27 de outubro de 2011

Contágio (EUA, 2011)


Obs: O texto pode conter Spoilers. Sugiro ler depois de ver o filme. 

Em determinado momento de Contágio, novo filme de Soderbergh, é notável a frieza do mundo criado pelo diretor. Não há tempo para nada. Seus personagens parecem não ser desenvolvidos por completo, a trilha é rápida, o clima investigativo perdura em nossa mente e o filme consegue manter o espectador paranóico logo depois da sessão. Diferente de filmes como o fraco “Epidemia”, o humano e tenso “Ensaio sobre a Cegueira” e o irregular “Eu sou a Lenda”, Contágio explora o caminho do vírus – levando o espectador a não criar uma grande empatia por seus personagens, mas nunca se sentindo indiferente a trama.

Escrito pelo promissor Scott Z. Burns (O Ultimato Bourne e O Desinformante!), o filme conta a história da comunidade médica mundial frente ao rápido progresso de um vírus letal que mata em poucos dias. Ao mesmo tempo em que humanos lutam para sobreviver em uma sociedade que está desmoronando, médicos e cientistas tentam encontrar a cura para o vírus.

Investindo no clima de paranóia desde o começo do longa, Soderbergh é muito competente ao retratar cada toque humano em copos, nos apoiadores dos ônibus, nas pessoas tossindo em locais públicos e constrói de forma belíssima a política do medo que permanece até o final da narrativa. É, portanto compreensível quando vemos o personagem de Damon não deixando o suposto namorado de sua filha entrar em sua casa ou quando abandona um supermercado por ver dezenas de pessoas possivelmente infectadas tocando nos produtos.

Igualmente interessante é a forma que Soderbergh focaliza seus personagens, sempre sem medo de mostrar seus corpos. Desde a cena em que a personagem de Winslet é jogada em um local envolta em um plástico azul até a cena em que a personagem de Paltrow é mostrada corajosamente em uma autópsia.

Por outro lado, é gritante a falta de emoção na narrativa. Se o personagem de Damon é o único que ganha certo desenvolvimento, ainda que fraquíssimo, não podemos falar disso dos outros personagens. É notável, por exemplo, quando não sentimos uma empatia forte pela personagem de Winslet quando se descobre com o vírus. Algo que seria esperado. Mesmo que seja uma decisão do diretor ser frio, chega a ser um pouco frustrante. Ainda mais quando a resolução do personagem de Damon apela para o melodrama no baile de formatura e em sua lamentação final.

E se Damon não consegue criar seu personagem de forma realista, nunca sentindo a dor pela perda do filho e da esposa, é Winslet e Law que roubam a cena (apesar do curto tempo de seus personagens). Enquanto Winslet é perfeita ao criar uma médica inteligente, um pouco fria e com notável segurança, Jude Law faz o perfeito charlatão. Talvez o personagem mais humano do filme, Law consegue ser ao mesmo tempo irresponsável e engraçado. Desde seus vídeos sobre uma possível cura que um remédio proporcionaria para os humanos até o tipo de roupa em que seu personagem anda pelos destroços de uma das cidades atingidas.

Mesmo com ligeiras falhas, Contágio acerta em cheio em mais dois grandes fatores: roteiro e montagem. Se a montagem é brilhante ao ditar o ritmo da narrativa sempre de forma rápida e criando um clima de investigação certeiro (note como os flashbacks são intercalados perfeitamente com as investigações da personagem de Cotillard), o roteiro de Burns beira ao sublime a retratar o vírus se alastrando e citando alguns fatores que espalham ainda mais a crise do vírus. As filas para a dosagem do remédio que Law sugere é mostrada em apenas uma cena e a greve das enfermeiras que é só dita são alguns dos fatores que contribuem para mostrar aquilo que havia dito anteriormente: não há tempo para se preocupar, a cura é a real importância aqui.

Por isso, depois da cura finalmente descoberta e o começo da fabricação das vacinas, só aí, que vemos talvez a melhor cena do filme e que mostra toda a coesão do filme de Soderbergh: como a epidemia começou. O diretor pode ter sido superficial em desenvolver seus personagens e foi prejudicado no que era justamente seu trunfo, o elenco estelar, mas é inegável que Soderbergh ainda consegue nos surpreender. E espero que continue, por um bom tempo...

(3 estrelas em 5)