19 de junho de 2013

Antes da Meia-Noite

Before Midnight, EUA, 2013. Direção: Richard Linklater. Roteiro: Richard Linklater, Julie Delpy e Ethan Hawke. Elenco: Julie Delpy, Ethan Hawke, Seamus Davey-Fitzpatrick, Jennifer Prior, Charlotte Prior, Xenia Kalogeropoulou, Walter Lassally, Ariane Labed, Yiannis Papadopoulos, Athina Rachel Tsangari e Panos Koronis. Duração: 109 min.

Eu tinha seis anos quando Antes do Amanhecer chegava aos cinemas americanos e isso, obviamente, não é exclusivo. De certa forma, muitos de minha geração podem dizer que cresceram acompanhando o relacionamento de Jesse e Celene, que, depois do amanhecer e do pôr-do-sol, chega à meia-noite 18 anos depois. E é assim que a trilogia de Linklater significa para muitos de seus espectadores: algo tão íntimo que já ultrapassou a barreira cinematográfica. Nesse terceiro capítulo, diretor e roteiristas não se esquecem de utilizar os mesmos artifícios que os consagraram há muitos anos e retomam a história de forma quase mágica e, não deixando de ser, dramática.

Escrito por Richard Linklater, Julie Delpy e Ethan Hawke, a história acompanha mais uma fase da vida de Jesse e Celine, que agora vivem juntos em Paris e passam suas férias na Grécia, ao lado de suas filhas gêmeas. Após deixar o filho de outro relacionamento no aeroporto, o qual vive em Chicago, Jesse passa a refletir sobre uma possível mudança aos EUA enquanto Celine considera aceitar um emprego junto ao governo francês.

Visando essa intimidade entre público e personagens, Linklater chega a sugerir uma separação entre eles logo em sua emblemática cena inicial, quando aborda apenas o diálogo entre Jesse e seu filho. Aliás, essa perspectiva não se mostra tão errônea quando vemos Celine o esperando no carro, como se não quisesse presenciar mais uma dura despedida que traria incomodações para ela e que já ressaltava esse distanciamento dos dois quanto à questão. Os enquadramentos também ajudam a administrar essa dinâmica: observe, por exemplo, o clima descontraído e apaixonado com que ambos conduzem sua conversa durante uma única tomada num passeio de carro, com o diretor enquadrando apenas os dois; por outro lado, avalie suas posições durante a discussão em um quarto de hotel. Neste caso, quando eles passam a brigar, não são mais vistos no mesmo cômodo, ao passo que, no instante em que tentam a reconciliação, vão se aproximando aos poucos (note o movimento da mão de Jesse) e, até no momento em que estão no mesmo sofá, compreendemos como estão afastados um do outro. Sem se esquecer de como Jesse e Celine seguram suas mãos durante um monólogo feito durante o almoço – como se dissessem: isso nunca irá ocorrer conosco e eu me lembrarei de seu rosto para sempre.

Claro que em uma obra que conta com diálogos rápidos e reflexivos sobre os mais diferentes tipos de temas e problemas – desde sexo e amor (um dos meus momentos favoritos é aquele em que discutem sobre a pornografia do futuro) até política e religião –, Antes da Meia-Noite nunca perde o charme visto nos outros filmes. Deste modo, Jesse e Celine nos guiam pelas ruas da Grécia conhecendo a si próprios nesse percurso mais e mais, além de criar frases afiadas durante essa trajetória (“Quem iria querer Joana D’Arc como símbolo feminino? Foi queimada virgem” ou “O mundo é fudido por homens sem emoções tomando decisões”).

Todavia, Ethan Hawke e Julie Delpy são realmente os donos do show. Criando seu Jesse, mais uma vez, quase como um adolescente rebelde e sonhador, seu personagem parece sempre apaixonado por tudo o que vê e sua insegurança é visível em momentos que clamam por sua maturidade – a maneira como se comporta com seu filho, dando um chute juvenil nele, é um belo retrato. Já Delpy é mais racional e comprometida com a realidade de ambos, ela é a primeira que aponta o momento em que se encontram e já pensa na volta para a casa. Além do mais, ela constrói aos poucos seu rompimento com toda aquela situação no clímax: não posso deixar de ressaltar o emocionante tom de sua voz enquanto acompanha o pôr-do-sol ou o ruivo da barba de Jesse que teria apagado sua mais linda lembrança. O figurino, ao mesmo tempo, ressalta essas disparidades um com o outro – embora ela se vista de forma mais discreta, o personagem de Hawke surge com uma camisa jeans com um lado dela para dentro e outro para fora.

Deixando dúvidas no ar acerca do destino do que irá ocorrer a partir dali, como não poderia deixar de ser, Linklater termina o último ato de sua histórica trilogia unindo a magia que a consagrou com uma grande melancolia. E não dá para não sentir um pouco de saudades do relacionamento que marcou o cinema, quando começamos a nos afastarmos deles pela última e inevitável vez.
               
