longa, decidem tomar umas taças a mais. Lá pelas tantas, o mais novo do grupo e provavelmente o que quer ser o mais descolado dali (o qual chamaremos de Bell) levanta a hipótese daquelas pessoas gravarem um longa-metragem com a câmera que havia acabado de ganhar de algum familiar. Qual seria o tema? Como cada um participaria? Quanto renderia? Como iríamos bancar? Provavelmente as perguntas começaram a surgir no momento em que Bell sugeriu isso, mas nunca num tom sério, aliás, suspeito que todos falavam às gargalhadas cenas que eram pensadas ali na mesa.

Todavia, Bell foi para sua casa com a mente martelando nas inúmeras possibilidades que seus colegas haviam levantado até então e as engavetou em uma parte de seu cérebro. A gota d'água veio quando o jovem diretor, e é apenas uma divagação minha, viu pela primeira vez a trilogia "Atividade Paranormal", como todo jovem com um sonho e uma câmera na mão, pensou: “o quanto deve ser difícil fazer algo assim?”. A resposta, infelizmente, veio para nós agora, em 2012, quando nos deparamos com seu filme “Filha do Mal”.

Sim, seria de se estranhar que mesmo com os gêneros mockumentary e found footage tão na moda ultimamente, não fosse levantada essa possibilidade pelos jovens bêbados que se reuniram um dia para pensar em um filme no qual envolvesse pouco dinheiro, muito lucro e um gênero que a maioria do público aprecisasse. Todavia, como falamos de um filme em que seus envolvidos parecem desconhecer totalmente seus potenciais e seus clichês, não julgaria essa probabilidade tão questionável assim. Afinal, acompanhando a história de Isabella Rossi (a brasileira Fernanda Andrade) em busca de respostas para o comportamento “sobrenatural” de sua mãe ao matar três pessoas em 1989 durante uma sessão de exorcismo, o roteiro escrito por William Brent Bell e Matthew Peterman parece não ter nenhum tipo de foco aparente para contar sua “história”.  

Apenas salientando questões minimas do roteiro, como o fato de os personagens entrarem em certos lugares usando a câmera e como são obtidas essas permissões (apesar de não serem inteligentes nem ao menos neste aspecto, já que o máximo que conseguem desenvolver é: “somos da imprensa!”), e se esquecendo de questões mais importantes que são citadas no começo do longa, o roteiro de Bell e Peterman consegue ser admirável por manter desde o início seu grau de qualidade – basta observar, por exemplo, a maneira com que os dois sugerem um debate sobre ciência e religião no primeiro ato apenas para descartá-lo em seguida. Não só isso, ambos parecem ter um prazer impressionante ao tentar sabotar todos que fazem parte da equipe de seu longa-metragem, única explicação para o fato de um determinado momento o roteiro dizer que o que acontece em uma instituição psiquiátrica não tem nada a ver com exorcismos e sim com ciência; para noutro momento, a direção de arte retratar o quarto da mãe da protagonista naquele local com – pasmem! - diversos crucifixos ao seu redor.

Como se não fosse o bastante, para Bell, um filme de terror basicamente reside em dar sustos gratuitos sem nenhum tipo de substância a cada cinco minutos – como se de alguma forma isso desviasse a atenção do espectador para aquilo que está assistindo. Além disso, o diretor/roteirista parace achar que gritos histéricos, freiras cegas e olhares maldosos de uma criança de 4 anos são o suficientes para causar tensão – algo que culmina em uma cena no mínimo curiosa e hilária em que uma personagem pergunta “você está nervoso?”, apenas para depois de uma resposta negativa saltar um cão em direção ao grupo de personagens para os assustar.

E se poderíamos ao menos ter pena dos atores que possivelmente não teriam lido o roteiro antes de assinar o contrato, essa perspectiva também vai pro espaço quando vemos suas “qualidades”. Se Andrade apenas tenta evidenciar através de diálogos tudo o que está passando naquele momento e os atores Simon Quarterman e Evan Helmuth não convenceriam como padres nem as mais ingênuas vítimas de estelionato, surpreende que Suzan Crowley não esteja se divertindo por protagonizar momentos tão involuntariamente cômicos no decorrer do filme.  

Contudo, em seu final, seria injusto não direcionar toda a falta de qualidade de “Filha do Mal” para seus reais criadores, Bell e Peterman. Querendo ser tão absurdos quanto seu comunicado no começo do filme (“o vaticano não apoiou esse filme, nem ajudou em sua execução”), ambos são ao menos fiéis a sua imaturidade em cada cena do longa. Uma pena, portanto, que quando certo personagem pergunta "por que você está fazendo isso, esse documentário?", a resposta não tenha sido realmente a honesta: “estou fazendo isso por dinheiro, somente por ele!”.

6 de maio de 2012

Um Método Perigoso


A Dangerous Method, Inglaterra/Alemanha/Canadá/Suiça, 2011. Direção: David Cronenberg. Roteiro: Christopher Hampton, baseado no livro de John Kerr. Elenco: Michael Fassbender, Viggo Mortensen, Keira Knightley, Vincent Cassel e Sarah Gadon. Duração: 99 minutos.

