16 de abril de 2014

Toque de Mestre

Grand Piano, Espanha, 2013. Direção: Eugenio Mira. Roteiro: Damien Chazelle. Elenco: Elijah Wood, John Cusack, Kerry Bishé, Tamsin Egerton, Allen Leech, Alex Winter. Duração: 90 min.

Uma das coisas mais interessantes de Toque de Mestre, basicamente, reside na maneira com que o espanhol Eugenio Mira procura criar sua atmosfera: algo extremamente hitchcockiano, mas com uma essência de thriller dos anos 90, onde um personagem se vê afetado por uma força quase que terrorista desprendida de grandes motivos. Desta maneira, o diretor procura garantir o incômodo no espectador a partir de um evento específico, como se estivéssemos vendo em loop a sequência passada no Albert Hall, em O Homem que Sabia Demais.

Aliás, a referência do filme de Hitchcock não é exclusiva por uma aparência de cenário, mas por diversas tentativas do diretor soar como um aprendiz do mestre do suspense. Sob esta ótica, é claro que Mira não perde a oportunidade de criar paralelos com aquela obra, a própria função narrativa do personagem de Cusack indica esse ponto ou o som produzido por um personagem interromper um crime evidencia a intenção. Ao mesmo tempo, o espanhol também é competente na forma como passa a acompanhar cada ação de um desorientado Elijah Wood: a impressão de estar sendo observado nos corredores dos bastidores ou a sequência em que o casal formado por Tom e Emma conversa no telefone. Além disso, Mira guarda seus esforços para o seu principal momento narrativo: o concerto. Assim, a centralização da ação com a principal tomada de aproximação no piano, fazendo com que o personagem comece a se sentir comprimido aos poucos até a subida da câmera, enquadrando-o num instante de impotência, surge poderoso.

Da mesma forma, o clima de tensão e mistério orquestrado pelo diretor é muitíssimo bem conduzindo, apenas falhando na completa estupidez do enredo. Neste aspecto, as decisões do personagem de Elijah Wood só não são mais embaraçosas do que as saídas dramáticas encontradas pelo roteirista Damien Chazelle. Nem pelo fato de gerar a incompreensão do tesouro escondido no valioso piano, uma safadeza assumida, mas por não ter sentido algum as suposições presentes na partitura de Tom. Por outro lado, o plano-sequência do pedido de ajuda por um SMS é um dos melhores momentos da direção, assim como o belo split screen. Sem deixar de destacar, o segundo em que o corte numa garganta é trocado pelo acorde final de um violoncelo – num ótimo trabalho de montagem de José Luis Romeu (Crimes Temporais).

E se o roteiro de Chazelle abusa da ingenuidade e comete erros básicos para um thriller dessa magnitude, Elijah Wood só colabora para transformar seu personagem em algo sem importância para o público – guiando-se numa arrogância estranhamente introvertida e forçada, o ator busca manter seu olhar assustado constantemente, além de não indicar nenhuma ambiguidade, a não ser em palavras. Até mesmo o seu medo do palco nunca é devidamente explícito ou compreendido.

Exatamente por isto que, no fim das contas, Toque de Mestre acaba sendo a cara de um diretor interessante. Utilizando o vermelho da cortina para trazer muito mais significados ao final de um espetáculo, Mira consegue se sustentar numa precária sinfonia.  


14 de abril de 2014

Rio 2

Idem, EUA, 2014. Direção: Carlos Saldanha. Roteiro: Jenny Bicks, Yoni Brenner, Carlos Kotkin e Carlos Saldanha, baseado numa história de Don Rhymer e Carlos Saldanha. Duração: 101 min.

