Dallas Buyers Club, EUA, 2013. Direção:
Jean-Marc Vallée. Roteiro:
Craig Borten e Melisa Wallack. Elenco: Matthew McConaughey, Jared Leto, Jennifer
Garner, Denis O’Hare, Steve Zahn, Michael O’Neil, Dallas Roberts, J.D. Evermore.
Duração: 117 min.
Clube
de Compras Dallas não é o primeiro filme a abordar os
perigos que uma sociedade extremamente homofóbica ocasiona não só na estupidez
com que algumas pessoas se acham melhores que outras (ou mais naturais), mas
também na limitação de conhecimento médico. Numa época não tão longínqua assim,
afinal, nem médicos sabiam explicar a origem da temível AIDS e o que mais se
falava era que a praga homossexual havia finalmente dado às caras. A peste
negra do século XX. Mas, fechando com “chave de ouro” a analogia, a extensão
das duas doenças acabou sendo similar: se na época do feudalismo, os padres,
que colocavam a culpa nos descrentes, acabaram tendo a mesma doença; nos tempos
atuais, os heterossexuais, no auge de seu desconhecimento e seu preconceito,
insistiam em taxar a AIDS como a “doença gay”, antes de perceber que também
estavam suscetíveis ao problema.
É, portanto, triste e
assustador quando Ron Woodroof recebe a derradeira notícia que é soro positivo
e possui poucos dias de vida. A natureza da cena é forte em princípio pelo
descaso como seu personagem trata essa indicação médica, como se fosse um
completo absurdo e engano. Uma reação que se torna ainda pior quando descobre,
após pesquisas, que a doença não é como ele pensava ser – culminando num grito
extremo e desesperado que exprime um caráter comovente. A partir dali, enfim, a
vida não é mais como Ron achava que era. O mundo não se restringe a vida
desregrada que vivia.
Não à toa, para
simbolizar uma masculinidade quase que troglodita, o diretor Jean-Marc Vallée
inicia o longa-metragem com o personagem transando com duas mulheres durante
uma tourada. Todavia, isso acaba sinalizando exatamente o contrário do
esperado, representando apenas o auge do estereótipo e uma maneira que os roteiristas
encontraram de dar ainda mais choque para a inevitável mudança de
personalidade. Da mesma forma, os dois evitam em tocar tanto no assunto ilegalidade,
a tratam sempre superficialmente, apressam a trama e como o negócio se expande,
além de focalizar quase que exclusivamente a relação entre Ron e a “nova vida”
que embarcou. Entre aspas, pois as mudanças são escassas e o personagem
continua sendo o mesmo homofóbico, arrogante e malandro do começo do filme –
algo que, curiosamente, serve perfeitamente para a trama.
Claro que isso é
sustentado por uma atuação brilhante de Matthew McConaughey, que é dono de uma
das maiores ascensões dos últimos anos. Dono de um timing certeiro (“Aproveitem
a vista!”) e de uma impulsividade crescente, o ator compõe alguém bastante ambíguo,
apesar da visão estereotipada do texano preconceituoso exposta pelo roteiro.
Ele nunca esconde, por exemplo, que convive com Rayon por negócios, mas passa a
se “acostumar” com a presença do amigo. Sua fúria no hospital é justamente por não
entender o que sente, se a perda de um sócio, alguém com quem passou a ter uma
rotina ou um amigo de verdade. E essa reflexão só é vista na obra pela
transformação que McConaughey, muito mais que física, oferece ao personagem,
escondendo os erros de roteiro – o que, por si só, já garantiria todos os
prêmios de cinema do ano. E se Jennifer Garner não consegue ser eficiente ou se
tornar menos descartável, Jared Leto tem seu melhor momento na confissão que
faz para seu parceiro antes de ir ao hospital: o comovente temor da morte.
No fim, ainda que as
tentativas sejam as de transformar o drama em algo mais novelesco e feito para
a TV, como demonstra a estrutura em instantes (vale destacar as elipses
deslocadas ou a trama paralela criada para ressaltar os perigos de um remédio),
Clube de Compras Dallas se mostra muito mais interessante nos absurdos do que
em seu emocional. E seria perfeito se isso fosse sua ambição inicial.
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