De certa forma, a sexualidade e a psicanálise sempre fizeram parte da extensa filmografia de David Cronenberg. Afinal, ainda que o diretor também se interessasse pelo macabro em seus filmes, sempre intrínseca a essas narrativas também estava o sexo e a tensão psicológica, como em “A Mosca”, “Gêmeos – Semelhança Mórbida” ou Crash. Torna-se, portanto, uma decisão sábia a de o diretor assumir a condução de uma história que envolve sexualidade e duas das maiores mentes que já apareceram na psicologia comportamental. E mesmo que Cronenberg fique em momentos na linha tênue entre o burocrático e o fluido, o terceiro ato nos remete mais uma vez a perspicácia do diretor aos detalhes e a segurança ao abordar algo que domina.

Tendo como base uma troca de cartas entre Carl Jung e Sigmund Freud, baseado no livro de John Kerr, o roteiro escrito por Christopher Hampton aborda o relacionamento dos dois pais da psicanálise em um dos períodos importantes da vida do primeiro. Na trama, Jung (Michael Fassbender) começa um tratamento inovador em Sabina Spielrein (Keira Knigthley) e se envolve “romanticamente” com a jovem. Com uma admiração ímpar pelo trabalho de Sigmund Freud (Viggo Mortensen), Jung se dispõe a discutir novos tratamentos e penetrar mais a fundo nos mistérios da mente humana; porém, as divergências entre Jung e Freud sobre suas filosofias se tornam cada vez mais constantes...

Limitando-se a planos convencionais no começo da narrativa e introduzindo o espectador de maneira abrupta naquele mundo, Cronenberg falha basicamente ao expor a identidade de seus personagens de maneira inorgânica na narrativa, algo que apenas não se torna problemático por já termos prévio conhecimento sobre quem são aquelas figuras. Todavia, Cronenberg acerta em não se ater apenas em jogar dois personagens históricos debatendo sobre suas filosofias e tenta construir com sabeboria o relacionamento de Sabrina e Jung no primeiro ato.

Assim, não esquecendo de suas habilidades como diretor, Cronenberg realiza planos admiráveis ao retratar que caminho aqueles personagens estão percorrendo – para isso, basta observar a cena em que Jung e Sabrina dão uma longa caminhada numa grande escadaria e a semiótica da cena ao representar o trajeto de altos e baixos que os dois irão ter no decorrer de seu relacionamento. Ou até mesmo quando vemos a estrada linear que Sabrina passa a percorrer em certo instante.

Não apenas isso, o diretor também é preciso (como não poderia deixar de ser) nos embates analíticos presentes durante a narrativa. Além disso, como não ficar instigado por frases como a de Otto Gross ao diagnosticar Freud (“Acredito que a obsessão de Freud está ligada ao fato dele nunca conseguir transar!”) ou no próprio Freud tentando estabelecer racionalidade em certa circunstância ("No geral, não ligo se um homem acredita em Ramã, Marx ou Afrodite, desde que deixe isso do lado de fora do consultório")? Assim, os diálogos do longa-metragem conseguem sempre manter a qualidade com uma pertinente acidez, principalmente nos encontros entre Freud e Jung e suas divergências sobre sexualidade X espiritualidade.

E é encontrando força dramática em seus protagonistas que os diálogos e a direção de Cronenberg ganham outros ares a partir do segundo ato. Criando Jung como um sujeito centrado, frio em certo aspecto e com uma postura atenciosa, Fassbender é eficiente ao retratar o conflito entre sua filosofia e a de Freud, porém, falha em demonstrar o emocional de seu relacionamento com Sabrina e as sequelas que trazem em sua vida – nunca soando genuíno o seu possível “amor” pela personagem ou ao menos interessante.

Nesta perspectiva, Keira Knightley é ainda pior ao compor Sabrina com trejeitos caricaturais absurdos e deslocados, como suas constantes risadinhas no início, sua tremedeira ou seus gritos desesperados. A atriz ainda é desconcertante ao se contorcer de todas as maneiras imagináveis no primeiro ato e remeter a sua respiração a algo que talvez seria mais pertinente num fingimento de orgasmo, por exemplo. Ciente disto, é no mínimo curioso notar que até Cronenberg, sabendo das limitações da atriz, não tenta demonstrar a evolução da personagem durante o tratamento – algo salientado pela utilização do recurso simples e precário: “dois anos depois...”.

Por outro lado, Viggo Mortensen impressiona pela naturalidade ao personificar Sigmund Freud e a maneira com que posta sua voz. Um bom exemplo é o modo como o personagem se altera e o alto controle de temperamento, além da calma com que profere uma ofensa a alguém ou alguma coisa. Assim, torna-se sempre fascinante observar a maneira de agir de Freud em determinados momentos da narrativa, como quando se sente desconfortável ao entrar no barco de Jung ou o olhar suplicante, em uma das várias discussões entre os dois analistas, buscando o bom senso do amigo. Ao passo que Vincent Cassel é competente ao compor Gross como alguém inquieto e que sempre está preocupado com algo.

Deixando suas melhores cartas para o final, Cronenberg consegue não apenas fechar todas suas subtramas no terceiro ato, como também dar substância para tudo que havíamos visto na narrativa até então. Do mesmo modo, o diretor ainda nos proporciona um plano excepcional ao mostrar Freud e Jung de lados opostos de uma mesa de debate, evidenciando as diferenças dos dois. E mesmo que aqui o lado obscuro ou macabro de Cronenberg não é apresentado, não dá para não notar que vimos mais um filme do diretor quando nos deparamos com Sabrina, depois de um ato sexual, afirmando: “há um poema do Lermontov que não sai da minha cabeça...”.