Ainda que possuísse uma visão deturpada e unilateral do território brasileiro explorado, Rio era dono de certa urgência social: a compra e venda de espécimes em extinção, além de versar com desigualdades sociais. Não à toa, o diretor Carlos Saldanha explorava o contraste entre as favelas e as grandes riquezas das praias, prédios gigantescos e a ostentação de alguns poucos – o que, de certa forma, repete na continuação da animação. Claro que, nesta sequência, a paisagem muda, assim como a mensagem. Agora é na Amazônia que embarcamos e é o desmatamento o ponto de partida. Mesmo assim, o paralelo entre mundos diferentes (as duas personalidades humanas observadas quanto à extinção), a ganância e, é claro, o samba não ficam de fora da proposta. A própria sequência inicial resgata o clima de festa do primeiro, onde durante o ano novo todos dançam ao som de uma música pop que simboliza a união de todos os povos – inclusive com os pássaros entrando na dança ao redor do Cristo Redentor. O próprio logo da Fox já é tomado por pandeiros e apitos.

Entretanto, com um apuro técnico muito mais interessante em Rio 2, Saldanha oferece bons momentos na maneira criativa com que conduz seus números musicais – nunca estabelecendo alguma lógica. Seja um jogo de futebol entre pássaros azuis contra vermelhos, que deve ser a única razão para estes existirem na história; seja nas fusões durante as festividades: a melhor delas é quando um grupo de pessoas dançando de branco viram flores brancas lançadas ao mar para “agradecer” à Iemanjá. Da mesma forma, o diretor investe nos maiores sucessos de seu primeiro filme: retomando a trama de Nigel, a cacatua, que rouba completamente a cena com a ótima rã venenosa chamada Gabi – as citações shakespearianas são sempre bem colocadas. Além disso, Saldanha tem seu melhor momento na direção ao acompanhar uma sequência de voo pelo Rio de Janeiro com uma castanha do Pará, que igualmente diz muito sobre o que assistiremos a seguir. Em Rio 2, o brasileiro torna a valorizar a mensagem social e seus números musicais, criando uma revolta de pássaros que é bem significativa. Não é um filme brilhante, mas uma melhora considerável ao seu original.

* Publicada originalmente no Diário Catarinense

7 de abril de 2014

Noé

Noah, EUA, 2014. Direção: Darren Aronofsky. Roteiro: Darren Aronofsky e Ari Handel. Elenco: Russell Crowe, Jennifer Connelly, Ray Winstone, Anthony Hopkins, Emma Watson, Logan Lerman, Douglas Booth. Duração: 138 min.

“Adão conheceu Eva, sua mulher, e ela concebeu e deu à luz Caim, e disse: ‘Possuí um homem com a ajuda do Senhor’. E deu em seguida à luz Abel, irmão de Caim. Abel tornou-se pastor e Caim lavrador. Passado algum tempo, ofereceu Caim frutos da terra em oblação ao Senhor. Abel, de seu lado, ofereceu dos primogênitos do seu rebanho e das gorduras dele; e o Senhor olhou com agrado para Abel e para sua oblação, mas não olhou para Caim, nem para os seus dons. Caim ficou extremamente irritado com isso, e o seu semblante tornou-se abatido”.
[Genesis, capítulo 4, versículos 1, 2, 3, 4 e 5]

À primeira vista, Noé não é um filme comum de Darren Aronofsky. Querendo aproximar-se de cineastas como Mel Gibson, William Wyler, Cecil B. DeMille e até mesmo Kubrick e Scorsese, o americano aparenta ter dirigido um protótipo de épico feito para estúdio, a fim de conquistar o público católico. Por outro lado, dono de uma carreira que, apesar de parecer divergente, complementa-se, Noé nasce como um projeto muito mais ambicioso do que poderia ser esperado, culminando numa resposta ferrenha à adulação cristã, além de servir como gancho para explorar diferentes camadas: familiar, social e pessoal.

Afinal, partindo do ponto de que Noé é um personagem que se vê entre sua fé e sua devoção pela família e a natureza, o personagem-título reside na linha tênue entre a loucura e o seu sacrifício extremo – assim, não se distanciando de obras como O Lutador ou Cisne Negro, ambas do diretor. Claro que, a princípio, a lógica é criar um paralelo com A Fonte da Vida, o que até mesmo a trilha sonora do soberbo Clint Mansell não se reprime em fazer: construindo acordes semelhantes aos de sua composição Death Is The Road to Awe.

