30 de junho de 2014

Vizinhos

Neighbors, EUA, 2014. Direção: Nicholas Stoller. Roteiro: Andrew J. Cohen, Brendan O’Brien. Elenco: Seth Rogen, Rose Byrne, Zac Efron, Dave Franco, Carla Gallo, Ike Barinholtz, Halston Sage, Christopher Mintz-Plasse. Duração: 97 min.

É um pouco desestimulante observar no primeiro ato de Vizinhos uma tendência a garantir risadas com fatos tão convencionais e infantis, como ironizar estereótipos, flatulências e as turbulências da vida de um casal que acaba de ter uma filha. Assim, por mais que a cena de abertura seja bem inesperada, a falta de timing com que se desenrola uma conversa em facetime parece presumir o pior – algo que, surpreendentemente, não acontece e apenas surge como uma das poucas falhas de um filme de grandes acertos.

Não demorando muito para introduzir o ponto de virada na trama, a chegada dos novos vizinhos, o diretor Nicholas Stoller é inteligente em demonstrar a natureza prosaica com que o casal vivido de forma brilhante por Rose Byrne e Seth Rogen se sente com sua própria rotina. Para os dois, o momento mais empolgante do dia é arrumar um lugar novo em sua casa para transar, enquanto o bebê dorme. Desta forma, as saídas para apontar essa atmosfera tediosa são eficientes, quando notamos as tentativas frustradas dos dois saírem do seu dia-a-dia ou por acharem comum dividirem um beijo com seus aparelhos para evitar apneia. Num determinado instante a personagem chega a dizer naturalmente que quase chegou ao orgasmo durante um sexo inacabado, como se fosse uma grande vitória para a vida dos dois. A chegada dos jovens da fraternidade liderada por Zac Efron, portanto, traz exatamente o que faltava na vida de um casal preso à realidade: uma novidade.

De tal modo, muito mais que as ótimas referências aqui e ali ou a montagem espirituosa com o cenário mudo dos anos 30 numa festa de toga, a química entre os protagonistas da história e o crescimento da relação desenvolvida desde o primeiro encontro acaba sendo muito mais importante que as façanhas técnicas do longa-metragem. E quando Rogen e Byrne desempenham com naturalidade seu relacionamento, realmente parecendo um casal de longa data, fica fácil para o espectador embarcar no argumento do roteiro idealizado por Andrew Cohen e Brendan O’Brien. Consequentemente, o exagero das cenas envolvendo airbags ou um pula pula são esquecidos, por darmos mais atenção as hilariantes sequências em que Mac precisa “ordenhar” sua própria esposa ou nos inúmeros momentos em que os personagens imitam celebridades (o momento com De Niro e as referências na festa da fraternidade é fantástico). Sem deixar de citar o combate pontual entre as vozes de Keaton e Bale, que estão entre as melhores coisas do filme.

Ainda que não satisfaça completamente por contar com pequenos desvios – como, por exemplo, o uso desnecessário dos amigos do casal Mac e Kelly, nunca explicar competentemente o que realmente aconteceu com Jimmy e a mulher e ensaiar um desconfortável paralelo entre Mac e Ted –, Vizinhos é uma obra estável e engraçada na medida certa. E que, contando com um elenco afiado, transforma-se num excelente exemplar de seu gênero.

26 de junho de 2014

Homem Duplicado, O

Enemy, Canadá/Espanha, 2013. Direção: Dennis Villeneuve. Roteiro: Javier Gullón, baseado no romance de Saramago. Elenco: Jake Gyllenhaal, Mélanie Laurent, Sarah Gadon, Isabella Rossellini. Duração: 90 min.

Controle. Tudo é sobre controle”, essa é a primeira fala do professor de história interpretado por Jake Gyllenhaal no filme O Homem Duplicado. Num mundo sem cor, sem vida e onde a repetição de nossos erros é algo sucessivo, Adam não tem controle sobre sua vida – é apenas outra pessoa num mundo quase apocalíptico. Está preso à sua rotina, à sua mãe, à sua esposa, ao seu trabalho, e garante suas fugas noturnas para se sentir vivo em um ambiente que exerce exatamente o que procura: controle. Contudo, é uma pena que a lógica com que o diretor Dennis Villeneuve procura expor essas facetas seja tão comum e repetitiva no gênero: uma fotografia dessaturada, personagens relativamente ambíguos e o julgamento da sociedade capitalista implícito.