                            

5 de junho de 2013

Faroeste Caboclo

Idem, Brasil, 2013. Direção: René Sampaio. Roteiro: Victor Atherino, Marcos Bernstein e José Carvalho, baseado na música escrita por Renato Russo. Elenco: Fabrício Boliveira, Ísis Valverde, Felipe Abib, César Troncoso, Marcos Paulo, Rodrigo Pandolfo, Antonio Calloni, Cinara Leal, Juliana Lohmann, Léo Rosa, Flávio Bauraqui. Duração: 100 min.

É fácil ficar receoso com Faroeste Caboclo quando há dezenas de obras de gosto duvidoso chegando aos cinemas e pegando carona com o momento vivido pelo cinema nacional. Principalmente no momento em que vemos Somos Tão Jovens, filme que abordava um período da carreira de Renato Russo, transformar-se numa obra muito mais de culto ao compositor do que uma obra cinematográfica significativa. Uma surpresa, portanto, observar como o estreante René Sampaio não se limita a trazer a canção imortalizada pela Legião Urbana de forma literal e transforma a história de João em algo tão raro quanto a música de Renato Russo: uma crítica sutil ao preconceito em um mundo conturbado.

Escrito por Victor Atherino, Marcos Bernstein e José Carvalho, a história acompanha a trajetória de João de Santo Cristo que, após a morte de seus pais, ruma até Brasília e se alia ao primo Pablo. Em uma de suas missões para o parente, porém, ele quase é pego pela polícia e se esconde no apartamento de uma jovem de classe alta chamada Maria Lúcia, que se apaixona pelo estranho. A partir daí, os dois começam um relacionamento condenado pelos amigos e pelo pai da moça, enquanto João começa a finalmente se dar bem em seu negócio: o tráfico de cocaína.

Estabelecendo a atmosfera de sofrimento que João está inserido desde o começo, Sampaio já demonstra, através de closes nos olhos e nas armas, a vida do personagem chegando ao fim em uma sequência que parece saída de um western. Evidenciando uma juventude perturbada e cheia de ódio, o diretor nunca se restringe ao mostrar uma criança enterrando a mãe ou não pestanejando ao matar e cuspir em cima de alguém. Além do mais, o filme nunca surge muito mais explicativo do que deveria ser: assim, apenas somos informados onde estamos por meio de sinalizações, sem que personagens precisem falar sobre o lugar ou que letras garrafais indiquem nossa localização na história. Da mesma forma, João não precisa dizer que está numa situação complicada em Brasília, pois o observamos andando em caminhões fretados e pedindo ajuda para um primo distante.

Todavia, muito mais do que isso, a direção de René Sampaio é segura nas cenas de perseguição, em um angustiante estupro e em planos mais perspicazes – a sequência em que a droga vai passando de mão em mão numa festa é muito boa e a câmera instável no momento em que João volta a segurar uma arma é belíssima. Algo que se complementa, diga-se de passagem, com a ótima montagem de Marcelo Moraes: observe, por exemplo, a elegância da transição do tiro do João com o aprendizado com o pai ou quando o protagonista está correndo da polícia e nos é mostrado qual o motivo do medo (aliás, quem não correria pela própria vida num cenário desses, quando o pai foi assassinado por um policial?). Ao mesmo tempo, seria criminoso não ressaltar as ótimas elipses, destacando-se uma passagem de tempo no poço e outra pela Febem.

O roteiro também merece aplausos por não seguir completamente a risca a música e, ainda, por construir um cenário em que o Punk rock começa a florescer (o “americanês” nos diálogos das rodas de violão, idem), momento em que temos jovens revolucionários, onde a maconha e a rebeldia são amigas íntimas e há um grande contraste quanto às etnias e às classes. E ao mesmo tempo em que apresenta problemas quanto à época dos acontecimentos – espero estar enganado, mas o papel entregue a João em determinado instante é feito no computador, não?! – e algumas citações risíveis (“Logo os malucos da cidade souberam da novidade...”), isto é ofuscado junto à direção nas saídas para trechos da canção: muito interessante como a bíblia é importante para Jeremias e como o contraste entre pai e filha é feito através da música.

