18 de dezembro de 2013

Tatuagem

Idem, Brasil, 2013. Direção: Hilton Lacerda. Roteiro: Hilton Lacerda. Elenco: Irandhir Santos, Jesuíta Barbosa, Rodrigo Garcia, Rafael Guedes, Sílvio Restiffe, Sylvia Prado, Ariclenes Barroso. Duração: 110 min.

Tanto Azul é a Cor Mais Quente quanto este Tatuagem são filmes que se assemelham na forma com que enxergam o sexo entre duas pessoas: sem etiquetas, expondo a fragilidade e a firmeza da primeira vez entre dois apaixonados. Não são filmes sociais, afinal, mas focados em indivíduos. Se no primeiro caso, a vida de Adèle nos interessava mais do que qualquer outra; em Tatuagem, todos importam para a narrativa.

Escrito e dirigido por Hilton Lacerda, a história aborda uma companhia teatral que tenta fazer os seus espetáculos escrachados em plena ditadura militar. Clécio Wanderley (Santos) é o líder desta trupe, a Chão de Estrelas, que utiliza cenas debochadas e nudez em seus shows, além dos números musicais. Ele mantém um relacionamento aberto com Paulete (Garcia), que é a sua principal estrela, mas que é abalado com a chegada de Fininha (Barbosa) – cunhado de Paulete que se encanta pelo mundo de libertinagem do Chão de Estrelas. Contra os preconceitos e a repressão militar, ambos acabam iniciando um relacionamento.

Descrevendo o palco de seus artistas como a Broadway dos pobres e que a arma é o deboche, Lacerda lembra muito o cenário do Boca de Lixo da São Paulo dos anos 70, aliando o erotismo com a crítica social. Aliás, nunca deixando de lado o conturbado relacionamento entre Fininha e Clécio, o diretor também versa com o conservadorismo que assola o país (“Só o que faltava. O pai era comunista, o filho é ateu”) e a coibição que os próprios opressores estão sentindo, um oficial homofóbico que sente atração por Fininha é um exemplo claro. Da mesma forma, Lacerda é seguro na forma como pretende passar o interesse que seus personagens possuem um pelo outro: observe, primeiramente, a câmera posicionada frontalmente para Clécio fazendo uma maravilhosa interpretação de Esse Cara e aos poucos se afastando até chegar ao rosto de Fininha, numa sequência comovente; logo depois, avalie a forma como o cineasta se aproxima da conversa dos dois numa mesa.

Como se não fosse o bastante, as passagens pelo dormitório durante a vida de Fininha no exército sempre são bem evidenciadas: começando num close reflexivo entre grades, como se estivesse sendo prisioneiro, passando por um olhar frontal no segundo ato, até chegar ao terceiro ato, onde as grades desaparecem e Fininha pode viver sua vida. Além do mais, a vida pessoal rigorosa que o personagem necessita seguir é precisamente denunciada em um travelling circular ocorrido na casa do soldado enquanto a família ouve no rádio Ave Maria. Ao passo que, a cena em que ele se entrega aos seus desejos, uma música é ouvida ao fundo (“A noite de meu bem”), mas logo o som é abafado por carícias e beijos apaixonados – como não poderia deixar de ser. O diálogo que a antecede, inclusive, merece ser destacado por aprofundar um pouco mais a natureza de Clécio. Personagem que é vivido com uma naturalidade impressionante pelo talentosíssimo Irandhir Santos. Desde a forma como ele controla a respiração durante a primeira vez dos dois até os trejeitos, como o uso constante da mão na boca ou no queixo quando se sente fisgado por algo.

Deixando o destino de cada um em aberto, Hilton Lacerda não se esconde na nudez de seu filme ou nas sequências mais “polêmicas” (a cena em que os personagens dançam a Polka do Cú é hilária). Até porque Tatuagem é uma obra que celebra o amor e a arte – seja da forma como vier.

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