X-Men: Days of Future Past, EUA/Inglaterra, 2014. Direção: Bryan Singer. Roteiro: Simon Kinberg, baseado numa história idealizada pelo próprio, Jane Goldman e Matthew Vaughn. Elenco: Michael Fassbender, James McAvoy, Hugh Jackman, Jennifer Lawrence, Patrick Stewart, Ian McKellen, Halle Berry, Nicholas Hoult, Anna Paquin, Ellen Page, Shawn Ashmore, Omar Sy, Evan Peters, Peter Dinklage. Duração: 131 min.
Caso diagnosticarmos que o cinema é um reflexo de contextos, não é difícil compreender a constante abordagem que a intolerância, o papel influenciador da mídia e os drones estão possuindo no cinema. Muito mais que movidos pelas revitalizações de franquias (caso de Robocop, Godzilla, etc), os cineastas estão sempre procurando oferecer uma mensagem forte acerca de um dos tópicos atuais, mesmo que estejamos falando do passado ou do futuro. E isso não difere da perspectiva com que o inconstante Bryan Singer encara X-men: Dias de um Futuro Esquecido: a sua renúncia ao aspecto dramático amoroso do desastroso Superman – O Retorno e a sua abordagem focada no mundo de sofrimento e perda.
Desta forma, o novo filme da franquia começa de forma brilhante, priorizando a coesão entre seus dois primeiros filmes: os mutantes e humanos andando como se estivessem em um campo de concentração, movendo-se para a morte ou trabalho escravo, dialoga lindamente com a primeira aparição de Magneto no filme original. Do mesmo modo, Singer escancara os rumos que a primeira conversa entre Charles e Erik numa convenção tomaram, quando discutiam sobre evolução, humanos e mutantes, enquadrando Magneto no futuro – como se ele estivesse certo desde o começo. O símbolo dos X-men agora é somente uma chama no meio dos destroços. Aliás, como não poderia deixar de ser, mesmo que o futuro esteja exposto, ele é imprevisível (o destino dos personagens, idem), o que colabora eficientemente com as sequências de ação: os Sentinelas, por exemplo, são assustadores, os mutantes são massacrados, a luta é desproporcional, ninguém está salvo. Aqui, além do mais, o paralelo com a realidade, no sentido das máquinas lembrarem muito drones prestes a atacar, que estão reconhecendo terreno, nos fisga imediatamente. Assim como a política do medo utilizada pelo personagem de Peter Dinklage ou, claro, a conhecida mensagem antipreconceituosa: a cena em que Fera é visto pelos humanos pela primeira vez é comovente.
Ao mesmo tempo, Singer resgata a essência dramática de seus primeiros filmes, ditando um ritmo interessante, assim como aproveita o humor negro – a utilização de Wolverine como o fio condutor entre realidade e passado, sob esta ótica, é uma decisão confortável e certeira. Como se não fosse o bastante, o cineasta é competente ao aprofundar o duelo entre bem e mal, nunca soando piegas.
Ressaltando a força dos personagens em cena, Singer também explora seus planos de acordo com seus respectivos caracteres: neste ponto, a ingenuidade e a despreocupação de Quicksilver combina com o slow motion da cena, assim como a afinidade entre protagonistas/combate. Avalie, por exemplo, como Charles defende Erik, por ainda se preocupar com o amigo, Wolverine apenas mostras as garras sem levar em conta ninguém e Quick, que devemos conhecer, numa forma quase juvenil, brinca com bonés, cuecas, com a velocidade do tempo, enquanto ouve a canção Time In A Bottle.
Todavia, a dinâmica entre futuro e passado é muito menor que a grandiosa dinâmica entre Charles e Erik. Eles são a base do filme. De tal modo, se Raven é utilizada como a chave do relacionamento entre os dois, Dias de um Futuro Esquecido desenvolve a separação. Portanto, Erik finalmente passa a ser reconhecido por Magneto: ao passo que os outros defendem o mundo em que vivem, aquele tenta mudá-lo. Constrói sua fortaleza, usa seu velho chapéu, aproveita a arma do inimigo contra eles e monopoliza a atenção para seu monólogo (marcante) no clímax. Fassbender, neste panorama, é indiscutivelmente a melhor coisa da franquia, ampliando a arrogância de Magneto gradativamente, antecipando a lógica humana e garantindo a evolução de sua “espécie”. Duas cenas são decisivas para compreendê-lo, ainda: a primeira delas, onde enfrenta um amargurado Charles no avião (analise o autocontrole dele diante da instabilidade do outro e como ele começa a engrandecer a sua própria amargura: “Você nos abandonou”); a outra, a condução do terceiro ato, orientando outros mutantes sobre não temer ser diferente, aceitar-se, não se esconder, ainda que ajuíze que sua jornada sempre será solitária. (Não deixando de destacar a sua constante imponência, o andar calculado, embora pareça despreocupado, e a maneira que sempre mede as situações.)
Isso não seria o bastante, contudo, se o Charles de McAvoy não fosse igualmente fascinante. O jovem rebelde, bêbado, excêntrico, amargo, rancoroso que cria é sempre natural, bem como o carinho que possui pelos amigos – a forma como afirma para Raven que ele e Erik vieram a resgatar, juntos, é impecável. Ou como se dirige ao seu eu do futuro ao dizer que ele não quer aquele destino; deixando a sabedoria e carinho com que Patrick Stewart se dirige aos demais ainda mais fortes, pois vemos um homem que já experimentou ambos os caminhos: o de tormento e o de amor. Não se esquecendo do vilão dúbio de Dinklage, que nunca parece demonstrar suas reais intenções (“Eles nos levarão a uma genuína paz, sem extinção, admiro-lhes”).
Por outro lado, se os teletransportes dão uma mecânica tão interessante quanto a de Noturno na Casa Branca e torna a ação empolgante e inesperada, a montagem é bastante óbvia: uma cena dramática, um confronto e uma sequência de ação – esta é basicamente a estrutura. Da mesma forma, Singer tenta reaproveitar tudo o que havia dado certo em outros filmes, sem pensar que isso acabaria tornando a tensão previsível: Mística acessando os arquivos, por exemplo, não possui nenhum momento de suspense; além de Charles e a decisão de usar ou não a seringa.
Mesmo que o destino final seja esperado, as artimanhas que Singer usa para chegar até aquele ponto são notáveis. X-men: Dias de um Futuro Esquecido consegue ser um apanhado elegante entre futuro e passado da própria franquia, fazendo com que múltiplas oportunidades promissoras surjam num futuro incerto.
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