9 de julho de 2010

Tudo pode dar Certo (2010)

É interessante que ao longo de seus 45 anos como diretor e ator, Woody Allen, sempre conseguiu dividir opiniões de critica e público.

Se nós sairmos um pouco de nosso mundo técnico e crítico, e apenas nos concentrarmos nas pessoas que vão a uma videolocadora em busca de “diversão”. Veremos nesses ambientes como o nome de Allen é repudiado.

Muitas vezes acontece de a pessoa não pegar um filme - independente do elenco - só por ter a seguinte frase: “um filme de Woody Allen”.

E eu digo que é interessante isso, pois ao longo de sua carreira cinematográfica, Allen já nos presenciou com obras irretocáveis.

“Noivo Neurótico, Noiva Nervosa” ; “Interiores”; “ Tiros na Broadway” ; “Trapaceiros” ; só para listar algumas...

Acredito que o provável significado das pessoas detestarem obras de Allen, ou são porque realmente não conhecem as obras do diretor e vão pelo senso comum, ou talvez pelo “moralismo” que o diretor gosta tanto de evidenciar em suas melhores obras.

Afinal, discussões sobre crises existenciais, ateísmo, descaso com a raça humana, e outras neuroses são sempre salientadas em obras de Allen. O que pode criar um debate significativo sobre determinada idéia, ou talvez o “falso moralismo” presente cada vez mais em algumas pessoas.

Dito isso, tem outro fato na carreira de Allen que me intriga também. O fato de que eu passei a apreciar suas obras mais “novas” do que as mais clássicas (já listei algumas).

Obras como Match Point, Vicky Cristina Barcelona e agora a mais nova Tudo pode dar Certo , me “tocaram” de um jeito, que nenhuma obra de Allen tinha conseguido fazer, e essa última da qual irei falar nesse momento, evidencia (em minha opinião) onde uma mente “fora do comum” pode chegar...

Na mais nova história de Allen, o filme narra um improvável relacionamento entre um velho e hipocondríaco enxadrista, Boris Yelnikoff (Larry David), com uma jovem e ingênua interiorana sulista, recém-chegada a Nova York, Melodie (Evan Rachel Wood). Ela inicialmente pede-lhe um lugar para passar uma noite, que em seguida se estende por mais uma semana e, enfim, resulta num casamento.

Mais tarde a mãe da garota visita o casal, inopinadamente, e logo fica contra o relacionamento; ao procurar um novo parceiro para a filha, acaba ampliando seus horizontes. Também o pai de Melanie surge, e da mesma forma busca o autoconhecimento.

Como em toda a obra de Allen, as crises existênciais e a busca de um autoconhecimento dos personagens é muito recorrente. É intrigante por exemplo, quando nos vemos de frente para um personagem sentado em uma mesa de bar, refletindo sobre o porquê do abandono de sua parceira, e explicando seu medo de não ser aceito na sociedade por não ser o politicamente correto que a cidade enpunha para ele... Quantas vezes não nos perguntamos ou nos distanciamos de algo, por não ser moralmente correto?

O roteiro que foi escrito também por Allen, evidência justamente essa questão do descaso com a raça humana. Um exemplo, é seu personagem principal debatendo em uma mesa sobre Karl Marx. Não só a cena se mostra absolutamente hilária, pelas filosofias apresentada por Boris, como também interessante por destruir em algumas frases uma filosofia comunista atemporal: “As filosofias de Marx e desses comunistas são muito bonitinhas e tal, mas eles não contavam com a estupidez humana... Então não venha colocar a culpa no capitalismo, enquanto o ser humano é mal”.

Outra coisa que o roteiro de Allen consegue fazer é brincar com seu espectador.

Logo na cena inicial, me veio na memória o livro “A Mão e a Luva” de Machado de Assis: suicidios pela falta de amor, e a não crendice no ser humano. Ou até mesmo pela história que estamos acostumados a ver desses autores, só que com uma abordagem diferente.

Veja na primeira cena, quando Boris começa a se comunicar conosco, e dizer que irá contar a sua história. Logo pensamos por alguns instantes que o diretor está brincando conosco sem nenhum propósito. Muito pelo contrário, essa cena inicial, não só é totalmente importante para o desenrolar da história, como também para entender melhor o personagem de Boris...

Allen ainda vai mais longe e mostra para quem ainda não conseguiu captar sua mensagem, um desfecho sublime. Em que Boris , não só explica para os espectadores o porquê dele estar falando conosco, mas também mostra como as pessoas fora da tela também são estupidas. Algo que não poderia ser dito de melhor forma. E aposto que muitos sairão do filme, ainda sem saber que foram ofendidos.

Na direção, Allen é igualmente esperto. Note por exemplo quando Allen tira a câmera da frente de Boris, e mostra seus amigos pensando que ele está sendo louco. O diretor tenta passar para nós que talvez, se não fizesse um corte seco naquele momento, ficariamos incomodados de realmente estar falando com Boris, o que remete mais uma vez a nossa incrivel estupidez...

Em relação as atuações, Larry David nos presenteia com um personagem carrancudo, que fala dos defeitos dos outros, mas que em alguns momentos acaba se passando pelo que mais repudia. Não é questão de ser hipócrita, mas de ser apenas um ser humano. O que vai de encontro as idéias do próprio personagem. Evan Rachel Wood faz um ótimo trabalho ao retratar uma moça altamente influênciavel. Ao passo de que Patricia Clarkson faz um trabalho correto.

Por mais sublime que essa obra seja, acredito que o público em geral ainda não irá aceitar o nome do Allen como uma influência. Muitos nem irão ver apenas por desgosto mesmo. Uma pena, pois quem vive ou está presente nesse mundo do diretor sempre tem um ponto de vista interessante ou uma obra irretocável. E que não demore muito para que Woody Allen nos presenteie com mais um
espetáculo como é esse “Tudo Pode dar Certo”.

(5 estrelas em 5)