Todavia, a obra de Aronofsky se estende a muito mais que o âmbito do relacionamento familiar, ainda que esteja intrínseco ao que estamos assistindo. A jornada de Noé é sempre obscurecida pela questão milenar regida por nossa natureza: sou bom ou sou mau? Sou igual àqueles que combato? E o personagem, diferente do que se espera, não trilha o caminho da arrogância ou da autossuficiência; muito pelo contrário, querendo provar para seu “mestre” que possui as qualidades necessárias para cumprir a tarefa, sacrifica sua própria essência ao livrar-se de outros seres humanos sem piedade. Como o ambientalista que é, Noé acredita que a natureza é a única e possível evolução. Não haveria espaço para homens na nova sociedade. Não à toa, refugia-se no único lugar que sabe não ter sofrido a ação dos homens: as florestas, o verde. O próprio diálogo de Noé com seus filhos aponta para outro simbolismo pessoal e pertinente na obra: “o vento leva sementes, outras brotam. Elas têm um propósito”.

Aqui, aliás, precisa-se começar a evidenciar o contraponto brilhante que Aronofsky cria ao retratar Noé como o “favorito” do “Criador”. Deixando claro que a metáfora de Caim e Abel serviria para o decorrer do longa-metragem como a principal meta, o diretor imprime com facilidade os lados dos dois irmãos. Se a luta entre Caim e Abel, por exemplo, representa o primeiro homicídio da humanidade, o princípio da tentação e da ganância, o americano inicia da mesma forma a sua obra: ao provocar o espectador com Tubal-cain assassinando o pai de Noé e estabelecendo a lógica.

Continuando o seu caminho pelo antigo testamento, o diretor também não só brinca ao trazer pelugens diferentes para um animal ferido que é encontrado pela família de Noé (Cisne Negro), mas também com o fato do sacrifício do espécime aos céus (capítulo 4, versículo 4: Abel oferece o primogênito de seu rebanho).

Não dá para deixar de destacar, nesta perspectiva, o apreço que Abel, digo, Noé, possui por Sem, o primogênito. Da mesma forma, para deixar a luta final entre Tubal-cain e o protagonista ainda mais clara, como uma demonstração de uma segunda chance, um recomeço, os opostos vividos pelos dois, apesar da mesma espécie (outro símbolo), são sublinhados durante todo o percurso. Note, sob esta ótica, o enquadramento de Aronofsky que confere o primeiro encontro entre os dois – de um lado as árvores e frutas silvestres (Caim, ou melhor, Tubal-cain), doutro o rebanho e a arca (Abel, ou melhor, Noé). A própria cena na barraca, quando o personagem de Winstone cobra a adoração de Deus pelo outro, reflete este espírito.

Como se não fosse o bastante, o americano ainda é mais claro na forma como o atentado a Noé é orquestrado, com este seguindo seu próprio parente para ser morto. Neste caso, ao mesmo tempo, importantíssimo salientar a tragédia familiar em que os personagens estão envolvidos: basta avaliar que a parte em que Tubal-cain entra na arca é a que Cam cuidava, a mais frágil. Como se a arca fosse exatamente um símbolo para aquele ambiente, que estava corrompido. Também vale indicar que o “antagonista” apoia-se no machado de Cam para se levantar durante uma discussão com Noé e usa exatamente aquele para entrar na arca (sem esquecer que, olha só, a combinação dos dois nomes formam exatamente o nome de Caim). Cam, além do mais, é um dos personagens mais interessantes do roteiro e sua busca pela aprovação do pai, já que se sente reprimido desde pequeno, é exatamente a válvula que dá origem à tragédia: observe que, mesmo que inconsciente, o personagem só vai para as florestas quando ouve do pai: “estou pedindo para você ser homem” – algo que é semioticamente belo.