Não que seja algo condenável, já que Villeneuve ganha os melhores momentos de sua narrativa por aproveitar justamente a ambiguidade do protagonista e criar nuances interessantes, mas acaba sendo bastante pobre a dinâmica usada pelo cineasta para compartilhar as frustrações da vida de Adam. Assim, com a câmera do canadense passeando ao seu redor, a vida do personagem de Gyllenhaal constitui-se no que mais ele despreza como professor: algo padronizado. As sequências passadas nos primeiros atos, sob esta ótica, acabam soando frustrantes por criarem uma fórmula para desenvolver o papel de Adam no filme: cortes secos e cenas que correspondem a alguma ação mundana – dormir, assistir a um filme indicado pelo colega, sexo, trabalho. Deste modo, ao invés de propor uma lógica competente, a montagem apenas prejudica uma narrativa que tenta impor o seu melhor artifício: o psique humano.

E é nos corredores estreitos, túneis, salas de aula (note que nunca temos a real dimensão de seu tamanho, como se ela também fosse algo a ser evitado) e ambientes que comprimem Adam que o longa-metragem torna-se forte. Ao explorar que o mundo do personagem é uma sombra da ganância e desilusão de uma sociedade autodestrutiva, Villeneuve tenta indicar a imponência dos grandes arranha-céus a todo o momento, inclusive, desafiando a atual lógica monetária superficialmente, e denunciando ricaços fumando seus cigarros e desfrutando de mulheres por prazer, após um dia estressante, num ambiente nada confiável. Ao mesmo tempo, se o diretor volta a falar sobre controle quando está nas mãos de Adam o destino de um homem em visitar ou não o lugar que vemos no começo do filme, a sequência (nada intrigante; como é possível?!) em que uma mulher solta uma aranha apenas para prendê-la novamente sublinha mais uma vez o deleite dos poderosos que acompanham aqueles segundos: uma pressuposição de liberdade que não existe.

Igualmente, após o primeiro monólogo de Adam na universidade, é visível o interesse em dualizar a tragédia versus a farsa (numa referência a Marx – quem mais?!) na própria personalidade do protagonista. E, embora nunca surja uma grande tensão em nenhum dos encontros, parecendo-se mais como uma curiosidade, a perseguição literal a si mesmo é um símbolo extremamente envolvente, quando começamos a ver aonde nos leva a narrativa – e o encontro com a mãe, neste aspecto, é o mais esclarecedor. Por outro lado, preocupando-se em abraçar temas mais complexos, Villeneuve esquece de coisas mais simples, como, por exemplo, explicar o luxo que um simples ator figurante e professor possui. Não esquecendo da previsível e precária cena de um acidente, que só fisga pelo paralelo criado com uma notícia no rádio.

Ainda assim, com acertos empolgantes na exposição dos nossos insistentes erros (o clímax é ótimo, nesta perspectiva), o maior problema de O Homem Duplicado é cair na armadilha que ele próprio se esforça para delatar: o confortável padrão. Uma fina ironia.

23 de junho de 2014

Entre Nós

Idem, Brasil, 2013. Direção: Paulo Morelli. Roteiro: Paulo Morelli. Elenco: Caio Blat, Maria Ribeiro, Carolina Dieckman, Júlio Andrade, Martha Nowill, Paulo Vilhena e Lee Taylor. Duração: 100 min.

Caso haja algo que a vida nos ensine é que a maioria de nossos sonhos não irá se concretizar. E isso não é necessariamente algo ruim, se pensarmos que muitos dos nossos devaneios juvenis são, bem, juvenis. Desconhecemos o pessimismo dos dias que virão e ignoramos os obstáculos que são reflexos de nossas escolhas. Seus amigos do colegial dificilmente ganharão um nobel, escreverão livros de sucesso ou serão referências em suas áreas. Dentro desse panorama, o diretor Paulo Morelli nos apresenta o retrato de uma juventude que se move por esse princípio: que pensa que, de alguma forma, somos especiais. E somos, obviamente. Cada um à sua maneira; contagiando alguém próximo com sua essência, autocompartilhando-se. Entre Nós é uma narrativa que constrói esse sentimento como raros filmes conseguem: quem seremos amanhã? Estaremos aqui? Seremos alguém nesse imenso mundo em que todos querem ser alguém? O que perderemos neste percurso? Quem perderemos?

