22 de dezembro de 2011

Making of e entrevistas de Tudo Pelo Poder

Nesta sexta-feira (23), Tudo Pelo Poder estréia nacionalmente e finalmente o público brasileiro poderá ver o belíssimo trabalho de Clooney por trás das câmeras e na frente delas também. Indicado ao Globo de Ouro 2012 nas quatro categorias principais, The Ides of March (o título original) é uma intensa história sobre ambição, lealdade, traição e vingança. O filme segue um jovem assessor de imprensa que é vítima dos bastidores da política, das manipulações traiçoeiras de agentes veteranos e é seduzido por uma jovem estagiária.

Depois de dirigir o excepcional "Confissões de uma Mente Perigosa" e sua obra-prima "Boa Noite e Boa Sorte", George Clooney volta com um dos grandes filmes de 2011. Aqui vai alguns videos, liberados pela Califórnia Filmes, mostrando os bastidores e entrevistas com Clooney e Gosling:






20 de dezembro de 2011

Tudo pelo Poder (The Ides of March, EUA, 2011)



           Posso fazer qualquer coisa, mas eu tenho que acreditar na causa.


A frase dita pelo personagem Stephen Meyers, interpretado pelo ator Ryan Gosling, nos introduz no universo político da narrativa já de imediato – revelando-nos o caráter do personagem principal. Está no cerne de “The Ides of March” o corrompimento humano, o jogo político, a sujeira em torno do tema abordado. Não há aqui um universo maniqueísta, com bandidos e heróis ou certo e errado, há apenas personagens humanos com respostas humanas e que vivenciam situações humanas. O filme de Clooney não oferece grandes pontos de viradas, uma ação desenfreada ou um caos ideológico e perigoso; para Clooney, o mais importante é a denúncia de uma sociedade falida, de uma democracia perigosa, um lugar em que ninguém pode se portar diferente de como as coisas são.

Escrito pelo próprio Clooney, com a parceria de Grant Heslov e Beau Willimon, a história gira em torno de Meyers (Gosling), um jovem idealista que trabalha como assessor de imprensa do governador Mike Morris (Clooney) e que se vê diante de jogos políticos sujos nos bastidores das eleições para disputar a presidência dos Estados Unidos. Meyers acaba tendo duas opções ao longo da narrativa: render-se ao ambiente corrupto ou percorrer outros caminhos.

Investindo em planos abertos para mostrar os debates do governador com o grande público e em planos fechados para momentos mais íntimos de seus personagens, Clooney também é admirável ao realizar um recurso de campo/contracampo para demonstrar duas conversas ao telefone que os dois assessores de Morris estão tendo – se vemos Gosling de primeiro momento conversando ao telefone, a câmera vai se afastando sutilmente até vermos nosso real foco, Hoffman.

Clooney é igualmente elegante ao mostrar momentos íntimos de seus personagens com eles sempre próximos (o Governador com sua mulher no carro) e ao apresentar Morris do ponto de vista do povo, de seus eleitores, nos primeiros debates.

Aliás, o diretor é tão honesto que consegue deixar o espectador frio e desacreditado com seu próprio personagem. Se em um momento quando ouvimos Morris falar sobre sua proposta de ensino, acreditamos em suas ideias e partilhamos do mesmo sentimento de Meyers; no outro, passamos a desprezar o candidato por ter cometido tantos erros e não ser o que pensávamos que ele era (também partilhando os sentimentos de Meyers). E não dá para deixar de salientar a cena final em que vemos Gosling imponente na frente das câmeras e Clooney falando sobre ética no fundo.

Sim, no mundo político proposto por Clooney não podemos ter personagens ingênuos ou que acreditam em um ideal. É claro que para o diretor isso está claro, nada é mostrado de forma gratuita – olhe, por exemplo, quando nos é mostrado o escritório de Meyers na campanha, o que vemos ali? Um quadro negro escrito em giz “Morris terá meu voto” do lado de uma bandeira americana e de recortes de jornal mostrando a trajetória do governador atrás do personagem de Gosling. Depois que Meyers descobre sobre um erro do Governador, o que ocorre? Quase não vemos mais aquele quadro.