Do mesmo modo, Noé possui uma invejável profundidade para debater a sua própria natureza e a compaixão e ódio intrínsecos à humanidade. Seu próprio duelo intimista é denunciado em sua natureza ambientalista versus o rebanho para o sacrifício. Algo que é diagnosticado em uma magnífica sequência envolvendo uma decisão que precisa ser feita relacionando homens e animais: analise, neste ponto, que os absurdos sacrifícios humanos vistos nas comunidades projetavam uma troca de duas meninas por um animal, algo que o próprio Noé estaria disposto a fazer, mas lutou contra o que pensava ser sua missão. Assim sendo, é louvável que Aronofsky exponha o cruel deus do antigo testamento, ao retratar a mulher como moeda de troca insignificante e onde o genocídio e o assassinato eram práticas vistas como indispensáveis.

E é claro que isso só seria possível com um diretor que soubesse o que estava fazendo, como é o caso. Cínico na forma como encara a adoração ou dons premonitórios (os alucinógenos são impagáveis), Aronofsky é genial ao propor o conflito atemporal entre a essência da vida: de tal modo, proporcionando a sequência do ano ao retratar a história do criacionismo com as imagens da filosofia do Cosmos – a evolução do macaco para Adão e Eva é indescritível. Além disso, prova sua excelência em inúmeras cenas, destacando-se a corrida com a câmera subjetiva para o território dos guardiões, o brilhante travelling circular que inicia nas florestas, faz a volta em 360º quando notamos a arca pela primeira vez e termina no novo mundo, além da sequência do voo das pombas. Igualmente, o perfil de Noé é sempre bem enquadrado no andar imponente dentro da arca, apenas um homem fora dela. Não se esquecendo de duas cenas intensas: uma delas, o monólogo desesperado de Crowe, após um plano-sequência; outra, a aproximação da primeira gota de chuva de cima para baixo, que vira uma lágrima, enquanto os homens visualizam a chuva de baixo para cima.

Nunca deixando de lado seus simbolismos, Aronofsky ainda experimenta passear pelas metáforas bíblicas: desde o batismo plagiando palavras do velho testamento, o toque celestial que a Capela Sistina retrata, o ouro puro visualizado nos arredores, a luz que faz com que não percebamos a nudez no paraíso, as vestes de pele, os gigantes que viviam na terra até a pomba que finalmente retorna trazendo uma folha verde de oliveira. O próprio “teste” do personagem-título se assemelha ao de Abraão, que curiosamente é da linhagem de Sem, e a imagem de Matusalém morto nos sonhos de Noé já ressaltava a morte do homem mais velho – já que o período era de renascimento.

Além de contrastar, durante os dias, as etapas vividas: o nascer do sol é onde sabemos que a arca será construída; o amanhecer é durante a parceria entre Noé e os guardiões; a arca é visualizada pela primeira vez quando o sol está mais intenso, provavelmente 12h; o entardecer surge durante os preparativos finais; e, finalmente, o pôr do sol é o período em que as decisões finais são tomadas e a chuva começa a cair.

Por fim, enquanto Connelly está pouco à vontade, Watson se limita a expressões chorosas e Lerman mostra suas limitações, Russell Crowe é o fio condutor da história: desde seus olhares de aprovação, passando pelo martírio e solidão enquanto ouve as vozes gritando por clemência no lado de fora da arca, até sua maneira irredutível de agir a partir do segundo ato, o ator é expressivo o suficiente para mostrar toda a dor de um ser que abandonou seu caráter para conseguir cumprir seus objetivos – nesta perspectiva, a passagem em que ele se encontra sozinho do lado de fora da arca, segurando-se apenas a uma corda, como se fosse a sua fé, é belíssima.  Também, o olhar que esboça durante o canto de Watson para os filhos recém-nascidos é comovente e singular, retratando a sua perdição.

