25 de fevereiro de 2015

Caminhos da Floresta

Into the Woods, EUA/Inglaterra/Canadá, 2014. Direção: Rob Marshall. Roteiro: James Lapine, musicado por Stephen Sondheim e Lapine. Elenco: Anna Kendrick, Daniel Huttlestone, James Corden, Emily Blunt, Christine Baranski, Chris Pine, Meryl Streep. Duração: 125 min.
 
 
Uma das primeiras coisas que meu convívio diário com minha madrinha demonstrou na infância foi que, não, ela não conseguia inventar histórias para me fazer dormir. No máximo, ela podia recitar algumas fábulas que já existiam e proporcionar com seu tom de voz um conforto que ela claramente não possuía quando tentava inventar algo próprio. Rob Marshall sofre da mesma doença, mas com um agravante: alguém, no auge de sua autoconfiança, disse à ele que, sim, ele era um bom contador de histórias - e que musicais eram ideais para suas pretensões.
 
Assim, chegamos aos créditos de Caminhos da Floresta realmente preocupados com a saúde mental do diretor em liquidificar vários contos de fadas numa fórmula venenosa e almejar uma nova receita certeira (embora improvisada) no decorrer.  Afinal, ancorando-se numa magia inexistente e achando-se inovador pelo tom mais obscuro, Marshall se encanta pelo argumento sem que para isso ache necessário quaisquer tipo de coerência narrativa - ao menos é o que parece, quando começa a inserir histórias que não fazem o menor sentido para inchar mais a "trama" e prolongar um clímax enfadonho. Desde a primeira aparição de Rapunzel, que suponho que apenas dê as caras para dar a oportunidade de Streep cantarolar o quanto o mundo é cruel (!!), até a fuga dela da história - instante em que, naturalmente, o diretor percebe o número de personagens e resoluções, decidindo-se pelo mais simples: descartem-nos. E é risível o desabafo de Rapunzel, já que seu protesto de evasão se torna literal. 
                                                                                                                          
Do mesmo modo, para não ficar apenas nas fábulas conhecidas e "sem imaginação", o diretor e o roteirista acham necessário inserir novas subtramas, como denuncia as três noites do baile da Cinderela ou o príncipe se encantando por uma camponesa. Sem contar o uso deslocado de chapeuzinho vermelho (e realmente acredito que os envolvidos no projeto devem ter achado genial tratar a menina como, veja bem, uma comilona) ou o vergonhoso lobo de Depp, que chega ao mais fundo que poderia chegar em sua carreira, num ato envolvendo uivos e insinuações de pedofilia. 
 
E se Meryl Streep extrapola o limite do overacting desde sua primeira cena, entre piscadas, olhares, caretas, gestos surreais e risadas (seus desaparecimentos são inesquecivelmente terríveis), ao menos Emily Blunt consegue sustentar sua personagem na linha tênue da loucura da situação em que se meteu e o seu desejo por um filho, algo que culmina numa linda canção em que ela flerta com o desejo e o perigo. Mas é dificílimo tentar algo, quando as letras interferem muitíssimo na obra. As repetições desanimadas são só exemplos, já que dois príncipes cantando sobre agonias na beira de um riacho, sem camisa, é uma das sequências mais "caras-de-pau" desse ano cinematográfico.
 
Reproduzindo seu tom debochado num clímax assustadoramente desconcertante, Marshall ainda finaliza seu atentado com uma máxima quase grosseira ao afirmar que desejos são como crianças. E precisamos de cuidado com o que desejamos. Algo que certamente não tivemos ao experimentar mais um novo musical dirigido por Marshall: cuidado.
 
 

20 de fevereiro de 2015

Livre

Wild, EUA, 2014. Direção: Jean-Marc Vallée. Roteiro: Nick Hornby, baseado no livro de Cheryl Strayed. Elenco: Reese Whiterspoon, Laura Dern, Thomas Sadoski, Keene McRae, Gaby Hoffmanm, Kevin Rankin, Michiel Huisman. Duração: 115 min. 

Andando paralelamente a Na Natureza Selvagem, Livre é uma narrativa que estima a perda e a ressurreição que esta pode ocasionar. Porém, diferente da obra de Sean Penn, Vallée não está à vontade para evidenciar a fragilidade humana em sua natureza física, anárquica e independente; sim, na figura de uma mulher forte, mas dependente, material e instável.

