Idem, Alemanha, 2012. Direção: Margarethe von Trotta.
Roteiro: Pam Katz e Margarethe von Trotta. Elenco: Barbara Sukowa, Axel
Milberg, Janet McTeer, Julia Jentsch, Ulrich Noethen, Michael Degen, Nicholas
Woodeson, Victoria Trauttmansdorff, Klaus Pohl, Harvey Friedman, Megan Gay,
Claire Johnston, Gilbert Johnston, Tom Leick, Friederike Becht. Duração: 113
min.
Figura importantíssima
no século XX e tanto admirada quanto odiada, Hannah Arendt nunca foi tratada de
forma indiferente. Proveniente de origem judaica, a filósofa afirma em
determinado instante que nenhum povo tem o seu amor ou a sua afeição destinada
apenas aos amigos. E é perceptível como a personagem interpretada por Barbara
Sukowa mantém viva essa ótica impessoal com os temas do mundo durante toda a
narrativa, criando, assim, uma figura controversa que encontra coerência em
suas próprias contradições.
Escrito por Pam Katz e
Margarethe von Trotta, que também dirige o longa-metragem, a história acompanha
o período mais turbulento da vida de Hannah: o julgamento de um oficial nazista
responsável por crimes de guerra. Contrariando as expectativas de um público
sedento por justiça e a de seus amigos, porém, a filósofa questiona até onde
os crimes bárbaros que atribuem àquele homem são de fatos frutos de uma
monstruosidade humana.
Mexendo numa questão
filosófica pertinente e adequável com a nossa própria realidade, o roteiro,
apesar de didático em momentos (“Hannah é uma das principais filósofas do
século XX”, afirma sem necessidade um editor), encontra sustentabilidade nessa
questão que cercava a própria filósofa: como direcionamos a culpa de milhares
de pessoas de forma exclusiva a alguns? Conseguimos separar o contexto
histórico de nossa justiça formal? Separam-se monstros de pessoas
aterrorizantemente normais e boçais, que simplesmente não ligavam para as
consequências de suas ordens? Assim como o próprio espectador, a personagem é
perseguida por essas perguntas durante toda a narrativa e sofre com a falta de
respostas. Observe, por exemplo, a dor ao ouvir a carta de dezenas de pessoas a
acusando de antissemita e a sua reação: “Essas pessoas se sentiram ofendidas
com o meu artigo; responderei a todas elas”. Ou, principalmente, o seu discurso
final, onde explicita suas razões para as perguntas que ela se fez, mesmo que
tenha custado o que mais possuía valor para ela – as suas amizades.
Nesta perspectiva,
aliás, a montagem de Bettina Böhler tem seus problemas para encaixar de forma
orgânica as aparições de Heidegger, que parecem apenas apontar para um
relacionamento infrutífero e inconsequente de ambos, quando, na verdade,
gostaria de alcançar respostas para a futura defesa de Hannah ao filósofo
alemão. Além do mais, por mais que seja interessante analisarmos o verdadeiro
julgamento, a transição com que é feito o contraste entre o colorido do mundo
das pessoas presentes no momento com o preto e branco do mundo de Adolf
Eichmann acaba soando embaraçoso e anticlimático.
E se von Trotta
intercala o seu trabalho burocrático com escolhas inspiradas – particularmente,
o meu momento favorito é quando Hannah está de forma oposta e solitária aos
outros jornalistas em uma sala de imprensa, enquanto antes a câmera analisava o
coletivo –, o elenco consegue ser suficientemente natural. É notável que tanto
o relacionamento entre a personagem-título e Heinrich quanto o de Hans com sua
esposa sejam tratados com suas próprias particularidades e diferenças. O mesmo
pode ser dito de forma igual para as amizades de Hannah – momento em que McTeer
brilha ao defender a amiga. Mas, como não poderia deixar de ser, é Barbara
Sukowa quem merece os maiores aplausos ao compor uma personagem dúbia e que
irradia força ainda que consiga demonstrar a fragilidade que os anos acabaram
impondo sobre ela (a cena em que se apoia em uma mesa durante um inflamável
discurso é digníssima).
Deixando uma fresta da
porta aberta para um futuro que não sabe qual é, como todos nós, Hannah Arendt
não é uma obra de defesa às decisões que a filósofa fez, tampouco um filme que
a celebra. Pelo contrário, o longa-metragem de Margarethe von Trotta é muito
fiel ao discurso final de Hannah sobre o julgamento: temos que pensar por nós
mesmos.
Um comentário:
o filme é perfeito. Todos deveriam assisti-lo e pensar sobre o que lá é dito.Dá até para assistir duas vezes; eu, por exemplo, perdi o final da última frase do discurso na universidade onde ela lecionava.Se alguém souber, agradeceria que postasse aqui.
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