Deixando claro que este era um de seus maiores pontos desde o começo, aliás, Aronofsky focaliza madeiras que se intercedem formando um x na hora da conversa de Crowe e Watson – como se fosse exatamente o x da questão (com o perdão do trocadilho). O tema é, mais uma vez, o fim e o início. “Eu estava errado,” assume pela primeira vez o personagem-título, continuando: “Você foi uma dádiva!”. Ainda assim, o americano não parece acreditar nessa mensagem. Se Hopkins procura frutas silvestres para sentir o sabor pela última vez, como se fossem o próprio fim, a última tentação, Winstone sobrevive em suas últimas palavras antes de sair do que viria a ser o campo de batalha daqueles homens: “voltarei com legiões”, declara. Assinalando a ganância do homem moderno. Noé realmente não é um filme comum de Aronofsky. É um filme incomum de um cineasta incomum.


2 de abril de 2014

Ninfomaníaca – Volume 2

Nymphomaniac: Vol. II, Dinamarca/Alemanha/França/Inglaterra, 2013. Direção: Lars Von Trier. Roteiro: Lars Von Trier. Elenco: Charlotte Gainsbourg, Stellan Skarsgard, Stacy Martin, Shia LaBeouf, Jamie Bell, Mia Goth, Michael Pas, Willem Dafoe. Duração: 123 min.

“Como combater a sexualidade?”, Joe começa a pensar quando se encontra num momento de sua vida que o prazer já não existe mais, apenas o sofrimento. Como contar a sua história? Quais as diretrizes que a levaram até àquele instante? É interessante e chocante, assim sendo, como Von Trier não se restringe a abordar a sexualidade infantil em diversos momentos e a beleza quase que divina do orgasmo. Diferente do primeiro volume, o sexo passa a ser mais profundo, não somente algo exato – ainda que a combinação dos números seja vista, outra vez, numa cena derradeira. O alvo do dinamarquês passa a ser a solidão e a liberdade sexual. Mas como contrapor a dinâmica extremamente sexual de alguém que chega ao prazer da forma mais liberal possível? A solução chega no assombroso desenvolvimento moral de Seligman, que, personificado por um irrepreensível Stellan Skarsgard, surge exatamente como a primeira pessoa que pode ouvir o que Joe tem a dizer por não possuir desejos ou olhares julgadores. Seligman não é celibato, mas não existe sexualmente. Considera-se assexuado. É exatamente o oposto da protagonista.

Da mesma forma, o equilíbrio do primeiro filme é trocado por uma atmosfera muito mais intensa e madura, como não poderia deixar de ser, a medida que Joe se desprende de interesses sociais (marido, filho, emprego, ser alguém “normal”) e procura apenas ser feliz satisfazendo os seus desejos. Os primeiros minutos que a personagem perde a sensação sexual, por exemplo, é um dos episódios mais assustadores e dramáticos de sua vida – o que causa uma ironia posterior belíssima. Todavia, se Von Trier acerta no timing dessa segunda parte, o mesmo não se pode dizer de suas metáforas, que – novamente – travam na forma explicativa com que se evidenciam. A pior delas, certamente, envolve a menina de cinco anos num orgasmo espontâneo. É vergonhosa a iniciativa de Seligman indicar o que seria a garota flutuando. Por outro lado, é brilhante a forma que o diretor exprime o relacionamento de Joe e P, bem como a descoberta da almejada árvore – a última lembrança do pai. Sem falar, claro, nos problemas físicos que a vida desregrada cultiva, envolvendo-a na criminalidade, além de oferecer sequências fantásticas de BDSM: desde os hematomas até chegar ao prazer proporcionado num equilíbrio entre dor e estimulação.


Como se não fosse o bastante, Von Trier ainda encaixa certeiramente uma faceta feminista em sua obra: estaríamos realmente chocados com as ações de Joe, caso ela fosse um homem? Afinal, o abandono de filhos, inúmeros parceiros sexuais e o vício é algo constante no cinema norte-americano; mas quando a mulher é a protagonista? É uma pena, entretanto, a forma infeliz e hipócrita (o que ela mais naturalmente abominava) que o dinamarquês propõe o desfecho. Entendível a maneira que Joe encontra de fugir de sua sexualidade, como prometido, mas a que ponto? Ao ponto de mudar drasticamente uma personalidade moralmente complexa tão somente para impactar um público que já estava ferido o suficiente. Algo que nunca suspeitaríamos de Von Trier.