25 de janeiro de 2016

I Smile Back

Idem. EUA, 2015. Direção: Adam Salky. Roteiro: Paige Dylan, Amy Koppelman. Elenco: Sarah Silverman, Josh Charles, Shayne Coleman, Mia Barron, Thomas Sadoski. Duração: 85 minutos.

Um dos aspectos mais fascinantes de uma condição depressiva é a possibilidade de dissimular seus problemas internos com um simples sorriso ou gracejo com familiares e amigos. Sorria de volta. E responda que tudo vai bem. Essa fuga da realidade é exatamente a escolhida pela personagem de Sarah Silverman para lidar com a sua bipolaridade. É na tentativa de flertar com o guarda para deixar o carro estacionado em vaga imprópria, na tentativa de ser engraçada com os filhos – algo que ainda arranca o vislumbre de um sorriso do seu marido; os problemas de Laney são sintomáticos.

Percebendo na figura de Silverman todas as nuances de sua protagonista, o diretor Adam Salky centraliza toda a atenção na face emblemática da atriz, que parece carregar todo o peso do mundo consigo. Em close constante, observamos Laney sucumbindo em todas suas personalidades: de entusiasta e complacente para trágica. Há ao menos quatro grandes momentos que retratam o afastamento dela e sua família, por exemplo: no primeiro frame, a personagem está afastada de sua família, analisando a felicidade do marido e filhos de longe, enquanto cheira cocaína; no segundo, ela bebe na cozinha, novamente deixando o marido e as crianças na mesa em que não se sente mais à vontade; no terceiro, o afastamento é confirmado quando as crianças a flagram no banheiro com uma nova dose; até, finalmente, fragilizada, com marcas no rosto, a única pessoa que a julga é seu marido, do alto da escada. (Aqui, aliás, um parênteses pode ser aberto, que contém spoilers do filme, é claro. Caso não queira saber o que ocorre, pule para o próximo parágrafo. O destino de Laney pode resultar numa dubiedade curiosa: mesmo que ela volte para a casa apenas para um último adeus, a experiência pode não ser tão literal, já que a edição de som firma a batida da cabeça dela na parede e sugere na própria leveza da personagem que ela não sente mais nada por estar próxima da morte.)

Essas nuances e o passo a passo da desestabilidade de Laney, entretanto, é fruto de um trabalho primoroso de Sarah Silverman, na atuação de sua carreira. Sublinhando as sutilezas do vício (a garrafa escondida no armário, o pirulito que permanece a única constante em sua vida e lhe dá ares juvenis, etc.) combinado com a bipolaridade e a falta de medicação, a atriz denuncia fagulhas de irritação conforme vai reprimindo mais seus sentimentos e conforme a mudança de rotina se dá em sua vida: no colégio das crianças ou no amante que fala que a ama. Da mesma forma, a nítida expressão de descaso com o que se sucede é brilhante, como se estivesse já esperando que tudo fosse dar errado em algum momento. E o próprio encurralamento que começa a sentir: analise o semblante quando ela se vê entre a esposa de Donny perguntando sobre o paradeiro do marido e o guarda que não lhe permite mais a ter suas facilidade.

A realidade vira o maior terror de Laney. Na condição que os prazeres de sua vida adulta duram segundos, como suas transas, ela tenta transparecer uma infantilidade em suas ações, por medo de sua condição. E é exatamente por isso que duas propostas do filme acabam sendo tão fortes em sua vida: a primeira delas, a masturbação com um ursinho faz com que ela perda a linha tênue que a equilibrava; e, claro, o filho, que a faz lembrar de si mesma. Não à toa, o choro na apresentação é de alívio. Um sentimento de que ambos ainda podem produzir algo. Mas que, ainda assim, ela não estava pronta.

Até porque, ultrapassando sinais vermelhos e esperando o momento derradeiro, Laney passa a não existir mais. Torna-se um espectro de seus tormentos e orgasmos rápidos. Uma morta-viva. Que apenas continuará andando. Até o fim.

