26 de junho de 2014

Homem Duplicado, O

Enemy, Canadá/Espanha, 2013. Direção: Dennis Villeneuve. Roteiro: Javier Gullón, baseado no romance de Saramago. Elenco: Jake Gyllenhaal, Mélanie Laurent, Sarah Gadon, Isabella Rossellini. Duração: 90 min.

Controle. Tudo é sobre controle”, essa é a primeira fala do professor de história interpretado por Jake Gyllenhaal no filme O Homem Duplicado. Num mundo sem cor, sem vida e onde a repetição de nossos erros é algo sucessivo, Adam não tem controle sobre sua vida – é apenas outra pessoa num mundo quase apocalíptico. Está preso à sua rotina, à sua mãe, à sua esposa, ao seu trabalho, e garante suas fugas noturnas para se sentir vivo em um ambiente que exerce exatamente o que procura: controle. Contudo, é uma pena que a lógica com que o diretor Dennis Villeneuve procura expor essas facetas seja tão comum e repetitiva no gênero: uma fotografia dessaturada, personagens relativamente ambíguos e o julgamento da sociedade capitalista implícito.

Não que seja algo condenável, já que Villeneuve ganha os melhores momentos de sua narrativa por aproveitar justamente a ambiguidade do protagonista e criar nuances interessantes, mas acaba sendo bastante pobre a dinâmica usada pelo cineasta para compartilhar as frustrações da vida de Adam. Assim, com a câmera do canadense passeando ao seu redor, a vida do personagem de Gyllenhaal constitui-se no que mais ele despreza como professor: algo padronizado. As sequências passadas nos primeiros atos, sob esta ótica, acabam soando frustrantes por criarem uma fórmula para desenvolver o papel de Adam no filme: cortes secos e cenas que correspondem a alguma ação mundana – dormir, assistir a um filme indicado pelo colega, sexo, trabalho. Deste modo, ao invés de propor uma lógica competente, a montagem apenas prejudica uma narrativa que tenta impor o seu melhor artifício: o psique humano.

E é nos corredores estreitos, túneis, salas de aula (note que nunca temos a real dimensão de seu tamanho, como se ela também fosse algo a ser evitado) e ambientes que comprimem Adam que o longa-metragem torna-se forte. Ao explorar que o mundo do personagem é uma sombra da ganância e desilusão de uma sociedade autodestrutiva, Villeneuve tenta indicar a imponência dos grandes arranha-céus a todo o momento, inclusive, desafiando a atual lógica monetária superficialmente, e denunciando ricaços fumando seus cigarros e desfrutando de mulheres por prazer, após um dia estressante, num ambiente nada confiável. Ao mesmo tempo, se o diretor volta a falar sobre controle quando está nas mãos de Adam o destino de um homem em visitar ou não o lugar que vemos no começo do filme, a sequência (nada intrigante; como é possível?!) em que uma mulher solta uma aranha apenas para prendê-la novamente sublinha mais uma vez o deleite dos poderosos que acompanham aqueles segundos: uma pressuposição de liberdade que não existe.

Igualmente, após o primeiro monólogo de Adam na universidade, é visível o interesse em dualizar a tragédia versus a farsa (numa referência a Marx – quem mais?!) na própria personalidade do protagonista. E, embora nunca surja uma grande tensão em nenhum dos encontros, parecendo-se mais como uma curiosidade, a perseguição literal a si mesmo é um símbolo extremamente envolvente, quando começamos a ver aonde nos leva a narrativa – e o encontro com a mãe, neste aspecto, é o mais esclarecedor. Por outro lado, preocupando-se em abraçar temas mais complexos, Villeneuve esquece de coisas mais simples, como, por exemplo, explicar o luxo que um simples ator figurante e professor possui. Não esquecendo da previsível e precária cena de um acidente, que só fisga pelo paralelo criado com uma notícia no rádio.

Ainda assim, com acertos empolgantes na exposição dos nossos insistentes erros (o clímax é ótimo, nesta perspectiva), o maior problema de O Homem Duplicado é cair na armadilha que ele próprio se esforça para delatar: o confortável padrão. Uma fina ironia.

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