Guiada por Reese Witherspoon com trejeitos que já são sua marca registrada no drama, como o olhar cínico e a sucessão de expressões faciais exageradas, Cheryl não possui um amor pela natureza ou uma paixão abrangente pela liberdade que pode ser oferecida. Ela está lá para se testar. Sofrer, gritar e denunciar fragmentos de quem ela já foi e quem ela quer ser. A válvula de escape é a perda da mãe, que faz com que ela precise retornar ao tempo em que era uma promessa. De quando era independente, segura de si; quando estava no controle. Demonstrando a dificuldade de levantar a tonelada pertencida à mochila, o esforço de andar na neve e de lutar contra seus próprios instintos, a atriz possui alguns momentos eficientes, principalmente ao visualizar na figura de Greg a luta contra o desejo (observe que sua primeira aparição é nu, banhando-se); igualmente, os olhares de cinismo e impaciência sutis que confere ao grupo de jovens que a aborda no terceiro ato (chamam-na de rainha) são admiráveis.

Todavia, a busca é naturalmente frágil por valorizar em demasia uma dependência materna, que nunca consegue se mostrar verossímil, além de transformar a garota numa sobrevivente de uma grande batalha entre corpo/mente - o que é difícil idealizar, tendo em vista a atuação tímida de Witherspoon. E se a montagem também decide orientar o espectador sinalizando os dias que se passam, o que é sempre vergonhoso, ao menos acerta na concepção da narrativa: quando brinca com nossas suposições - a trilha passar a ser uma fuga de realidade, os personagens que cruzam o caminho da protagonista serem interessantes e a levarem para o caminho que ela almeja: a cena mais extrovertida com ela, a de alguém cantarolando What's going on, é ótima. Em compensação, os flashbacks são instáveis; a relação entre mãe/filha não é algo totalmente coerente, ainda que Laura Dern esteja muito bem no papel de mãe protetora (o monólogo do carro e o da cozinha são excepcionais); e a rebeldia de Cheryl soa tão pálida quanto sua maquiagem excedida.

Com diálogos pouco produtivos ("Sei que fui importante") e uma curiosa falta de perda de peso (após centenas de dias caminhando, com pouca água e comida, a personagem continua com o mesmo peso), Livre é o ato desesperado da protagonista em achar uma liberdade individual. Uma jornada com obstáculos físicos e mentais (e narrativos).


16 de fevereiro de 2015

Teoria de Tudo, A

The Theory of Everything, Inglaterra, 2014. Direção: James Marsh. Roteiro: Anthony McCarten, baseado no livro de Jane Hawking. Elenco: Eddie Redmayne, Felicity Jones, Tom Prior, Harry Lloyd, David Thewlis. Duração: 123 min. 

Qual seria o pensamento do homem que regeu uma das maiores teorias científicas dos últimos 50 anos, que lutou contra uma doença que “deveria” ter o matado quando ainda era jovem, como foi sua luta, seu destino, seu reconhecimento, sua vida? Não conseguiríamos dar uma avaliação completa, caso conhecêssemos Hawking apenas pela desastrada cinebiografia dirigida por James Marsh.

Afinal, buscando dar uma típica fórmula para um sujeito atípico, o filme de James Marsh acha interessante indicar o destino do jovem cientista em enquadramentos assustadoramente cínicos e irresponsáveis, como aqueles em que apenas destaca as pernas dos personagens ou salienta o posicionamento de Hawking sem elas: aliás, perceba a cena que se passa no escritório do professor e uma transparência da porta denunciando essas intenções.

Da mesma forma, as elipses da história acabam fragilizando a narrativa, pois não conseguimos enxergar o desenvolvimento das teorias, relacionamento entre ele e Jane, bem como a perda gradativa dos movimentos. Basta analisar, como exemplo, o nascimento dos filhos de Hawking – um dia, sabemos que ele tem no máximo dois anos de vida; noutro, ele já está no segundo filho e não sentimos absolutamente nada da gradatividade degenerativa (inclusive, a “voz” computadorizada é simplesmente jogada). Igualmente, é quase ridículo que o instante escolhido como mais importante da carreira do cientista, para pontuar toda uma trama acerca daquilo, seja o encontro com a rainha. Algo que só não soa mais ultrajante, pois é uma bela amostra do que Marsh intenciona.

O instrumento, é claro, torna-se a família. Mas sem que isso seja fortalecido. Embora exista química entre Redmayne e Felicity Jones, o que sabemos do amor dos dois é muito pouco. Conheceram-se numa festa, apaixonaram-se, viveram com um fardo até certo momento e se desapaixonaram. Sem algum desenvolvimento para tudo isso no pouco mais de duas horas do longa-metragem. 