Para Clooney, Stephen Meyers é seu fio condutor. É pelo personagem que o diretor desenvolve suas principais idéias sobre os bastidores de uma campanha. Em uma das cenas do longa, em que vemos o personagem de Gosling ir em direção de Wood, podemos notar apenas um vão de uma escada, nunca as escadas, algo que sugere que Meyers está parado. Não há para onde ir, subir ou descer. O personagem está apenas sem sair do lugar. É interessante notar, ao final do longa, Meyers descendo escadas gigantescas até chegar a um ginásio onde fará uma declaração para a imprensa. Se antes víamos o personagem pelo vão das escadas, sem sair do lugar, ali víamos o personagem chegando ao submundo da política, finalmente, rendendo-se aquele mundo corrompido.

E é guiando-nos pelo seu personagem principal, seu centro dramático, que Clooney nos apresenta sua peça mais importante de seu roteiro, ao conceber alguém com um caráter ingênuo, sensível, mas não menos inteligente. Gosling é excelente ao retratar o amadurecimento de seu personagem conforme as situações que enfrenta ao decorrer do longa e como aquela ingenuidade do seu personagem vai morrendo aos poucos – note, por exemplo, quando Gosling enfrenta sua primeira realidade ao se deparar com uma gravidez inesperada ou quando se depara com o motivo de sua demissão e busca uma saída imatura e vingativa (“Vou denunciar todos vocês!”).

Ainda, a coesão dramática de Clooney, ao primeiramente denunciar a aura infantil de seu personagem perante os jogos políticos (como vemos na cena inicial) até o personagem rendido diante da corrupção na cena final. Se no começo temos Meyers brincando com o microfone e ensaiando sua fala de forma descontraída, no final temos uma situação totalmente inversa quando nos vemos diante de um personagem insensível e corrompido (o olhar de Gosling é de uma tensão absurda).

Estabelecendo seus personagens como seres humanos propensos a erros e extremamente falhos, impressiona que mesmo em um elenco de tantos nomes interessantes, todos tenham seus personagens bem desenvolvidos. Gosling é a ingenuidade da campanha, Hoffman é a lealdade, Ben o jovem com potencial e Tomei é a jornalista sempre em busca de um furo: “Se fosse um bom furo, meu noivo entenderia”. Nem Morris parece ser perfeito, já em seu primeiro discurso diz: “Devemos liderar o mundo novamente, como fazíamos antes”.

De qualquer forma, naquele mundo, todos têm um foco: as eleições. A maioria de suas conversas é centrada nisso. Não há muito tempo para casualidades. Em determinado momento, Morris pergunta: “Meyers, está solteiro?”, “Casado com a campanha, Governador”, “Boa resposta”, “E você, Ben?”, “Casado com campanha, Governador”, “Timaço!”, responde Clooney.

E enquanto a trilha de Desplat é inteligentemente equilibrada (note que só começamos a ouvi-la no primeiro ponto de virada do roteiro), a fotografia de Phedon Papamichael é brilhante ao utilizar sempre um jogo de sombras que favorece muito o clima de corrupção da obra. Pode-se ressaltar a emblemática cena em que Meyers encontra Morris no terceiro ato e, desde o primeiro momento, vemos Gosling com “duas caras” – veja como Meyers aparece com a parte esquerda do rosto sombreada e com a direita iluminada (justamente quando vai chantagear Clooney); enquanto o Governador é visto com o lado esquerdo do rosto claro e o direito sombreado, como se estivesse sendo travado um duelo naquele local.

Além do mais, parecendo tomar “Todos os Homens do Presidente” como fonte de inspiração, é normal vermos os personagens saindo de lugares escuros para dar alguma revelação importante – observe como Meyers sai das sombras para dar o dinheiro para Molly – ou quando vemos personagens conversando em meio às sombras. Vide a cena de Gosling e Hoffman discutindo na frente da bandeira americana, também sombreados, numa clara alusão aos bastidores políticos.

De certa forma, “Ides of March” traz muito tanto de “Boa Noite e Boa Sorte” quanto de “Todos os Homens do Presidente. O jogo de luzes, as chantagens e a manipulação de personagens. É interessante também perceber e elogiar a tradução do título, pois vemos um sinônimo para o mundo político de Clooney. Há uma trama de ambição ao poder subjacente a política e é aí que reside a maior qualidade da narrativa. Se notarmos que o único personagem que parecia ser o mais correto e leal fora sacrificado nessa disputa (falo de Hoffman aqui), percebemos uma triste realidade. Ou se submete ao jogo ou é exterminado.

(5 estrelas em 5)

5 de dezembro de 2011

Um Dia (One Day – EUA, 2011):

Dex and Em. Em and Dex.


