8 de fevereiro de 2014

Trapaça

American Hustle, EUA, 2013. Direção: David O. Russell. Roteiro: Eric Warren Singer e David O. Russell. Elenco: Christian Bale, Amy Adams, Bradley Cooper, Jennifer Lawrence, Jeremy Renner, Louis C.K. Duração: 138 min.

Desde o seu retorno ao cinema, David O. Russell foi indicado a cinco Oscars e emplacou pela segunda vez quatro de seus atores nas categorias principais do grande prêmio do cinema norte-americano. Alguns por merecimentos, outros nem tanto. Em Trapaça, saindo um pouco de sua zona habitual de conforto, o diretor parece insistir em uma versão própria de Os Bons Companheiros, de Martin Scorsese, combinando o clima cínico e a corrupção dos anos 70. 

Não à toa, O. Russell já expõe de início a sua abordagem irônica em meio à atmosfera criminosa que estamos prestes a embarcar: o silêncio inquietante da primeira cena com um personagem literalmente colando o seu cabelo é um belo exemplo. Da mesma forma, o diretor tenta incorporar o cinismo à perspectiva daquele mundo: perceba que o mesmo garoto que é tão querido pelo pai, é sempre deixado de lado, como se a preocupação fosse apenas uma dissimulação; além do grito no banheiro, a dança de Rosalyn ao som de Live and Let Die quando joga o seu marido aos leões, etc. Há algo jazzista e clássico em sua estrutura, mas, ainda assim, espirituoso. Não é algo seco como o cinema scorseseano. É leve. O que ajuda e prejudica, porque – ao mesmo tempo em que tenta criar gags com a máfia, os cassinos, a política e a violência – O. Russell trava nas limitações que autopromoveu. Precisando filmar um drama bobinho travestido de algo profundo e inteligente. O oposto de O Lobo de Wall Street, por exemplo, que gerava graça e desconforto na sua própria profundidade. Não só em estrutura, mas também na forma como seus personagens eram impostos.

O policial de Bradley Cooper, numa atuação constrangedora, é a antítese do agente vivido por Kyle Chandler. Ele é suscetível à ganância. Gosta de quebrar as regras. Apaixona-se por aquela vida de crime. A cena em que ameaça o personagem de Louis C. K. (impagável!) é um dos melhores momentos do longa. Já Amy Adams, que começa prejudicada por um zoom horroroso para destacar seu choque, é excelente na composição dividida e duvidosa de Sydney: o travelling que aponta a mudança de lado dela em uma cena específica é brilhante. E se Jennifer Lawrence se afunda num overacting terrível, sobra para Christian Bale e Jeremy Renner roubarem a cena. O primeiro, principalmente, é o De Niro de O. Russell, ainda que aquele também apareça. A maneira como conduz as palavras e os gestos de vendedor só não são melhores do que a forma teimosa com que ajeita seus óculos – evidenciando um tique tão natural que até quando está sem eles, mexe ligeiramente seu nariz, como se algo o incomodasse. O problema é que Trapaça poderia muito mais que apenas criar piadas com cabelos e narrações múltiplas. Mas preferiu dar jus ao título.

* Crítica escrita originalmente para o Diário Catarinense

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