22 de maio de 2015

Mapa para as Estrelas



Maps to the Stars, Canadá/Alemanha/França/EUA, 2014. Diretor: David Cronenberg. Roteiro: Bruce Wagner. Elenco: Mia Wasikowska, Juliane Moore, John Cusack, Evan Bird, Olivia Williams, Sarah Gadon, Robert Pattinson. Duração: 111 minutos.  

A insanidade gerada pela fama, não é novidade no cinema. Sem contar exemplos mais óbvios, como a obra-prima Crepúsculo dos Deuses, o próprio Cronenberg já flertou com o tema quando fez seu interessante Cosmópolis, onde buscou mais a crise econômica e a impassibilidade daquele mundo. Em Mapa para as Estrelas, a frieza regressa, mas premeditando outras sequelas; a análise escapa da sociedade e recai sobre uma família disfuncional, que nos guia pelo mundo das falsas aparências.

Porque não há nada mais problemático do que a família Weiss, na obra de Cronenberg: o astro mirim de 13 anos que acaba de sair de uma clínica de reabilitação, o pai instável e brutal que escreve livros de autoajuda, a mãe inerte que tenta construir uma carreira sólida para o filho e lidar com o pai e a filha, a jovem que incendiou a sua antiga casa e faz com que a família tenha que recomeçar do "zero". É o mundo dos Weiss que sintetiza a Hollywood que o cineasta quer evidenciar - a da ganância, a ilusional, a violenta e a dissimulada. Um dos planos de Cronenberg, não à toa, ressalta o choro de uma massoterapia reichiana para o riso do cinema na televisão da sala: a realidade contra a ficção.

Juliane Moore, como Havana, destaca-se por denotar essa dubiedade tão brilhantemente, pois sempre com sua expressão cansada e de tristeza, mas que ainda busca uma esperança enraizada no passado familiar, a atriz segura um prêmio de melhor atriz como se precisasse saber que aquilo estivesse ali, no seu presente, e não fosse uma ilusão. Afinal, assobrada pelos seus próprios fantasmas, Havana é uma dependente patológica (cada um dos personagens é, ao seu modo): no seu caso, pela fama e o vício por poder. É o domínio que ela passa a reconstruir que, por exemplo, faz com que ela lide com o personagem de Robert Pattinson de forma tão reveladora - da mulher que se submetia à orgias sexuais, onde ela era coadjuvante, à renovação do controle, que faz com que ela se torna a protagonista.

Tudo passa pela liberdade: física e psicológica. A menina que fala sobre a liberdade romântica, observe, é quem se separou daquele mundo; cobriu-o com o fogo e destruiu sua inércia. Na ótica de Cronenberg, a violência física é fruto da violência temperamental, da desestabilidade e de como tudo pode desmoronar em fração de segundos. Seja pelo que antes trazia conforto (um prêmio) ou que trazia medo (entorpecentes), é um lugar em que a morte pode ser a liberdade final, estabelecendo o desejo supremo: serem eternos e inesquecíveis.


Observação com spoilers: há dois simbolismos lindos no filme: a personagem de Juliane Moore ser assassinada com o que sempre serviu de apoio e boa memória para ela: seu próprio troféu, que aqui denuncia o risco do holofote e da fama, morta pelo que lhe deu status; a outra, a mãe inerte, cuja função é sacrificar sua vida para cuidar de seus filhos, mostra-se impassível e, veja só, inerte enquanto o pai bate na filha. Os dois pais entorpecidos, ao fim, é apenas a realidade arregalando seus olhos para um mundo que eles não estão preparados.
 
 

19 de maio de 2015

No Auge da Fama

Top Five, EUA, 2014. Direção: Chris Rock. Roteiro: Chris Rock. Elenco: Chris Rock, Rosario Dawson, Gabrielle Union, J. B. Smoove, Romany Malco, Tracy Morgan, Kevin Hart. Duração: 102 min.