Afinal, como a música de Caetano Veloso cantada alegremente pelos personagens no primeiro ato, a lua é clara, mas o sol tem rastro vermelho. Os nossos dias não serão as divagações de nossas noites. O personagem do impressionante Lee Taylor, por exemplo, escreve o final de seu livro durante a madrugada e a única coisa que procura é o breve reconhecimento que desfruta, mas é interrompido em seu caminho. Uma consequência de sua decisão em dirigir sob o efeito de entorpecentes. Algo que não apenas influencia a ele, mas a todos: desde Maria Ribeiro até Caio Blat. Este último, principalmente, passa a viver como o amigo. Busca um visual mais obscuro, esquece a sua expressão jovial, procura o isolamento, torna-se alguém deslocado naquele grupo – como se fosse o único capaz de reconhecer a dor. Porque, na visão dele, é o único que a viveu completamente. (Aliás, é necessário o parêntese para destacar como a melancolia de seu personagem vai crescendo cada vez mais até não conseguir esconder que ele não está vivendo a sua vida, mas a de outro: literalmente.)

Nesta perspectiva, Morelli é brilhante em manter a sombra de Rafa na vida dos amigos. Como se ele fosse um sinônimo para a máxima: “os sonhos terminam cedo demais”. Deste modo, a maneira como o trio, Rafa, Felipe e Silvana, desfruta a felicidade, o descompromisso, a época das experiências sexuais e anestesiantes, além das conversas sobre o futuro, encaixa-se perfeitamente na mudança de suas vidas, posteriormente. Observe a roda de violão durante Na Asa do Vento no primeiro ato e no terceiro: a mise-en-scène com todos pulando e se divertindo, cada um da sua forma, para a mesma roda dez anos depois, onde os acordes são mais lentos, a tristeza é mais imperante e a felicidade parece cada vez mais distante (com muitos nem lembrando da letra). Igualmente, as drogas são trocadas pelo café, o cansaço da manhã; o vislumbre dos anos 90 é só visto no futebol, mas ainda isso denota o afastamento: os homens jogando, as mulheres comentando sobre suas vidas.

A excelente Maria Ribeiro, sob esta ótica, descreve os anos passados com nostalgia típica de alguém que não é feliz. “Há menos discurso hoje em dia!”. Enquanto alguns estão satisfeitos com o comodismo, os outros procuram desculpas para suas frustrações: “Hoje qualquer um é artista, há uma supervalorização do sucesso”. Um resultado, aliás, que Blat consegue eficientemente se mostrar desconfortável – já que até suas referências, como aquela sobre Metamorfose ou Ulísses, soam como um pedido de desculpas. E uma supervalorização sabiamente usada por Vilhena para seus objetivos dramáticos, principalmente no seu desabafo na floresta ou ao exclamar que se sente uma piada.

Ainda assim, a mensagem de Morelli não é dopada de pessimismo, pois mesmo que o afastamento tome conta de nós,  as brigas sejam corriqueiras e viremos jovens com depressão, as expectativas serão voláteis. No fim do dia, afinal, apenas queremos nos reconhecer no espelho e lembrar aqueles tempos de juventude antes do mundo nos ter mudado.

19 de junho de 2014

Lobo Atrás da Porta, O

Idem, Brasil, 2013. Direção: Fernando Coimbra. Roteiro: Fernando Coimbra. Elenco: Leandra Leal, Milhem Cortaz, Fabiula Nascimento, Thalita Carauta. Duração: 100 min.

Há uma fábula gaimaniana que aponta a descrença dos familiares de uma pequena garotinha quando esta afirma ter ouvido lobos dentro das paredes. “Não, só podem ser camundongos”, diz o pai; “ratazanas imensas”, sugere o irmão; mas a menina e nós sabemos que na verdade os barulhos são o que indicam ser: lobos. Eu me lembrei deste conto infanto-juvenil quando assistia ao filme de Fernando Coimbra, O Lobo Atrás da Porta. Não pela similaridade do nome ou pelo fato de ser uma história infantil (pois não o é), mas pela metáfora semelhante. O longa-metragem brasileiro não traz uma narrativa de difícil entendimento ou com um clímax final impensado, muito pelo contrário, ele trabalha uma trama simples desenhada desde o princípio de forma irrepreensível, combinando o que poucas vezes observei no cinema: uma reconstituição singela de uma investigação policial.

Porque conduzindo o seu roteiro como se ele fosse um boletim de ocorrência, Coimbra faz seu investigador ouvir todas as partes envolvidas no caso, checar as informações estranhas que são repassadas e começar a desenvolver sua tese, como o próprio espectador. Assim, acompanhando o passo a passo e sem conhecer profundamente cada um daqueles indivíduos, é nossa obrigação, bem como a do delegado, compreender as intenções de cada um deles e quem afinal está ou não mentindo. Isto é o aspecto mais brilhante do filme, já que sem a noção prévia dos personagens, não temos a mínima noção de qual o caráter de cada um. A montagem, além disso, esforça-se para passar exatamente essa lógica: construindo cada história com a visão da pessoa que a conta – se a de Bernardo, que só mantinha o caso por desejo carnal, inicia num quarto de motel com ela nua; a de Rosa começa por quando se conheceram, mostrando o quão a história deles é mais importante para ela. Da mesma forma, ela se lembra de coisas simples e instantes genuínos de prazer, como eles divagando sobre o futuro numa tarde na praia; ele somente indica que Rosa usava o sexo para mantê-lo, esquecendo-se de sua própria culpa.

