10 de dezembro de 2013

Carrie, a Estranha


Carrie. EUA, 2013. Diretor (a): Kimberly Peirce. Roteiro: Lawrence D. Cohen e Roberto Aguirre-Sacasa, baseado na obra de Stephen King. Elenco: Chloë Grace Moretz, Julianne Moore, Gabriella Wilde, Portia Doubleday, Alex Russell, Zoë Belkin, Ansel Elgort, Samantha Weinstein, Karissa Strain, Judy Greer, Katie Strain, Barry Shabaka Henley. Duração: 100 min.

Ainda que exiba sua parcela de problemas, uma das maiores virtudes da versão de De Palma para a história de Carrie White era a forma como a sua “antinormalidade” era apresentada e como o diretor produzia essa opressão até chegar ao clímax descontrolado. É uma pena, portanto, que a interessante Kimberly Peirce pretenda apontar uma atmosfera com aspectos surreais demais desde o começo, deixando de lado a sutileza da obra de 70 ou até mesmo a humanidade da personagem-título.

Escrito por Lawrence D. Cohen e Roberto Aguirre-Sacasa, baseados no livro de Stephen King, a história acompanha a vida da jovem Carrie White, numa cidadezinha americana, que é criada pela mãe devota, Margaret, e sofre abuso dos colegas de escola, que acham o seu comportamento estranho. Depois de ter sua primeira menstruação no banheiro de uma escola, ela passa a ser ridicularizada por todos no colégio e sua mãe ameaça tirá-la de lá. Todavia, ao mesmo tempo, seguimos o arrependimento de Sue e o plano que ela e Tommy fazem para proporcionar um momento de felicidade para Carrie.

É criando esse paralelo narrativo, buscando uma empatia com alguns atingidos no clímax final, que Peirce já começa a demonstrar sua incerteza com o que realmente passa a sua protagonista com tudo aquilo. Pois fazendo Carrie explorar os seus poderes aqui e ali, brincando com livros ou uma bandeira americana, a protagonista já salienta que quando perder o controle será por pura e simples vingança – nada é gratuito. Logo, ainda que procure sustentar o clima de opressão que a personagem vive (as risadinhas na piscina, a sequência da menstruação, o vídeo, os murmurinhos, o medo da mãe), a cineasta deixa claro que Carrie controla totalmente a situação no clímax final, não deixando espaço para dúvidas e diminuindo a personagem para uma assassina que mata seletivamente.

Tudo acaba sendo exagerado demais. Peirce já demonstra o nascimento em condições sub-humanas com os lençóis manchados de sangue num parto macabro em que a mãe corta o cordão umbilical com a mesma tesoura que usa nos tecidos que retoca, indica a devoção em demasia escancarada nos martírios de Margaret e sublinha o medo que Carrie possui da mãe – o categórico “não” que solta no gabinete do diretor é vergonhoso. Da mesma forma, a forma como o seu poder ultrapassa os limites é igualmente absurda ao evocar que a mente da personagem é capaz de mover concreto, levantar carros ou derrubar postes de luz. Mas isso não seria tão aborrecível se o filme não se esforçasse para abraçar temas que carecem de maior aprofundamento, como os maus-tratos maternos, a religião reprimindo a sexualidade feminina, a afeição de Carrie pelo próprio opressor e a futilidade da ditadura da aparência. Porque a superficialidade na forma como Peirce age ao exibir os corpos exuberantes enquanto uma menina está deslocada ou diálogos como “Deus é bom!” são desconfortantes.

Compondo sua personagem com os mesmos trejeitos de sua Abby (Deixe-me Entrar), concentrando a nossa simpatia em seu aspecto aparentemente frágil e sensível, Chloë Grace Moretz acerta o tom a partir do segundo ato quando esboça as incertezas sobre uma possível felicidade (“Pare de me zoar!”) e amadurecimento, assim fazendo com que o espectador compartilhe de seu encantamento com a diversão no baile de formatura. Além disso, o figurino da atriz trata de denunciar a mudança que ela sofre: observe o crucifixo sendo colocado dentro de suas vestes a partir do segundo ato. No entanto, a atriz não é tão convincente em mostrar a raiva incontida em sua cena final ou na forma como lida com suas ações.


Repetindo o momento mais importante de seu filme diversas vezes, o que demonstra a completa insegurança acerca da construção narrativa até ali, Peirce retorna para a direção no pior trabalho de sua – até então – curta carreira. Preferindo o literal ao invés da sensibilidade da narrativa de King, a diretora faz de Carrie um dos filmes mais frustrantes do ano.

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