A fotografia de Gustavo Hadba, por sua vez, é um dos grandes méritos do longa-metragem. E se é bem pertinente o mundo obscuro da rebeldia ao som do Aborto Elétrico mergulhado nas sombras, ainda mais é a constante presença do verde na narrativa – inclusive, moldando o futuro dos personagens – e as distinções entre um ambiente e outro.  Avalie, sob este olhar, como a casa de Jeremias sempre aparece mais clean do que o amarelo opressivo da residência de Pablo, escancarando suas diferenças. Do mesmo modo, além do amarelo, os tons verdes ganham profunda importância em advertir o momento em que João de Santo Cristo se encontra – basta avaliar dois exemplos: no primeiro deles, o verde presente no quarto de Maria Lúcia, enquanto na sala, observamos, atrás do pai da moça, o mesmo tom amarelo que víamos com Pablo – alguém que João quer se distanciar; noutro, as paredes manchadas da prisão são donas de um verde mais escuro, ao passo que o lado de fora, onde Maria Lúcia surge, expõe o branco (que vimos com Jeremias em outra ocasião). Aliás, note que o último contato que ela faz com João, “abandonando-o”, é marcado por ela saindo para a claridade do lado de fora – como se ela finalmente tivesse deixando o passado para trás.

Mas Faroeste Caboclo não é somente uma façanha técnica. Construindo seu João de Santo Cristo com sabedoria e o deixando com um constante olhar de menino perdido, Fabrício Boliveira estabelece um complemento à emoção à flor da pele de Maria Lúcia. Sua flor de madeira, além do mais, assinala perfeitamente seu estado de espírito. Já Ísis Valverde imprime mais uma vez seu talento em um papel que requer muito dela emocionalmente, o que ela responde genuinamente.

Mostrando-se maduro o suficiente para cortar partes que achava necessário sem se preocupar com a ira de fãs fervorosos, René Sampaio desponta como um nome notável e promissor do cinema nacional em sua estreia em longas. Seu preciosismo técnico e a atenção para os mínimos detalhes de sua produção (Maria Lúcia indo encontrar seu amor com uma blusa verde) só não são maiores de que sua mensagem. E a história de João de Santo Cristo, que tentou a sorte nos brilhos daquela cidade nova, assim como quando ouvi a música pela primeira vez, não sairá tão cedo da minha cabeça. 


                               

3 de junho de 2013

Além da Escuridão - Star Trek

Star Trek Into Darkness, EUA, 2013. Direção: J. J. Abrams. Roteiro: Roberto Orci, Alex Kurtzman e Damon Lindelof, baseado no seriado televisivo de Gene Roddenberry. Elenco: Chris Pine, Zachary Quinto, Benedict Cumberbatch, Karl Urban, Zoe Saldana, Simon Pegg, John Cho, Anton Yelshin, Bruce Greenwood, Peter Weller, Alice Eve, Leonard Nimoy. Duração: 132 min.

Sempre que os filmes da franquia Star Trek se basearam no relacionamento entre seu trio principal, o universo idealizado por Gene Roddenberry ganhava muito. Mesmo que o primeiro longa-metragem com J. J. Abrams no comando não tenha tanto dessa esperada química, dá-se um desconto por tratar de um retorno daquele mundo ao cinema e de uma apresentação para uma nova geração; entretanto, nesse novo exemplar, não há mais desculpas quando notamos o diretor trocar emoções genuínas por uma aventura confortável.

Escrito pelos responsáveis por filmes como Cowboys & Aliens, Bem Vindo à Vida e Transformers, a trama é basicamente uma refilmagem de outro filme da série original, A Ira de Khan. Em uma nova missão, a tripulação da nave Enterprise se dirige para um planeta habitado por klingons, cuja raça está prestes a iniciar uma guerra contra a Federação, a fim de localizar um ex-agente da Frota Estelar que passou a atacar seus ex-comandantes.

Inserindo-nos na aventura de imediato, numa eficiente sequência que se passa em um planeta primitivo, com o objetivo de parar a erupção de um vulcão, Abrams já focaliza a interação clássica entre o trio de protagonistas – enquanto Bones serve como o equilibrio irônico da impulsividade de Kirk frente a racionalidade de Spock, observamos na dinâmica um completando o outro: isso é perfeitamente visualizado em um exame médico nada comum de McCoy em Kirk. Além disso, o diretor é hábil em apresentar as distinções e leva o crédito da ótima montagem de Maryann Brandon e Mary Jo Markey, que administram bem o ritmo: o fato de Kirk ser mulherengo não caber nos diálogos não afeta essa particularidade quando o vemos acordando em um hotel, por exemplo. Mas, muito mais do que isso, os montadores são exemplares no uso de raccords: poderia citar a transição sonora de um “holy shit”, mas o mais admirável é uma fusão feita entre um desenho no chão e a Enterprise.

Por outro lado, ainda que procure ressaltar a relação entre os três protagonistas para dar o impacto necessário para o terceiro ato, o filme falha miseravelmente por sua abordagem mais aventuresca do que intimista – algo que o filme de 1982 possuía. Assim, não sentimos o mesmo peso de uma decisão que havíamos experimentado há mais de 30 anos e muito menos a mesma coragem em questão, pois, ao contrário do que Abrams queira passar no tom humano (basta ver a forma como Spock se rende à sua emoção), sua decisão parece a de querer nunca sair de uma zona segura. Falando em segurança, algo que ele já gosta de justificar como estilo, Abrams não se envergonha em envolver cada tomada sua com algum tipo de flare – chegando ao cúmulo de fazer com que quase não enxerguemos claramente os contornos da personagem de Alice Eve em um momento.