Ao mesmo tempo, enquanto a montagem assegura a tensão concedida com os múltiplos pontos de vista, a direção de Coimbra é bem evidente em como lidar com os fatos e ditar a forma como cada um observa a ação ao seu desfavor: analise, por exemplo, o close de Coimbra nos seios e na bunda da personagem de Leal, como se já houvesse um julgamento prévio do delegado, quando ela entra na sala de interrogatório. Igualmente, avalie a forma com que o cineasta conduz friamente o interrogatório com um uso intenso de plano/contraplano durante toda a cena. Ou como o delegado não é visto quando estamos assistindo ao depoimento da professora, já que estamos todos a julgando por ter deixado isso acontecer. Sem deixar de sublinhar os enquadramentos de perfil relacionando o pai como a vítima, colocando-o num mesmo quadro que o investigador – ambos trabalhando juntos. O seu perfeccionismo também é notável nos detalhes mais simples: um policial observando a situação do inquérito ao fundo, o cotidiano na delegacia ou constantes enquadramentos atrás de cortinas, símbolos e vidros denotando algo a espreita dos personagens. (Aliás, neste caso específico, abre-se um parêntese para destacar as batidas aterrorizantes surgidas numa das sequências mais assustadoras do filme: o monstro que "nasce" em Bernardo.)

Como se não fosse o bastante, Coimbra é eficiente em distribuir significados pontualmente em sua narrativa: note o plano que aponta o quarto dos pais e da filha, um ao lado do outro, com o sexo num local e a garota esquecida no outro cômodo; o segundo em que Bernardo passa a ser interrogado, com um súbito plano/contraplano competente; uma placa de alerta na primeira vez que Bernardo vai conversar com Rosa; a protagonista molhando os pés numa procissão, como se lavasse a alma; um cálice de velas separando filha e avós (?) num espelho, o reflexo do lar; a magnífica sequência do gira-gira, que aponta exatamente o triângulo amoroso: com as duas andando em círculos até uma delas situar a melhora no relacionamento, o brinquedo parar, e retornar quando a outra decide retomar o círculo vicioso; e, por fim, o uso de um artefato tão íntimo como um brinco para definir a mudança de Rosa na narrativa. (E, aqui, cabe outro parêntese para falar sobre isso. Neste caso, observe quando a personagem surge pela primeira vez em cena: ela usa um único brinco, no lado esquerdo - um objeto que se torna frequente em seu figurino, mas que sai de cena em dois momentos específicos: no primeiro, quando visita a esposa de Bernardo, ela utiliza o brinco na lado direito, numa mudança súbita de clima; no segundo, os brincos são de argola, como se destacasse o andar em círculos da personagem. Para chegarmos ao instante em que ela não usa absolutamente nada - quando ela perde o que considerava mais precioso.) 

O peso dramático desses momentos, aliás, ganham muito com as atuações de Leandra Leal e Milhem Cortaz. Se ele compõe um homem que aos poucos vai escancarando sua natureza violenta, machista e instável, destacando-se, além disso, na preocupação com as reações de Rosa, pois tem conhecimento de sua culpa; Leal é brilhantemente dúbia na narrativa: ao passo que ela aparenta uma fragilidade comovente em alguns momentos, noutros a naturalidade com que reprime uma agressividade verbal é fantástica. E basta notar como ela age ao falar para Bernardo que comprou uma arma, completamente diferente de suas cenas como vítima, incluindo a soberba sequência em que apanha do personagem.  

Brincando com as possibilidades dos diferentes pontos de vista, como denuncia o pai confundindo o presente que a filha havia ganhado há alguns meses, Fernando Coimbra estrutura sua narrativa orientando-se pela natureza policial que ela possui. Com isto, conduzindo o público a pergunta mais pertinente de toda a história: a metáfora do título. Quem é o lobo atrás da porta? Mas, diferente da garotinha da fábula, aqui, a origem do animal não é tão fácil de ser desvendada.

14 de junho de 2014

A Culpa é das Estrelas

The Fault in Our Stars, EUA, 2014. Direção: Josh Boone. Roteiro: Scott Neustadter e Michael H. Weber, baseado no livro de John Green. Elenco: Shailene Woodley, Ansel Elgort, Nat Wolff, Laura Dern, Sam Trammell, Lotte Verbeek, Willem Dafoe. Duração: 125 min.

