Idem,
Brasil, 2012. Direção: Paulo Henrique Fontenelle. Com: Flávio
Tavares, Cacá Diegues, Zelito Viana, Luiz Carlos Barreto, Carlos
Lyra, Jair Krischke, General Carlos Guedes, João Vicente Goulart,
Ferreira Gullar, Almino Afonso, Carlos Bastos, Waldir Pires, Manoel
Leães, Claudio Braga, Carlos Lacerda, Hélio Fernandes, Denize
Goulart, Rafael Michelini, Geneton Moraes Neto, Maria Thereza
Goulart, Miro Teixeira, Júlio Vieira, Leonel Brizola, Carlos Heitor
Cony, Roger Rodrigues, Miguel Arraes, Moniz Bandeira, Enrique Foch
Diaz, Mario Neira Barreiro, Maria do Rosário e Pablo Andrés Vassel.
Duração: 103 min.
Existe
um velho ditado que diz “estamos navegando em águas turbulentas”.
Em Dossiê Jango, as águas pertencem ao famoso Rio Uruguai,
que se situa na fronteira entre Brasil e Argentina. Os nossos olhos
não são os únicos a observar a corrente, não; os outros pertencem
ao presidente deposto João Goulart, que aproveita – a medida do
possível, logicamente – momentos de calmaria no município de São
Borja, onde nasceu. Ele acaba de ser derrubado da presidência por um
complô envolvendo o próprio congresso nacional e os militares. Bebe
seu chimarrão à beira do rio, o único que pode confiar no momento.
Na tela? Um quadro branco com vários nomes de figuras implicadas
numa possível conspiração.
Assim
inicia o documentário dirigido pelo talentoso Paulo Henrique
Fontenelle, que pretende entrar de cabeça nas dúvidas provocadas
pela morte de João Goulart e as pessoas que de alguma maneira
poderiam desvendar essas questões. Obtendo como ponto de partida uma
época em que o intervencionismo americano era quase irrestrito e as
mortes eram constantemente abafadas, o diretor explora os depoimentos
de historiadores, jornalistas, políticos, familiares para explicar o
otimismo brasileiro sendo preterido por um pesadelo militar de
extrema-direita e as sequelas que o período deixou na política
nacional.
Não
deixando a vida política de Jango como o único e principal fio
condutor da narrativa, Fontenelle passa a trazer o clima ditatorial
que toda a América Latina passa na época, mostrando as articulações
americanas no Chile, Cuba e Uruguai. Com um ritmo fluido, evidencia
suas belas fotos históricas por meio de uma fantástica montagem que
imprime elegância entre uma fotografia e outra – seja na passagem
pelo “quadro de investigação” (e há de se destacar o momento
em que “passeamos” pelo Projeto Andrea até chegarmos na
declaração de João Vicente) ou na forma com que brinca com sua
estrutura: meu momento favorito é a saída da sala de
arquivos. Além disso, a trilha sonora onipresente de Marcos
Nimrichter denota certeiramente, através do som de seu piano, a
atmosfera sufocante e comunicativa do filme.
Mas
o documentário é muito mais do que uma simples façanha técnica.
Dando espaço para depoimentos fortíssimos de figuras que viveram a
história de perto, o diretor captura a desestabilidade política e
emocional da época nas expressões e falas de seus entrevistados.
Note, por exemplo, a tensão que as imagens de arquivo com Kennedy e
Lyndon Gordon evocam ou os confrontos de uma declaração com outra –
destacando João Vicente e Moniz Bandeira. Da mesma forma, as dúvidas
vão sendo colocadas de forma brilhante: começando com uma sentença
forte do General Guedes (“Se não amarmos a deus, temos que
temê-lo!”), o longa-metragem estabelece aos poucos a conspiração,
a operação condor, as três principais mortes num espaço de nove
meses que incentivam a discussão, as 15 pessoas ligadas ao caso que
foram mortas, o sumiço de documentos, o livro de Diaz e a descoberta
do agente uruguaio. Fontenelle, neste percurso, obviamente consegue
apagar algumas arestas, mas também levanta outras perguntas
pertinentes e importantíssimas historicamente: “quando todos os
responsáveis estiverem mortos, o que adiantará?”.
Incisivo
e coerente em sua estrutura, Dossiê
Jango
é um filme assustador que dialoga com o espectador o quanto ainda
temos para descobrir de um dos períodos mais fúnebres da história
recente do país e de toda a América Latina. Diferente do que aponta
um dos entrevistados, nós não podemos apenas esperar o tempo
completar a história.
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