MUITO
BARULHO POR NADA
(Much
Ado About Nothing)
Joss
Whedon
Personagens
BEATRICE,
sobrinha do governador de Messina.
BENEDITO,
policial que tenta esconder seu amor pela sobrinha do governador.
LEONATO,
governador de Messina.
HERO,
filha do governador e pretendida por Claudio.
CLAUDIO,
noivo da bela filha de Leonato.
DOM
PEDRO, amigo do governador que retorna da guerra.
DOM
JOÃO, irmão de Pedro e, ciumento, o vilão da história que
pretende separar Hero e Claudio.
DOGBERRY,
encarregado da segurança da festa de casamento.
BORACHIO,
o jovem que espalha o rumor da “impureza” de Hero.
CONRADE,
a apaixonada por Borachio que ajuda a cometer o nefasto ato.
ANDREY
LEHNEMANN, Crítico da história.
Empregadas,
seguranças e participantes da grande festa.
ATO
I
Cena
I
Os
sons das teclas começam a ecoar pela morada do crítico. Pensa no
espetáculo que acabou de testemunhar. Seu texto projeta os
insistentes caracteres:
ANDREY
LEHNEMANN – Ó, obra que apresenta para esse tão casto coração o
amor em sua plenitude. Os seus preconceitos, suas incertezas e,
principalmente, suas tão imensas armadilhas. De onde vens, ó tão
estranho diretor que encontras dificuldades em emular o sentimento
cômico de tão formoso texto da literatura shakespeariana, mas que
tem tão gigante inclinação para projetar a natureza humana em tão
fiéis personagens. Quem és tu, compositor; o que tenta impedir que
tão belo espetáculo siga adiante, impondo acordes burlescos para
uma atmosfera dramática – deixa falar seu coração, não sua
cabeça. Continuo por mais essa linha, pois, consola-me saber que não
passo vergonha sozinho ao imprimir abordagem tão classicista em uma
era que chega a não possuir conhecimento de tal palavra.
***
ATO
II
Muito
mais que a atual literatura – que transformou a linguagem rebuscada
em mais simplificada para o grande público, com fácil acesso –,
quando o cinema se propõe a modernizar alguma obra classicista
(Tolstoi, Shakespeare ou Homero) existe sempre uma dúvida sobre a
adequação àquele mundo. E é por uma resolução bem entendível:
a nossa própria realidade é indiscutivelmente mais avançada em
tecnologia, pensamentos e até mesmo títulos que as obras antigas
que serviram de inspiração – mesmo que mostremos isso com tão
pouca frequência. Assim, como o caso de Coriolano,
Muito
Barulho por Nada
tem como principal desafio unir as poesias e monólogos
shakespearianos com o fato da narrativa estar focada no século XXI.
Como arquitetar um roteiro em que a virgindade, a nobreza e os
devaneios da elite sejam compreendidos em nossa realidade?
A
resposta é dada aos poucos pelo diretor. Ensaiando uma fama
superficial para aquele seleto grupo de pessoas que estamos sendo
inseridos, observamos paparazzis contratados para escancarar
prestígios, tratamentos diferenciados (nobre, excelentíssimo, vossa
graça), um mundo de shows e bebidas. Da mesma forma, Whedon é
admirável na profundidade que consegue alinhar ao texto: um grande
exemplo é como trata a virilidade, quando Benedito começa a fazer
vergonhosas flexões aos pés de Beatrice, ou a sua conclusão sobre
a inconstância do homem, os preconceitos da elite e o amor
inconfessável de dois opostos. Além disso, o roteiro deixa tempo
para os monólogos da obra, como aquelas interessantíssimas
avaliações sobre paixões e casamentos que Benedito faz enquanto
corre de um lado para outro em uma escadaria – como se estivesse
correndo de si mesmo, mas sem ter para onde ir.
Isso
também fica claro na inspirada abordagem teatral. Neste caso,
analise como Benedito parece conversar com o público quando confessa
o seu amor por Beatrice e como a câmera se afasta precisamente para
fornecer a sensação de estarmos numa plateia. Ao mesmo tempo,
Whedon trabalha os simbolismos com eficiência. Note, por exemplo,
Beatrice “caindo de amor” quando ouve os diálogos sobre uma
suposta paixão por ela. E mesmo que seu trabalho transite pelo
burocrático, com cortes rápidos durante os diálogos para acelerar
uma trama que não permite isso ou que recorra em demasia ao jogo de
foco num aparente desconforto, cultiva momentos fascinantes: como
aquele em que o reflexo da água nos impede de visualizarmos a
silhueta completa de Claudio, as passagens de um ambiente para o
outro e aquele instante em que só se permite mostrar duas pessoas
pelo reflexo do espelho, buscando salientar a vergonha que estão
sentindo.
Como
não poderia deixar de ser, os diálogos, basicamente transpostos da
obra para a tela, também merecem destaque pelo brilhantismo com que
surgem para apontar o amor de Beatrice e Benedito: “Eu
te amo com tanta abundância que não sobra lugar no meu coração
para protestos!”,
“Dê
as espadas, pois já temos os escudos naturalmente”,
“o
tempo andará de muletas até lá!”,
“por
qual das minhas más qualidades se apaixonaste primeiro?”
e “Quero
morrer em seus braços, ser enterrado em seus lábios e sepultado em
seus olhos”
são belos exemplos.
ATO
III
Por mais que a trilha sonora composta pelo próprio Whedon tente
sufocar o drama que a história passa, com acordes espalhafatosos e
com momentos de incursões quase praianas, a direção de atores
acaba sendo sua principal arma. Portanto, muito diferente de
Coriolano,
onde Fiennes provavelmente tenha ameaçado vários do elenco para
proferir suas frases, os atores procuram um tom muito mais natural e
eficiente – atingindo o ápice em Clark Gregg (talentosíssimo!)
imitando o rugir de um leão.
Ainda
assim, mesmo que essa harmonia tenha sido bem trabalhada no caso de
Muito
Barulho por Nada,
o filme volta a levantar a questão inicial: funciona?! Outra; embora
funcione, quando deve ser usada? Pois, mesmo com tantas questões
profundas na narrativa, fica difícil imaginar uma moça determinada
sendo vítima de blasfêmia por algo tão resolvido quanto à
intimidade sexual em pleno século XXI. Poderia ser um tabu na época
de Shakespeare, mas definitivamente não o é em nossa atual
realidade. Nem deveria.
Much
Ado About Nothing,
EUA, 2012. Direção:
Joss Whedon. Roteiro: Joss Whedon, baseado em uma peça de
Shakespeare. Elenco:
Amy Acker, Alexis Denisof, Clark Gregg, Fran Kranz, Jillian Morgese,
Reed Diamond, Nathan Fillion, Sean Maher, Spencer Treat Clark, Riki
Lindhome, Ashley Johnson, Emma Bates, Tom Lenk. Duração:
109 min.
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