É interessante observar como os filmes indies americanos andam investindo numa abordagem reflexiva sobre a existência. O desejo juvenil da eternidade, de ter algum significado em um mundo difuso ou ser, numa linguagem mais brega, infinito. A personagem Hazel Grace, assim como o protagonista do bobinho As Vantagens de Ser Invisível, contempla a mesma expectativa: ambos são manchados por algo que atrapalhou suas respectivas juventudes e tentam diagnosticar o efeito em suas vidas – claro que a de Hazel é muito mais grave, afinal, ela tem como empecilho uma doença letal. É complicado, porém, entender as intenções de Boone e do roteiro de Neustadter e Weber ao intercalar o drama prosaico com uma pretensão açucarada e espirituosa.  

Desta forma, a comparação com o (bom) filme 50%, por exemplo, torna-se lógica por combinar o sarcasmo com uma doença que procuramos nunca brincar. A jovem protagonista deixa clara a sua visão desde o princípio: “está é a verdade – sou uma bomba relógio prestes a explodir e atingir todos a minha volta. Gosto das histórias românticas como qualquer outra garota, mas a realidade é bem diferente!”. Assim, Hazel Grace surge como uma protagonista interessante, pois tem plena consciência de sua doença, seu destino e a dependência dos seus pais com sua existência. “Pior que ser uma garota com câncer, é ser mãe de uma garota com câncer”. Shailene Woodley é competente, aliás, por justamente conseguir suavizar o seu drama com o seu sarcasmo e rispidez reprimidos. Além disso, a jovem é genuína no seu encantamento pelo personagem de Ansel Elgort, explorando muitíssimo bem os trejeitos de uma adolescente apaixonada: a troca de olhares, a sua respiração mais afetada, as risadas, o movimento com o dedo, entre outros. Observe a maneira (cadenciada) com que ela pede desculpas ao público por sua condição – é comovente.

Por outro lado, os esforços da atriz para dar o tom certo à história são ofuscados pela estrutura narrativa que Boone pensa ser ideal: os offs intercalados com a história, a apresentação repentina de todos os personagens ou o procedimento das doenças na vida dos garotos (a cena da revelação de Augustus é patética) são exemplos. Da mesma forma, a insistência do diretor em forçar lágrimas no espectador é frustrada por sequências pouco inspiradas, como a terrível cena em que, depois de um primeiro beijo trocado, os protagonistas são aplaudidos por uma pequena plateia. Todavia, Boone possui sua parcela de acertos, como o uso da família da protagonista: se a mãe é a parte mais dependente e influenciadora na vida de Hazel, o pai surge justamente como a âncora da mãe – note que em períodos de fragilidade, o personagem de Trammell está sempre com a mão sobre o ombro de Frannie ou é ele quem fala com a protagonista quando a mãe não sabe mais o que fazer. Sem deixar de contar um ou outro plano que adquire um símbolo pouco mais atraente, como a constante presença das estrelas na vida dos protagonistas (o melhor momento é o mundo dela virando de cabeça para baixo no quarto durante um colapso) ou Hazel olhando triste para um playground – como se observasse uma infância que nunca teve.

Uma pena que Ansel Elgort não seja um coadjuvante convincente: freando ainda mais qualquer possibilidade de embarcar no romance dos dois. Elgort acha que encarar por horas alguém, olhar para o nada e dar sorrisinhos marotos com o canto da boca são o suficiente para dar atitude ao garoto, além de se achar bastante espertinho no tratamento que dá ao cigarro. E se Nat Wolff é simpático como o instável, mas amável, Isaac (a cena no pré-funeral é ótima), Dafoe sugere uma espécie de Salinger para seu personagem, afastando-se completamente do mundo, tornando-se amargurado, irreconhecível, aparentemente fracassado, arrogante e opressivo – como aponta o tratamento que dá aos seus fãs e o aspecto miserável de suas vestimentas (uma calça de pijama e um uísque na mão).

Tentando resgatar a essência adolescente, onde relações complicadas aparentam ser relações impossíveis (a homenagem ao seriado televisivo de Joss Whedon, Buffy, é pertinente por lembrar o morto-vivo com alma), A Culpa é das Estrelas é um drama indie bobinho – travestido de algo pretensioso – que só se sustenta por uma adorável protagonista.

11 de junho de 2014

Anina

Idem, Uruguai/Colômbia, 2013. Direção: Alfredo Soderguit. Roteiro: Federico Ivanier, Alfredo Soderguit, Germán Tejeira, Julián Goyoaga e Alejo Schettini, baseado na novela de Sergio López Suárez. Vozes: Federica Lacaño, María Mendive, César Troncoso, Cristina Morán, Petru Valenski, Roberto Suárez. Duração: 80 min.

