24 de agosto de 2013

Dossiê Jango

Idem, Brasil, 2012. Direção: Paulo Henrique Fontenelle. Com: Flávio Tavares, Cacá Diegues, Zelito Viana, Luiz Carlos Barreto, Carlos Lyra, Jair Krischke, General Carlos Guedes, João Vicente Goulart, Ferreira Gullar, Almino Afonso, Carlos Bastos, Waldir Pires, Manoel Leães, Claudio Braga, Carlos Lacerda, Hélio Fernandes, Denize Goulart, Rafael Michelini, Geneton Moraes Neto, Maria Thereza Goulart, Miro Teixeira, Júlio Vieira, Leonel Brizola, Carlos Heitor Cony, Roger Rodrigues, Miguel Arraes, Moniz Bandeira, Enrique Foch Diaz, Mario Neira Barreiro, Maria do Rosário e Pablo Andrés Vassel. Duração: 103 min.

Existe um velho ditado que diz “estamos navegando em águas turbulentas”. Em Dossiê Jango, as águas pertencem ao famoso Rio Uruguai, que se situa na fronteira entre Brasil e Argentina. Os nossos olhos não são os únicos a observar a corrente, não; os outros pertencem ao presidente deposto João Goulart, que aproveita – a medida do possível, logicamente – momentos de calmaria no município de São Borja, onde nasceu. Ele acaba de ser derrubado da presidência por um complô envolvendo o próprio congresso nacional e os militares. Bebe seu chimarrão à beira do rio, o único que pode confiar no momento. Na tela? Um quadro branco com vários nomes de figuras implicadas numa possível conspiração.

Assim inicia o documentário dirigido pelo talentoso Paulo Henrique Fontenelle, que pretende entrar de cabeça nas dúvidas provocadas pela morte de João Goulart e as pessoas que de alguma maneira poderiam desvendar essas questões. Obtendo como ponto de partida uma época em que o intervencionismo americano era quase irrestrito e as mortes eram constantemente abafadas, o diretor explora os depoimentos de historiadores, jornalistas, políticos, familiares para explicar o otimismo brasileiro sendo preterido por um pesadelo militar de extrema-direita e as sequelas que o período deixou na política nacional.

Não deixando a vida política de Jango como o único e principal fio condutor da narrativa, Fontenelle passa a trazer o clima ditatorial que toda a América Latina passa na época, mostrando as articulações americanas no Chile, Cuba e Uruguai. Com um ritmo fluido, evidencia suas belas fotos históricas por meio de uma fantástica montagem que imprime elegância entre uma fotografia e outra – seja na passagem pelo “quadro de investigação” (e há de se destacar o momento em que “passeamos” pelo Projeto Andrea até chegarmos na declaração de João Vicente) ou na forma com que brinca com sua estrutura: meu momento favorito é a saída da sala de arquivos. Além disso, a trilha sonora onipresente de Marcos Nimrichter denota certeiramente, através do som de seu piano, a atmosfera sufocante e comunicativa do filme.

Mas o documentário é muito mais do que uma simples façanha técnica. Dando espaço para depoimentos fortíssimos de figuras que viveram a história de perto, o diretor captura a desestabilidade política e emocional da época nas expressões e falas de seus entrevistados. Note, por exemplo, a tensão que as imagens de arquivo com Kennedy e Lyndon Gordon evocam ou os confrontos de uma declaração com outra – destacando João Vicente e Moniz Bandeira. Da mesma forma, as dúvidas vão sendo colocadas de forma brilhante: começando com uma sentença forte do General Guedes (“Se não amarmos a deus, temos que temê-lo!”), o longa-metragem estabelece aos poucos a conspiração, a operação condor, as três principais mortes num espaço de nove meses que incentivam a discussão, as 15 pessoas ligadas ao caso que foram mortas, o sumiço de documentos, o livro de Diaz e a descoberta do agente uruguaio. Fontenelle, neste percurso, obviamente consegue apagar algumas arestas, mas também levanta outras perguntas pertinentes e importantíssimas historicamente: “quando todos os responsáveis estiverem mortos, o que adiantará?”.


Incisivo e coerente em sua estrutura, Dossiê Jango é um filme assustador que dialoga com o espectador o quanto ainda temos para descobrir de um dos períodos mais fúnebres da história recente do país e de toda a América Latina. Diferente do que aponta um dos entrevistados, nós não podemos apenas esperar o tempo completar a história.


                              

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