26 de agosto de 2013

Muito Barulho por Nada

MUITO BARULHO POR NADA
(Much Ado About Nothing)

Joss Whedon

Personagens
BEATRICE, sobrinha do governador de Messina.
BENEDITO, policial que tenta esconder seu amor pela sobrinha do governador.
LEONATO, governador de Messina.
HERO, filha do governador e pretendida por Claudio.
CLAUDIO, noivo da bela filha de Leonato.
DOM PEDRO, amigo do governador que retorna da guerra.
DOM JOÃO, irmão de Pedro e, ciumento, o vilão da história que pretende separar Hero e Claudio.
DOGBERRY, encarregado da segurança da festa de casamento.
BORACHIO, o jovem que espalha o rumor da “impureza” de Hero.
CONRADE, a apaixonada por Borachio que ajuda a cometer o nefasto ato.
ANDREY LEHNEMANN, Crítico da história.
Empregadas, seguranças e participantes da grande festa.

ATO I
Cena I
Os sons das teclas começam a ecoar pela morada do crítico. Pensa no espetáculo que acabou de testemunhar. Seu texto projeta os insistentes caracteres:

ANDREY LEHNEMANN – Ó, obra que apresenta para esse tão casto coração o amor em sua plenitude. Os seus preconceitos, suas incertezas e, principalmente, suas tão imensas armadilhas. De onde vens, ó tão estranho diretor que encontras dificuldades em emular o sentimento cômico de tão formoso texto da literatura shakespeariana, mas que tem tão gigante inclinação para projetar a natureza humana em tão fiéis personagens. Quem és tu, compositor; o que tenta impedir que tão belo espetáculo siga adiante, impondo acordes burlescos para uma atmosfera dramática – deixa falar seu coração, não sua cabeça. Continuo por mais essa linha, pois, consola-me saber que não passo vergonha sozinho ao imprimir abordagem tão classicista em uma era que chega a não possuir conhecimento de tal palavra.

***

ATO II

Muito mais que a atual literatura – que transformou a linguagem rebuscada em mais simplificada para o grande público, com fácil acesso –, quando o cinema se propõe a modernizar alguma obra classicista (Tolstoi, Shakespeare ou Homero) existe sempre uma dúvida sobre a adequação àquele mundo. E é por uma resolução bem entendível: a nossa própria realidade é indiscutivelmente mais avançada em tecnologia, pensamentos e até mesmo títulos que as obras antigas que serviram de inspiração – mesmo que mostremos isso com tão pouca frequência. Assim, como o caso de Coriolano, Muito Barulho por Nada tem como principal desafio unir as poesias e monólogos shakespearianos com o fato da narrativa estar focada no século XXI. Como arquitetar um roteiro em que a virgindade, a nobreza e os devaneios da elite sejam compreendidos em nossa realidade?

A resposta é dada aos poucos pelo diretor. Ensaiando uma fama superficial para aquele seleto grupo de pessoas que estamos sendo inseridos, observamos paparazzis contratados para escancarar prestígios, tratamentos diferenciados (nobre, excelentíssimo, vossa graça), um mundo de shows e bebidas. Da mesma forma, Whedon é admirável na profundidade que consegue alinhar ao texto: um grande exemplo é como trata a virilidade, quando Benedito começa a fazer vergonhosas flexões aos pés de Beatrice, ou a sua conclusão sobre a inconstância do homem, os preconceitos da elite e o amor inconfessável de dois opostos. Além disso, o roteiro deixa tempo para os monólogos da obra, como aquelas interessantíssimas avaliações sobre paixões e casamentos que Benedito faz enquanto corre de um lado para outro em uma escadaria – como se estivesse correndo de si mesmo, mas sem ter para onde ir.

Isso também fica claro na inspirada abordagem teatral. Neste caso, analise como Benedito parece conversar com o público quando confessa o seu amor por Beatrice e como a câmera se afasta precisamente para fornecer a sensação de estarmos numa plateia. Ao mesmo tempo, Whedon trabalha os simbolismos com eficiência. Note, por exemplo, Beatrice “caindo de amor” quando ouve os diálogos sobre uma suposta paixão por ela. E mesmo que seu trabalho transite pelo burocrático, com cortes rápidos durante os diálogos para acelerar uma trama que não permite isso ou que recorra em demasia ao jogo de foco num aparente desconforto, cultiva momentos fascinantes: como aquele em que o reflexo da água nos impede de visualizarmos a silhueta completa de Claudio, as passagens de um ambiente para o outro e aquele instante em que só se permite mostrar duas pessoas pelo reflexo do espelho, buscando salientar a vergonha que estão sentindo.

Como não poderia deixar de ser, os diálogos, basicamente transpostos da obra para a tela, também merecem destaque pelo brilhantismo com que surgem para apontar o amor de Beatrice e Benedito: “Eu te amo com tanta abundância que não sobra lugar no meu coração para protestos!”, “Dê as espadas, pois já temos os escudos naturalmente”, “o tempo andará de muletas até lá!”, “por qual das minhas más qualidades se apaixonaste primeiro?” e “Quero morrer em seus braços, ser enterrado em seus lábios e sepultado em seus olhos” são belos exemplos.

ATO III

Por mais que a trilha sonora composta pelo próprio Whedon tente sufocar o drama que a história passa, com acordes espalhafatosos e com momentos de incursões quase praianas, a direção de atores acaba sendo sua principal arma. Portanto, muito diferente de Coriolano, onde Fiennes provavelmente tenha ameaçado vários do elenco para proferir suas frases, os atores procuram um tom muito mais natural e eficiente – atingindo o ápice em Clark Gregg (talentosíssimo!) imitando o rugir de um leão.

Ainda assim, mesmo que essa harmonia tenha sido bem trabalhada no caso de Muito Barulho por Nada, o filme volta a levantar a questão inicial: funciona?! Outra; embora funcione, quando deve ser usada? Pois, mesmo com tantas questões profundas na narrativa, fica difícil imaginar uma moça determinada sendo vítima de blasfêmia por algo tão resolvido quanto à intimidade sexual em pleno século XXI. Poderia ser um tabu na época de Shakespeare, mas definitivamente não o é em nossa atual realidade. Nem deveria.


Much Ado About Nothing, EUA, 2012. Direção: Joss Whedon. Roteiro: Joss Whedon, baseado em uma peça de Shakespeare. Elenco: Amy Acker, Alexis Denisof, Clark Gregg, Fran Kranz, Jillian Morgese, Reed Diamond, Nathan Fillion, Sean Maher, Spencer Treat Clark, Riki Lindhome, Ashley Johnson, Emma Bates, Tom Lenk. Duração: 109 min.


                            

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