Há poucos filmes como Anina. Poderíamos dizer de outro jeito, idem: poucas animações possuem a pretensão e a qualidade da animação uruguaia, Anina, que estreou neste sábado, 7, durante a Mostra de Cinema Infantil. A história é simples, como toda criança; mas inventiva, cheia de sonhos e natural, bem, como toda a criança. Este é o maior artifício do longa, aliás: já que, assim como a animação Mary & Max, Anina sempre abraça a intenção de ser um produto de reflexão infantil. Como as crianças vêm o mundo? Quais suas realidades, seus medos, suas divagações? “Sou Anina, tenho dez anos e estou com um grande problema”, diz a pequena protagonista: ela foi suspensa por brigar com uma colega e possui um nome palindrômico. É divertidíssimo, além de comovente, portanto, observar seus raciocínios com a condição de bullying na escola e a associação com seu nome, assumindo que deve haver algum problema com ela. As cenas em que seu pai esclarece que não há nada de errado ou quando sua avó mostra que seu nome não está na lista de nomes mais feios do mundo são espirituosíssimas. 

Além disso, o diretor Alfredo Soderguit é inteligentíssimo a aproveitar os temas para fazer algo mais profundo: note a pouca luminosidade da cidade, o aspecto cinzento dos ônibus, como sucatas reaproveitadas, o clima sem vida, até chegar aos personagens, que exalam uma cor muito mais acentuada, como se fossem a esperança da cidade – numa visão mais ampla, a educação como forma primordial. Da mesma forma, um pedaço de pão caindo em slow motion é muito mais atrevido do que poderíamos supor, pois, ao mesmo tempo, oferece dois significados: um deles, o de que na nossa infância qualquer coisa poderia iniciar uma briga, com as crianças ao fundo incitando; noutro, a importância da comida em nível social. O segredo é exatamente a maneira que Soderguit encontra para guiar esse contexto – como as poucas folhas de uma árvore na escola (as únicas na cidade) lembrando a esperança enraizada naquele local. Não é seu único brilhantismo, entretanto, já que a maneira como Anina enxerga as pessoas ao seu redor é sempre instigante – com passagens belíssimas, como a que imagina a diretora um monstro ou quando vê através de uma gota de gordura, numa das melhores fusões do ano, sua vida num circo com o holofote sendo apontado em sua direção. Numa época em que o Uruguai é o centro das atenções, Anina não faz feio e desponta como uma das grandes animações do ano.

* Publicada originalmente no Diário Catarinense

8 de junho de 2014

X-Men: Dias de um Futuro Esquecido

X-Men: Days of Future Past, EUA/Inglaterra, 2014. Direção: Bryan Singer. Roteiro: Simon Kinberg, baseado numa história idealizada pelo próprio, Jane Goldman e Matthew Vaughn. Elenco: Michael Fassbender, James McAvoy, Hugh Jackman, Jennifer Lawrence, Patrick Stewart, Ian McKellen, Halle Berry, Nicholas Hoult, Anna Paquin, Ellen Page, Shawn Ashmore, Omar Sy, Evan Peters, Peter Dinklage. Duração: 131 min.

Caso diagnosticarmos que o cinema é um reflexo de contextos, não é difícil compreender a constante abordagem que a intolerância, o papel influenciador da mídia e os drones estão possuindo no cinema. Muito mais que movidos pelas revitalizações de franquias (caso de Robocop, Godzilla, etc), os cineastas estão sempre procurando oferecer uma mensagem forte acerca de um dos tópicos atuais, mesmo que estejamos falando do passado ou do futuro. E isso não difere da perspectiva com que o inconstante Bryan Singer encara X-men: Dias de um Futuro Esquecido: a sua renúncia ao aspecto dramático amoroso do desastroso Superman – O Retorno e a sua abordagem focada no mundo de sofrimento e perda.

