Há um pouco da temática exposta por Robert Altman em De Corpo e Alma no filme catarinense Ensaio: a entrega absoluta de uma dançarina que só vê os seus próprios problemas como obstáculos perante a sua grande estreia. A diretora Tânia Lamarca procura não só apresentar a sensualidade e a imposição presentes num espetáculo desse nível, mas reforçar o tom documental através de breves declarações que separam as sequências de danças e a vida pessoal dos bailarinos. São os bastidores, afinal, que importam para ela; não o show. É o sofrimento e a entrega de seus personagens para o projeto dar certo, incluindo as sequelas deixadas por ele. Lamarca projeta a nossa protagonista no início do longa-metragem já de cabeça para baixo, simbolizando o seu mundo ao descobrir a gravidez precoce. O olhar para obstetra é tristonho. Mais tarde, ela está decidida sobre os rumos que irá tomar; assim, o flashback se atreve a mostrar ela de lado: como se tentasse criar uma nova estabilidade. A busca pela naturalidade nas atuações, nesta perspectiva, é sempre almejada pela cineasta – e, ainda que não consiga atingir essa solução em todos os casos, é o suficiente para criar alguma substância. Vale destacar as atuações de Lavínia Bizotto e Ingra Liberato.
Lamarca cultiva a dança como o que ela é para ser: uma grandiosa representação. Um instrumento intermediário. Se o fotógrafo nos mantém longe da intimidade dos protagonistas na sequência em contraluz atrás de uma cortina branca, logo depois abraçamos a intimidade deles numa transição precisa entre um barco e a presença dos atores. Embora a direção não tenha total segurança no primeiro ato, é a partir desse momento que encontra mais intenção narrativa e sublinha uma sexualidade poderosa na cena mais bonita do longa, onde três dançarinos dividem o palco para retratar a morte. Ensaio está longe de ser um bom filme, mas é justamente por esbanjar um pouco mais de maturidade que certamente ganhará a sua devida atenção em solo nacional.
* Publicado originalmente no Diário Catarinense
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