Ainda assim, é inegável a força dramática que Eddie Redmayne entrega ao seu Stephen Hawking. Nunca excedendo-se, como é costume em biografias do tipo, o ator confere sensibilidade a um pontualmente derrotado homem, quando não enxerga mais nenhuma razão para continuar vivendo sem suas habilidades motoras, tanto quanto oferece força nos gestos e olhares impostos por sua condição. Ao mesmo tempo, mantendo a cabeça sempre ao lado, próxima do corpo, Redmayne também é competente ao demonstrar o crescimento de sua condição: a tentativa de esconder uma doença que já o preocupa, a falta de coordenação motora com coisas pequenas, as cadeiras servindo como apoio, tudo é muito bem evidenciado pelo britânico. Ao passo que Jones é apenas simpática na pele de alguém dividida entre o amor e a responsabilidade.

Uma pena, claro, que uma história tão bela se torne quase espalhafatosa nas mãos de Marsh, o qual chega a entregar uma das piores sequências do ano: mais uma vez cínico, num breguíssimo slow motion com uma caneta como ponto de referência. No fim, A Teoria de Tudo é o esforço limitado/individual de um ator para fazer jus ao referenciado. E, ao menos nesse ponto, funciona.  


12 de fevereiro de 2015

Whiplash: Em Busca da Perfeição

Whiplash. EUA, 2014. Direção: Damien Chazelle. Roteiro: Damien Chazelle. Elenco: Miles Teller, J.K. Simmons, Melissa Benoist, Paul Reiser, Nate Lang. Duração: 107 min. 

Há uma veia temática de Aronosfky muito forte no filme de Damien Chazelle, Whiplash, que está escancarado na pele do jovem Andrew: a entrega absoluta em busca da perfeição. “Os suplentes limpem o sangue da bateria, pois está na hora de começarmos”, repreende o inesquecível Fletcher, interpretado com uma dureza avassaladora por J.K. Simmons. Para ambos, o cineasta e o professor, não interessa o passado, o trabalho ou a vida pessoal, mas o que você produz num espaço curto de tempo, após uma dedicação completa. Um caminho árduo, mas necessário – na visão deles.

Andrew é a cobaia perfeita. O jovem prodígio que serve para denunciar uma promessa que todos buscam encontrar, cujo dom reside na sua cobiça por reconhecimento, manter-se na memória, ser motivo de discussão. O próximo Buddy Rich. É quem parece compreender e complementar Fletcher, quem o “entende”. A pessoa que pode introjetar algo entre a relação mestre/aprendiz. Sua arrogância está lá, tão dúbia quanto a sua paixão pela sua arte – o que nos remete a uma sensação estranha. A situação na mesa de jantar, por exemplo, é um bom exemplo: o garoto é claramente a vítima de um preconceito velado com a música, mas que, em situação de defesa egocêntrica, não parece se importar com empatia/educação; assim sendo, transformando-se no agressor. Tanto no seu descaso com os adolescentes titulares de um time de futebol americano (“essas serão palavras que você nunca ouvirão na NFL” é hilário, mas cruel), como com sua relação intransigente com a personagem de Melissa Benoist.

E é importante o tato do roteiro com a situação, já que a maneira como o romance se desenvolve é bastante singular: se num momento Andrew parece finalmente estar conquistando algo, e fica confiante o bastante para convidá-la para sair; noutro, ele se comporta como seu próprio mestre, ao tratá-la com uma profunda indiferença.

São rostos de uma mesma moeda, e Milles Tiller é competente o suficiente para produzir um elo de ligação com a aspereza de J.K. Simmons, a qual é aliada ao tom milimetricamente sensível que é pontuado por este: por vezes, no tom de voz ao falar com carinho em alguém ou no tratamento dado aos amigos; noutras, em acordes tristes de um piano ou no olhar recompensador, ao encontrar o que buscava, no maravilhoso clímax. 

Fletcher carrega uma honestidade brutal. Enquanto Andrew é o suprassumo da exigência para Chazelle, que chega ao ponto de mostrar o personagem abandonando um acidente de carro para ir fazer seu trabalho. Idem, é um filme onde o tempo e a singularidade são sempre importantes, e os enquadramentos aproveitam para indicar esse fato a cada instante – note os relógios que sempre os cercam.

Na história de Chazelle, a busca pela afirmação é obtida no palco, fruto de uma razão de viver para aquelas pessoas. À distância de um olhar de aprovação está o limite tênue entre a entrega e a abnegação. Um solo é o bastante. E sangue e suor são consequências.