Desta forma, o novo filme da franquia começa de forma brilhante, priorizando a coesão entre seus dois primeiros filmes: os mutantes e humanos andando como se estivessem em um campo de concentração, movendo-se para a morte ou trabalho escravo, dialoga lindamente com a primeira aparição de Magneto no filme original. Do mesmo modo, Singer escancara os rumos que a primeira conversa entre Charles e Erik numa convenção tomaram, quando discutiam sobre evolução, humanos e mutantes, enquadrando Magneto no futuro – como se ele estivesse certo desde o começo. O símbolo dos X-men agora é somente uma chama no meio dos destroços. Aliás, como não poderia deixar de ser, mesmo que o futuro esteja exposto, ele é imprevisível (o destino dos personagens, idem), o que colabora eficientemente com as sequências de ação: os Sentinelas, por exemplo, são assustadores, os mutantes são massacrados, a luta é desproporcional, ninguém está salvo. Aqui, além do mais, o paralelo com a realidade, no sentido das máquinas lembrarem muito drones prestes a atacar, que estão reconhecendo terreno, nos fisga imediatamente. Assim como a política do medo utilizada pelo personagem de Peter Dinklage ou, claro, a conhecida mensagem antipreconceituosa: a cena em que Fera é visto pelos humanos pela primeira vez é comovente.

Ao mesmo tempo, Singer resgata a essência dramática de seus primeiros filmes, ditando um ritmo interessante, assim como aproveita o humor negro – a utilização de Wolverine como o fio condutor entre realidade e passado, sob esta ótica, é uma decisão confortável e certeira. Como se não fosse o bastante, o cineasta é competente ao aprofundar o duelo entre bem e mal, nunca soando piegas. 


Ressaltando a força dos personagens em cena, Singer também explora seus planos de acordo com seus respectivos caracteres: neste ponto, a ingenuidade e a despreocupação de Quicksilver combina com o slow motion da cena, assim como a afinidade entre protagonistas/combate. Avalie, por exemplo, como Charles defende Erik, por ainda se preocupar com o amigo, Wolverine apenas mostras as garras sem levar em conta ninguém e Quick, que devemos conhecer, numa forma quase juvenil, brinca com bonés, cuecas, com a velocidade do tempo, enquanto ouve a canção Time In A Bottle.

Todavia, a dinâmica entre futuro e passado é muito menor que a grandiosa dinâmica entre Charles e Erik. Eles são a base do filme. De tal modo, se Raven é utilizada como a chave do relacionamento entre os dois, Dias de um Futuro Esquecido desenvolve a separação. Portanto, Erik finalmente passa a ser reconhecido por Magneto: ao passo que os outros defendem o mundo em que vivem, aquele tenta mudá-lo. Constrói sua fortaleza, usa seu velho chapéu, aproveita a arma do inimigo contra eles e monopoliza a atenção para seu monólogo (marcante) no clímax. Fassbender, neste panorama, é indiscutivelmente a melhor coisa da franquia, ampliando a arrogância de Magneto gradativamente, antecipando a lógica humana e garantindo a evolução de sua “espécie”. Duas cenas são decisivas para compreendê-lo, ainda: a primeira delas, onde enfrenta um amargurado Charles no avião (analise o autocontrole dele diante da instabilidade do outro e como ele começa a engrandecer a sua própria amargura: “Você nos abandonou”); a outra, a condução do terceiro ato, orientando outros mutantes sobre não temer ser diferente, aceitar-se, não se esconder, ainda que ajuíze que sua jornada sempre será solitária. (Não deixando de destacar a sua constante imponência, o andar calculado, embora pareça despreocupado, e a maneira que sempre mede as situações.)

Isso não seria o bastante, contudo, se o Charles de McAvoy não fosse igualmente fascinante. O jovem rebelde, bêbado, excêntrico, amargo, rancoroso que cria é sempre natural, bem como o carinho que possui pelos amigos – a forma como afirma para Raven que ele e Erik vieram a resgatar, juntos, é impecável. Ou como se dirige ao seu eu do futuro ao dizer que ele não quer aquele destino; deixando a sabedoria e carinho com que Patrick Stewart se dirige aos demais ainda mais fortes, pois vemos um homem que já experimentou ambos os caminhos: o de tormento e o de amor. Não se esquecendo do vilão dúbio de Dinklage, que nunca parece demonstrar suas reais intenções (“Eles nos levarão a uma genuína paz, sem extinção, admiro-lhes”).

Por outro lado, se os teletransportes dão uma mecânica tão interessante quanto a de Noturno na Casa Branca e torna a ação empolgante e inesperada, a montagem é bastante óbvia: uma cena dramática, um confronto e uma sequência de ação – esta é basicamente a estrutura. Da mesma forma, Singer tenta reaproveitar tudo o que havia dado certo em outros filmes, sem pensar que isso acabaria tornando a tensão previsível: Mística acessando os arquivos, por exemplo, não possui nenhum momento de suspense; além de Charles e a decisão de usar ou não a seringa.

Mesmo que o destino final seja esperado, as artimanhas que Singer usa para chegar até aquele ponto são notáveis. X-men: Dias de um Futuro Esquecido consegue ser um apanhado elegante entre futuro e passado da própria franquia, fazendo com que múltiplas oportunidades promissoras surjam num futuro incerto. 

