8 de agosto de 2013

Hannah Arendt

Idem, Alemanha, 2012. Direção: Margarethe von Trotta. Roteiro: Pam Katz e Margarethe von Trotta. Elenco: Barbara Sukowa, Axel Milberg, Janet McTeer, Julia Jentsch, Ulrich Noethen, Michael Degen, Nicholas Woodeson, Victoria Trauttmansdorff, Klaus Pohl, Harvey Friedman, Megan Gay, Claire Johnston, Gilbert Johnston, Tom Leick, Friederike Becht. Duração: 113 min.

Figura importantíssima no século XX e tanto admirada quanto odiada, Hannah Arendt nunca foi tratada de forma indiferente. Proveniente de origem judaica, a filósofa afirma em determinado instante que nenhum povo tem o seu amor ou a sua afeição destinada apenas aos amigos. E é perceptível como a personagem interpretada por Barbara Sukowa mantém viva essa ótica impessoal com os temas do mundo durante toda a narrativa, criando, assim, uma figura controversa que encontra coerência em suas próprias contradições.

Escrito por Pam Katz e Margarethe von Trotta, que também dirige o longa-metragem, a história acompanha o período mais turbulento da vida de Hannah: o julgamento de um oficial nazista responsável por crimes de guerra. Contrariando as expectativas de um público sedento por justiça e a de seus amigos, porém, a filósofa questiona até onde os crimes bárbaros que atribuem àquele homem são de fatos frutos de uma monstruosidade humana.

Mexendo numa questão filosófica pertinente e adequável com a nossa própria realidade, o roteiro, apesar de didático em momentos (“Hannah é uma das principais filósofas do século XX”, afirma sem necessidade um editor), encontra sustentabilidade nessa questão que cercava a própria filósofa: como direcionamos a culpa de milhares de pessoas de forma exclusiva a alguns? Conseguimos separar o contexto histórico de nossa justiça formal? Separam-se monstros de pessoas aterrorizantemente normais e boçais, que simplesmente não ligavam para as consequências de suas ordens? Assim como o próprio espectador, a personagem é perseguida por essas perguntas durante toda a narrativa e sofre com a falta de respostas. Observe, por exemplo, a dor ao ouvir a carta de dezenas de pessoas a acusando de antissemita e a sua reação: “Essas pessoas se sentiram ofendidas com o meu artigo; responderei a todas elas”. Ou, principalmente, o seu discurso final, onde explicita suas razões para as perguntas que ela se fez, mesmo que tenha custado o que mais possuía valor para ela – as suas amizades.

Nesta perspectiva, aliás, a montagem de Bettina Böhler tem seus problemas para encaixar de forma orgânica as aparições de Heidegger, que parecem apenas apontar para um relacionamento infrutífero e inconsequente de ambos, quando, na verdade, gostaria de alcançar respostas para a futura defesa de Hannah ao filósofo alemão. Além do mais, por mais que seja interessante analisarmos o verdadeiro julgamento, a transição com que é feito o contraste entre o colorido do mundo das pessoas presentes no momento com o preto e branco do mundo de Adolf Eichmann acaba soando embaraçoso e anticlimático.

E se von Trotta intercala o seu trabalho burocrático com escolhas inspiradas – particularmente, o meu momento favorito é quando Hannah está de forma oposta e solitária aos outros jornalistas em uma sala de imprensa, enquanto antes a câmera analisava o coletivo –, o elenco consegue ser suficientemente natural. É notável que tanto o relacionamento entre a personagem-título e Heinrich quanto o de Hans com sua esposa sejam tratados com suas próprias particularidades e diferenças. O mesmo pode ser dito de forma igual para as amizades de Hannah – momento em que McTeer brilha ao defender a amiga. Mas, como não poderia deixar de ser, é Barbara Sukowa quem merece os maiores aplausos ao compor uma personagem dúbia e que irradia força ainda que consiga demonstrar a fragilidade que os anos acabaram impondo sobre ela (a cena em que se apoia em uma mesa durante um inflamável discurso é digníssima).

Deixando uma fresta da porta aberta para um futuro que não sabe qual é, como todos nós, Hannah Arendt não é uma obra de defesa às decisões que a filósofa fez, tampouco um filme que a celebra. Pelo contrário, o longa-metragem de Margarethe von Trotta é muito fiel ao discurso final de Hannah sobre o julgamento: temos que pensar por nós mesmos.


                                     

Um comentário:

Marta Maria Soares de Camargo disse...

o filme é perfeito. Todos deveriam assisti-lo e pensar sobre o que lá é dito.Dá até para assistir duas vezes; eu, por exemplo, perdi o final da última frase do discurso na universidade onde ela lecionava.Se alguém souber, agradeceria que postasse aqui.