Há alguns anos atrás se iniciou uma discussão sobre adaptações e se é mais importante um filme manter uma boa qualidade cinematográfica ou ser o mais próximo que conseguir de onde se baseia (seja livro, game ou série de TV) – a tal fidelidade. Obviamente, fico com a qualidade cinematográfica. Todavia, sempre acabamos sendo parciais quando lemos um livro e vemos sua adaptação – claro, julgamos a qualidade técnica e se o filme é bem desenvolvido, mas acabamos muitas vezes apontando grandes problemas na construção de algo e o fato de ser superficial ou não em determinado aspecto, principalmente, por já ter tido uma base no livro que lemos.   

Um Dia é um daqueles livros que fisga o leitor desde a primeira página e já o impressiona pela química do casal mostrada nas páginas do romance. O livro de Nicholls nunca surge como algo tolo, saído de um romance piegas de Nicholas Sparks, sempre surpreende pela linguagem utilizada e por possuir um aprofundamento humano maravilhoso para um livro do gênero. Infelizmente, Nicholls parece não ter a mesma qualidade como roteirista. Na versão cinematográfica de seu livro, peca no melodrama, constrói seus personagens superficialmente e só consegue sustentar-se por seus protagonistas.

Escrito por David Nicholls, também autor do livro, a história gira em torno de Dexter Mayhew e Emma Morley que se conhecem no dia 15 de julho de 1988, na noite de formatura dos dois jovens. Os dois tornam-se melhores amigos nesta noite e a história gira em torno do relacionamento de Dex e Em durante 20 anos, tendo como base sempre a data de 15 de julho.  

Sempre superficial na construção de seus personagens, Nicholls falha desde sua cena inicial a dar um dinamismo quase nulo para os dois protagonistas e de forma extremamente desinteressante – note como tudo parece ser feito sempre às pressas para ter tempo de mostrar os anos que virão a seguir.  O roteirista peca em nunca estabelecer uma química instigante entre seus personagens em suas primeiras cenas, parecendo uma relação comum e nada especial entre um homem e uma mulher, transformando toda a narrativa em algo sem aprofundamento por não parecer preocupado com a apresentação de seus personagens – possivelmente por pensar que o espectador já tivesse conhecimento prévio sobre o que veria.

Mais preocupante ainda é Nicholls não conseguir repetir diálogos inspirados entre os dois protagonistas, repetindo fórmulas arcaicas que só empobrecem ainda mais a narrativa, como quando Emma afirma: I got to know you. You cured me of you. Algo totalmente diferente de frases geniais do livro, como: "Houve uma época, não muito tempo atrás, em que todos os garotos queriam ser Che Guevara. Agora todos querem ser Hugh Hefner. Com um videogame". Aliás, o filme é tão incoerente, sem qualquer coesão dramática, que até em diálogos que se encaixavam perfeitamente no relacionamento dos dois, algo como I love you, Dex, so much. I just don't like you anymore”, soam desconexas no filme.

Em contrapartida, “Um dia” tem alguns aspectos interessantes, como a montagem do novato Barney Pilling – que consegue desenvolver a trama (a passagem de tempo, ano após ano) de forma competente e sempre de maneira interessante (seja em um notebook, seja por um calendário, a forma de passar os anos nunca cansa).

Igualmente interessantes são as atuações dos dois jovens protagonistas, Anne Hathaway e Jim Sturgess. Enquanto Hathaway concentra-se em transformar Emma em uma personagem mais autoconfiante ao passar do tempo e autodepreciativa em outros momentos, Sturgess passeia entre o carismático e o boçal de forma extremamente competente, sendo surpreendente até no alcoolismo – que apesar de extremamente forçado e rasteiro, sustenta-se pela atuação do jovem ator. Ao passo que Patricia Clarkson e Ken Stott surgem apenas como caricaturas.

Criando planos que apenas não comprometem mais do que já havia sido comprometido pelo roteiro, Lone Scherfig guia o filme quase que como uma homenagem a outros filmes falhos do gênero. Temos sempre os destinos cruéis, traições, dramas, alcoolismos, personagens mesquinhos e platonismos baratos. “Um Dia” acaba soando como nada mais que convencional e fugindo completamente da proposta do livro de Nicholls. Ao fim, o filme talvez se torne um objeto de estudo para as mesmas discussões acaloradas citadas no começo da crítica. Pensando nisto, vou propor que a principal discussão torne-se “porque não deixar o autor de um livro escrever o roteiro de um filme”.

(2 estrelas em 5)