3 de junho de 2014

Malévola

Maleficent, EUA/Inglaterra, 2014. Direção: Robert Stromberg. Roteiro: Linda Woolverton, baseado nas histórias La Belle au bois dormant e Little Briar Rose, além do roteiro de A Bela Adormecida. Elenco: Angelina Jolie, Elle Fanning, Sharlto Copley, Lesley Manville, Imelda Staunton, Juno Temple, Sam Riley, Brenton Thwaites, Kenneth Cranham, Isobelle Molloy, Michael Higgins. Duração: 97 min.

Ligeiramente diferente de outras adaptações de contos de fadas, Malévola tenta fazer uma repaginação completa do famoso clássico A Bela Adormecida, criando uma protagonista complexa que passeia entre o vilanesco e o heroísmo para chegar aos seus objetivos – seja defender suas terras ou um ato vingativo. Assim, como já se tornou comum nesse ano cinematográfico, os homens voltam a ser os verdadeiros vilões da história, com sua ganância e ambição. É uma pena, portanto, que tal personagem seja tão desperdiçada por um roteiro que se orgulha de um clima infantil raso e um diretor que procura esconder suas limitações em sequências de ação indecifráveis.

Escrito por Linda Woolverton, baseado no roteiro de A Bela Adormecida e das histórias La Belle au bois dermant e Little Briar Rose, o filme acompanha Malévola (Jolie), que defende o reino dos Moors. Como a fada mais alta e mais bela, é seu dever manter o reino dos humanos afastado da floresta, mas a garota acaba se interessando por um dos seus “inimigos”, o garoto Stefan. Porém, o rapaz é vítima da obsessão pelo trono e a abandona para conquistar o reino dos humanos; não sem antes arrancar as asas da fada, responsáveis por sua força, o que a transforma em uma mulher vingativa e que amaldiçoa a filha de Stefan para dar o troco.

Apesar de superficialmente pretensioso na abordagem, o diretor nunca esconde o seu desejo de entreter o público com gracinhas a todo o momento ou através de seus ares juvenis – com isto, a adolescente Malévola afirmando espantada que alguém fora rude ou inúmeros suspiros aqui e ali nunca são gratuitos. O próprio roubo do garoto quando os dois se conhecem, que tenta apontar sua ganância, é visto como uma pequena travessura – o que cria uma preocupante dualidade na narrativa sobre qual será o destino da história, algo mais maduro ou infantil. Mas isso está longe de oferecer qualquer desempenho dramático, tendo em vista as frustradas tentativas de Stromberg em inserir uma camada surreal que não funciona ou nas atuações apavorantes dos garotos. Do mesmo modo, analise a forma amadora como o poder do ferro sobre as fadas é entregue ou como o roteiro se comporta ao explicar cada passo (um personagem esclarecendo que a floresta é um lugar “(...) onde ninguém se atreve a entrar por medo das criaturas mágicas” é hilário).

Além do mais, é surpreendente que Angelina Jolie não tenha caído na gargalhada ao fazer expressões patéticas no primeiro ato em seus voos, lutas ou frases de efeito, como: “Você não é rei para mim!”. Ao mesmo tempo, a desconcertante direção tem momentos genuinamente engraçados, embora involuntários, quando insiste em dar closes a todo o momento para visualizar alguma emoção. Sem contar as risadas vilanescas dos homens no campo de batalha. Igualmente, Stromberg é da vertente de diretores que tentam esconder suas limitações com sequências de ação incompreensíveis e suas tentativas de tensão sempre saem pela culatra. É curioso como esperamos que uma transformação de um cachorro em humano desencadeará num latido a qualquer momento e, consequentemente, nossa risada.

Como se não fosse o bastante, o diretor e Jolie acreditam que um cajado, caretas, raios, fala pausada (os olhares para a câmera são impagáveis) e batons vermelhos são o bastante para compreendermos a transformação de uma heroína numa vilã. E é preciso aplaudir a sabedoria do rei, pois queimar tudo que pode machucar sua filha e mandá-la para outro lugar é uma atitude brilhante. Por outro lado, Elle Fanning consegue ser convincente (a forma como fica vermelha ao ver o príncipe é ótima) e sua química com Angelina Jolie proporciona os únicos bons momentos do filme: o encontro das duas na floresta é lindíssimo.

Tentando soar inteligente no seu final, como se tudo fosse organicamente antecipado, Malévola é mais uma frustrada tentativa de recriar clássicos, agora com perspectivas diferentes. Na constante tentativa do gênero em causar surpresa, ela aparecerá quando realmente sair uma boa ideia ou um bom filme.