Uma das coisas que mais aprecio em seriados televisivos como Louie, que diante do tempo de duração de suas temporadas servem quase como plataforma de terapia para seus autores, é a autoexposição gerada pela entrega absoluta do ator/escritor/personagem aos sentimentos que estes vivem. No seriado do comediante, por exemplo, o apelo cômico das primeiras temporadas foi se perdendo a medida que as histórias avançavam, criando uma obra ambígua e que pontuava situações românticas, dramáticas e engraçadas sem que isso requeresse um grande esforço. Eram sintomas naturais do amadurecimento gradual do seu autor. Em No Auge da Fama (uma tradução horrorosa, diga-se de passagem), Chris Rock também autoexpõe seus fracassos, sua crise e suas paranoias, conseguindo transitar num terreno que muito pode lembrar a própria carreira.

Assim, é mais crível toda a trajetória do protagonista, que conhecemos durante um simples passeio conversando sobre coisas aleatórias, e que serve muitíssimo bem para traçar sua personalidade: desiludido, cínico e engraçado - Andre Allen faz jus ao sobrenome. Seus monólogos começam aos poucos a definir seu caráter; o desprezo pela crítica pessoal, a sociedade em geral e suas imposições, tudo é fruto de análise durante sua entrevista com a ótima Rosario Dawson. Mas não só isso, ainda que seus diálogos ácidos sejam brilhantes (especialmente os raciocínios sobre a cor de Obama influenciar o pensamento americano e a paranoia quanto ao Planeta dos Macacos), a sua quebra de expectativa também é certeira - observe as cenas em que pede um taxi em Nova York, o sexo no hotel com a foto de Bush no quarto ou a resolução final.

O preço pela fama igualmente é bem explorado na pele de Gabrielle Union, cuja personagem rende um dos arcos mais complexos de Rock, que é influenciada pela própria visão masculina de Allen; todavia, isso não impede um pronunciamento bem revelador acerca de seus próprios problemas, sem que soe a mesquinha que era tratada poucos minutos antes: analise a personagem indo de "se não é na frente das câmeras, não existe" para a indicação que, pela primeira vez, ela conseguiu o que sempre quis e as pessoas sabiam quem era ela. Ao passo que a vida conturbada de Allen, que se aproxima cada vez mais de uma versão cômica de Riggan, em Birdman, torna-se uma repetição de aparições públicas que só o relembram de um passado frustrante e um futuro nada promissor. De tal modo, a trama aponta para um "road-movie" de um dia, em que o nosso personagem finalmente se dá conta da rua sem saída que entrou. Não à toa, Rock escolhe extrair a graça do drama.

E é quase triste cenas tão irreverentes quanto aquela em que Allen se pergunta como um homem que bebe no bar consegue beber só metade de uma bebida ou a que tenta consolar Chelsea, após esta ter descoberto que o namorado é homossexual. Sem deixar de citar as inúmeras interferências de transeuntes perguntando sobre o famoso urso ou que assimilam que ele sabe sempre do que elas estão falando (a cena do rádio). 

Se Allen não se sente mais engraçado, como sempre destaca, o mesmo não pode se dizer das brincadeiras com os Yankes, Dancing With the Stars ("esse é seu nível de popularidade") e sua reflexão existencial ("Trinta anos é a idade em que você finalmente percebe: 'ei, eu realmente posso virar um sem-teto!'."). O pessimismo, portanto, rende grandes momentos: o melhor é sem dúvida o pensamento sobre TuPac - "(...) é claro que ele poderia ser um líder político, mas ele também poderia estar atualmente num filme do Tyler Perry. Não dá pra saber".

Afinal, No Auge da Fama carrega consigo uma honestidade preciosa. Quando Chris Rock finalmente encara o microfone novamente, numa cena belíssima, e retorna às origens, é um atestado de reencontro com sua própria personalidade. É o lugar onde sempre deveria estar e finalmente conseguiu regressar. Não só o personagem, mas o ator. "Abaixem suas expectativas", ele diz. Agora, não dará mais, Rock. Bem-vindo ao palco, novamente. O microfone é seu.