9 de fevereiro de 2015

Invencível

Unbroken. EUA/Japão, 2014. Direção: Angelina Jolie. Roteiro:  William Nicholson, Richard LaGravenese e Joel e Ethan Coen, baseado na obra de Laura Hillenbrand. Elenco: Jack O'Connell, Domhnall Gleeson, Garrett Hedlund, Jai Courtney, Miyavi. Duração: 137 min. 
 
Distanciando-se da veia politizada e sensível da diretora, Invencível é um exemplar corrido, automático e um esforço problemático de Angelina Jolie em emular um cinema clássico hollywoodiano que, à primeira vista, escapa da vocação demonstrada em seu primeiro filme. É preferindo soluções rasas e artificiais, como os terríveis flashbacks, que a cineasta frustra em denunciar uma história tocante, e cuja moral permanece uma incógnita.
Afinal, o individualismo transformado numa adulação cristã, dificilmente, passa percebida nos primeiros atos ou no próprio cerne de "heroísmo". Além do mais, a indicação de sofrimento constante joga em seu desfavor, apontando para um excesso de melodrama que interfere no tom verossímil da trama. Fica difícil, por exemplo, ter fé (com o perdão do trocadilho) que o sofrimento de todo um complexo tenha sido tão individual, e a necessidade que Jolie sente em transformar Zamperini em um pária piora mais as coisas - a cena dele pedindo para levar um soco de cada soldado é constrangedora, neste panorama.
Além disso, não dá para deixar de ressaltar o assustador plano, que eleva o "altruísmo" americano à última potência, na fotografia de Roger Deakins, ao conferir um tom autoritário e vilanesco à Watanabe e, em maior escala, ao Japão. E é quase ofensivo este plano, onde uma bandeira do país oriental tremula entre um rastro de destruição e uma espécie de cajado militar. A fotografia do americano, aliás, é um caso à parte. Sempre optando por tons mais quentes e um contraluz estável, Deakins consegue empregar um mínimo de dose dramática nas cenas de grandes esforços ou em tomadas que demonstram o nível crítico que Zamperini se encontra: e por mais que a cena dos socos seja terrível, é inegável a aflição que é visualizar a quantidade interminável de soldados se enfileirando; como também a maioria das cenas no bote salva-vidas é dona de uma solidez invejável. 
Com cacoetes de principiante, porém, Jolie ainda não exerce controle completo sobre suas intenções: assim, é notável a forma como muitas de suas cenas no primeiro ato se desenrolam - um plano horizontal para uma aproximação de perfil. Da mesma forma, a falta de confiança na história é visível ao preferir uma ótica mais conservadora para contar a história, abandonando quase que por completo sua personalidade: a montagem, nesta ótica, é frágil ao indicar quantos dias aquelas pessoas estão lá, quando o mais correto seria experimentarmos a sensação vivida por eles; igualmente, os flashbacks não têm fundamento algum, feitos apenas para mostrar que aquela pessoa já foi um maratonista.
É difícil deixar o mundo de Zamperini com uma sensação de empatia ou conhecimento, portanto. Quem foi o homem? Uma resposta que poderá ter múltiplas versões. E, talvez, nenhuma delas seja satisfatória. 
 