18 de janeiro de 2016

Creed: Nascido para Lutar

Creed, EUA, 2015. Direção: Ryan Coogler. Roteiro: Ryan Coogler, Aaron Covington, baseado nos personagens de Sylvester Stallone. Elenco: Michael B. Jordan, Sylvester Stallone, Tessa Thompson, Phylicia Rashad, Andre Ward, Tony Bellew, Ritchie Coster. Duração: 133 minutos. 

Já na primeira sequência de Creed, um jovem Adônis encara Mary Anne com uma raiva incontida por passar anos pela assistência social e orfanatos, sem rumo, julgando-a por sua estranha bondade no tom de voz. Afinal, ele estava descrente de boas intenções numa sociedade que, para ele, não reconhecia órfãos. Uma simbologia que se tornava ainda mais bela, quando o garoto, ao perceber que estava diante da viúva de seu pai, descerrava seu punho.

Essa rigidez e descrença, entretanto, não larga um jovem que segue com o medo do abandono. Obstinado a fazer de sua luta diária (interna, principalmente) uma forma de vida no esporte, Donnie assemelha-se aos grandes lutadores do cinema, como Jake LaMotta, Ali, Randy 'The Ram' Robinson e, claro, Rocky - cujo papéis que desempenhavam no ringue eram apenas uma extensão de suas vidas pessoais.

Assim, a figura personificada por um genial Sylvester Stallone, na atuação de sua carreira, surge como um oposto de Donnie, no momento em que eles se encontram. Subindo as escadas de seu restaurante com uma aparência fragilizada, com seus óculos, e apenas retratos e seu chapéu o lembrando de seus tempos áureos, Rocky é apenas um observador, agora. Desvinculado do ringue esportivo e pessoal.

"Eu fiquei. Todos os outros se foram, mas eu ainda estou aqui.", diz o personagem para Donnie numa das cenas mais emocionantes da franquia. É Donnie que o tira da aposentadoria literal, da desistência, ao relembrar de tempos que se foram. Ambos carregam cicatrizes diferentes. E é onde reside a força do relacionamento: o filho de um velho amigo, um começo de uma nova vida, para quem já havia perdido todo o seu passado. A cena em que Stallone visita os túmulos de Mickey e Adrian aponta seu vínculo com o pouco que havia restado.

Ryan Coogler compreende a força sentimental que possui em mãos. Intercalando sua ação de forma íntima, quase paternal com Donnie, o diretor se apega aos planos mais fechados, principalmente nas lutas, para denunciar a força dos socos (com uma edição de som primorosa) e as consequências físicas: caímos juntos com o personagem e sentimos o seu desgaste. Da mesma forma, o diretor é sábio ao usar planos-sequência pontualmente, inserindo-nos como espectadores dos palcos da vida de Donnie - seja numa prisão, lutas clandestinas ou em arenas (e a forma como a tensão se encaixa na luta final é ainda mais palpável por isso, já que entramos junto com Creed e observamos a escuridão da entrada do oponente de seu ponto de vista). É natural, portanto, que sua provocação seja envolvente e coesa: "você sangra também!".

A fragilidade emocional de um Michael B. Jordan completamente entregue ao personagem é visualizada constantemente, chegando ao ápice na prisão, quando nem sua raiva por Rocky também "querer" abandoná-lo deixa cair uma indesejada lágrima. É uma pena que esse espectro não seja levado em conta, ao nos depararmos com uma montagem não condizente com a essência do drama, fazendo com que assistamos novamente tudo aquilo que já havíamos visto, quando Donnie é derrubado. E o motivo de se reerguer. 

Nada que frustre o resultado, todavia.

Porque, se antes Rocky apenas subia os degraus da escada de seu restaurante e Adônis lutava clandestinamente, é numa arena e numa grande escadaria que os dois passam a admirar uma vista promissora. De uma nova franquia, talvez.