Entretanto, boa parte dos problemas de Além da Escuridão são eclipsados pela presença notável de Benedict Cumberbatch no papel de antagonista. Claramente o personagem mais profundo da história e com caráter volátil aos seus próprios interesses, como não poderia deixar de ser, o ator surge sempre imponente, aproveitando-se dos closes de Abrams que o destacam – basta analisar sua conversa com Kirk abordo da Enterprise. Além disso, a imprevisibilidade de suas ações passa a fazer com que o espectador questione a sua real natureza e até se compadeça com sua busca, mesmo que sua crueldade seja nítida. Zachary Quinto, por sua vez, procura utilizar o lado mais humano de Spock novamente, porém, não chega ao resultado que espera no grande clímax; ao passo que Pine limita-se a ter os mesmos conflitos do primeiro filme e Urban em investir no alívio cômico.

Ainda que seja evidente seu potencial, esse recomeço de Star Trek aponta que se necessita de um cuidado maior em sua produção. Abrams mostra que não basta somente homenagear os personagens clássicos com breves aparições, mas que há de se moldar questões tão emblemáticas como aquelas que Roddenberry ousou mostrar um dia.

                             

1 de junho de 2013

O Massacre da Serra Elétrica 3D - A Lenda Continua




Texas Chainsaw 3D, EUA, 2013. Direção: John Luessenhop. Roteiro: Adam Marcus, Debra Sullivan e Kirsten Elms, baseados nos personagens criados por Kim Henkel e Tobe Hooper. Elenco: Alexandra Daddario, Dan Yeager, Trey Songz, Scott Eastwood, Tania Raymonde, Shaun Sipos, Keram Malicki-Sánchez, James MacDonald, Thom Barry, Paul Rae, Richard Riehle, Bill Moseley, David Born, Sue Rock, Gunnar Hansen. Duração: 92 min.

Caso pensarmos friamente, Massacre da Serra Elétrica nunca passou de uma franquia promissora que acabava sendo mal utilizada por produtores sedentos por dinheiro fácil. E, infelizmente, é exatamente isso o máximo que se pode esperar de um novo filme do diretor de Ladrões e que passa a contar com a estampa do 3D para despertar curiosidade quanto ao tipo de morte que será vista no formato. Ancorando-se na premissa reciclada de outros filmes da série e falhando até mesmo em seu principal atrativo, Luessenhop subestima – para não variar – a inteligência de seus espectadores e cria outro exemplar da franquia sem nenhum tipo de finalidade a não ser matar o maior número de pessoas possíveis.

Escrito por Adam Marcus, Debra Sullivan e Kirsten Elms, a história, que se passa após os acontecimentos do filme de 74, gira em torno de uma familiar “perdida” da nefasta família Sawyer que nunca nem chegou a conhecer a história de seus parentes. Assim, quando ela, Heather, descobre que uma parente sua acabou de falecer: parte para sua antiga cidade para conhecer mais sobre a sua verdadeira história.

Não criando nenhum tipo de vergonha ao escancarar a boa forma de seus atores, Luessenhop chega a focalizar apenas suas cinturas para evidenciar de que tipo de porte físico estamos falando. Algo que, inclusive, Nispel havia feito com Biel no remake de 2003. Além disso, inspirando-se em outro remake do alemão e pensando que está dirigindo um filme para iniciantes que nunca tiveram familiaridade com a história, ele não apenas apresenta novamente frames do original, como também recria de forma nada sutil alguns fatores clássicos – o som da máquina fotográfica, por exemplo, desperta uma sensação muito mais de irritação do que o angustiante de outrora.

Falando em fotografia, o trabalho de Anastas Michos ganha ares vergonhosos em não conseguir transmitir um mínimo de perigo na fachada da mansão dos Sawyers, e falha em investir nos tons vermelhos óbvios (o contraste criado pelo ambiente da minivan e uma almofada em determinado instante é risível). É um espanto, aliás, que a cidade não seja ainda mais colorida do que foi retratada no longa-metragem, afora o trabalho preguiçoso de iluminação: como visto na sequência do supermercado, onde o reflexo da luz é cegante.

Sendo capaz ainda de trazer o Leatherface menos ameaçador da franquia, apesar de com uma finalidade aparentemente “nobre”, a única esperança que O Massacre da Serra Elétrica 3D – A Lenda Continua possui é a de que talvez esse seja o último exemplar por um bom tempo. Está na hora de dar um grande descanso aos Sawyers.