5 de fevereiro de 2015

A Mulher de Preto 2: Anjo da Morte


The Woman in Black 2: Angel of Death, Inglaterra/Canadá, 2014. Direção: Tom Harper. Roteiro: Jon Croker. Elenco: Phoebe Fox, Jeremy Irvine, Helen McCrory, Oaklee Pendergast. Duração: 98 min.
Na nova reestruturação da Hammer, é bastante visível o apego pelo tom mais "sugestional" do horror ao invés do clássico gore obscuro que a consagrou. A Mulher de Preto 2 é o exemplo mais claro para se usar a favor da sentença: enquanto as paisagens ao redor do grande casarão usado como esconderijo parecem sem imaginação, o tom natural que o longa-metragem ganha desde o princípio é muito mais um drama inquieto do que uma obra de gênero taxativa. O drama do menino Eddie e a professora Eve, de sorriso dissimulado, passa por muito mais do que sustos gratuitos a fim de surpreender o espectador; trata-se da natureza sintomática das ações que os próprios personagens tomam ao decorrer do filme.
Basta analisar, por exemplo, a finalidade de susto que há num clássico instante: o pneu fura na estrada e os personagens se deparam com algum lunático que divaga sobre o fim. A premeditação do susto é óbvia, mas, o encaixe, não: ali, quem teme pela vida e se assusta é a própria personagem. Servimos exatamente como espectadores. Esse talvez seja o aspecto mais intrigante de A Mulher de Preto 2: nos inserir como coadjuvantes. Mas, infelizmente, a noção curiosa de desenvolvimento se perde durante a história.
Não obtendo comando pelas situações vividas ao meio de uma grande guerra, por exemplo, a única dose mais intensa que o diretor procura estabelecer são os personagens em túneis se escondendo da guerra ou uma base militar fictícia, que é extremamente duvidosa. O design de produção, aliás, é tão pobre que é impossível decodificar cada zona: se o máximo que é conseguido é jogar os personagens numa mansão afastada, sem controle, é engraçado que o destaque fique com a fachada sem inspiração - uma árvore negra torta é uma indicação óbvia. Ainda mais quando o resto da paisagem, ao redor do casarão, inclusive não sofre do mesmo problema. Os corredores da casa, da mesma forma, não fazem sentido. E, muito menos, a locomoção constante do militar da base para a mansão é verossímil, já que o deslocamento parece praticamente nulo e a base fictícia é um número pequeno de sucatas de aviões.
Toda a estrutura acaba parecendo frágil, assim sendo. As atuações também sofrem na mesma medida, com a falta de empatia pela situação e pelos personagens. Por mais que o diretor consiga extrair sustos interessantes, como a passagem da personagem olhando debaixo da cama ou o uso eficiente de gritos (a terceira passagem de uma enfermeira pela protagonista é admirável), o sofrimento é pouco visualizado. Seus personagens parecem condicionados somente a passar por aquilo e continuar. Mas não de uma maneira que uma guerra poderia acarretar. Por pura displicência, simplesmente. Como indica a falta de apego do roteiro com cada morte.
De qualquer forma, A Mulher de Preto 2 tem a marca registrada da repaginação da nova Hammer, que ainda tenta encontrar seu espaço no mercado atual, mudando seu pensamento corporativista. Mas, quem sabe, o necessário não seja voltar à velha essência?!
 

2 de fevereiro de 2015

Cássia Eller


Idem, Brasil, 2014. Direção: Paulo Henrique Fontanelle. Duração: 120 min.
Caso pegarmos para comparação Loke, Dossiê Jango e Cássia Eller, eu acredito que não conseguiríamos definir quem é Paulo Henrique Fontanelle. Adaptando-se a cada resgate histórico que faz sobre seus protagonistas, o diretor transmite mudanças genuínas conforme a obra é tratada – no filme sobre o ex-presidente, por exemplo, as nossas dúvidas giravam sobre a morte de João Goulart, enquanto em Cássia Eller somos envolvidos por uma figura que simplesmente não conhecíamos. Não desta forma, ao menos.
Fazendo um apanhado sobre toda a vida de Eller, numa linearidade maravilhosa, o diretor nos transporta às fotos de Cássia e Eugênia, a fim de nos deixar mais íntimos de uma mulher que divergia da vida para o palco, onde era seu verdadeiro lar. Repetindo a sua já conhecida montagem dinâmica, imprimindo elegância de uma transição para outra – como nas das fotos, a do cd acústico e, a minha favorita, de um show para uma foto de Cássia cantando (um simbolismo belo), Fontanelle é calmo ao trazer a vida dessa personagem para as telas, o que faz com que pareça estarmos realmente vendo uma carreira sendo construída em tempo real.
Desta forma, a comovente entrevista com Nando Reis fica para o final, bem como a do filho da cantora, que influencia muitas escolhas. O cineasta não tem medo de colocar o passado experimental da cantora, idem, onde muitos falam sobre envolvimentos com drogas, relacionamentos abertos e uma futura depressão começando a se instalar. Pelo contrário, Fontanelle gosta de evidenciar essas inúmeras facetas de Cássia, que nos aproximam de sua principal: o amor pela música. Assim sendo, o vínculo se torna mais forte a medida que vamos reconhecendo mais a genuinidade da cantora, bem como seus momentos polêmicos. Além disso, o diretor ainda arranja tempo para desarticular manchetes sensacionalistas sobre a morte de Cássia Eller, em sequências politicamente engajadas que soam excelentes.
Eu me lembro que existia uma cena antológica em Dossiê Jango, logo no começo, que apontava para as águas pertencentes ao famoso Rio Uruguai sendo observadas pela figura de Jango tomando chimarrão à beira do rio, o seu único confidente. Em Cássia Eller, o microfone aponta certeiramente para a resposta: quem era aquela mulher!?