10 de outubro de 2013

Gravidade

Gravity, EUA/Inglaterra, 2013. Direção: Alfonso Cuarón. Roteiro: Alfonso e Jonás Cuarón. Elenco: Sandra Bullock e George Clooney. Duração: 91 min.

É muito fácil imaginar Gravidade nas mãos de um diretor menos talentoso que Cuarón, e a maneira como isso influenciaria o longa-metragem. Para começar, provavelmente, observaríamos o sofrimento dos personagens na terra; igualmente, uma comemoração final, com todos festejando o resgate dos personagens. Além disso, arriscaria que a própria ação demoraria dois atos para ocorrer, a tensão tardaria a ser adicionada e a história se alongaria muito mais: focando na família, personagens escapando de um choque minutos antes e mais papéis descartáveis. E essa é a grande diferença de um filme dirigido pelo mexicano: a maneira de construir uma tensão angustiante, uma atmosfera insegura e a falta de certeza do público quanto ao que irá acontecer.

Escrito pelos irmãos Cuarón, Alfonso e Jonás, a história acompanha uma missão no espaço que é comandada por Matt Kowalski e a Dra. Ryan Stone. Após os restos de um satélite criar uma reação em cadeia de destruição pelo espaço, ambos acabam sendo os únicos sobreviventes da missão. Sem comunicação com Houston, eles buscam a sua sobrevivência guiando-se ao encontro de alguma base espacial que os encaminhe de volta para a Terra.

Criando quase que uma “dança” espacial ao acompanhar as ações de cada personagem no conserto realizado no primeiro ato, Cuarón já inicia a narrativa com um gigantesco plano-sequência que salienta precisamente a instabilidade presente no espaço. Neste aspecto, os movimentos de câmera impressionam por parecerem filmagens de um satélite: somente criando uma estabilidade maior quando se aproxima da Dra. Stone, como se demonstrasse o quão ela se sente previamente segura. Da mesma forma, Cuarón é certeiro ao mostrar o trabalho em equipe de Clooney e Bullock, destacando-os em lados opostos e apresentando o destino de cada um. Além do mais, o diretor merece os aplausos por acompanhar a tensão construída na sequência do choque com os destroços do satélite em um ponto de vista pessoal – aproximando-nos bastante do sofrimento de Stone: começando pela aproximação do close no rosto da personagem até chegar num plano subjetivo, de dentro do capacete; após isso, aliás, note que saímos do ponto de vista da personagem porque ela também está tentando sair daquela situação.

É curioso, também, algumas decisões narrativas: como focalizar o ponto de vista de Stone ao ver o dedo de Matt apontando para algo ou nos próprios símbolos que vão sendo construídos no decorrer da narrativa. Sob esta ótica, a posição fetal em que Stone se encontra ao entrar numa nave, auxiliada com a falta de gravidade, transforma-se num belo símbolo de renascimento; algo que, por exemplo, repete-se quando ela consegue colocar novamente os pés no chão – assinalando o fato de que ela está reaprendendo a andar naquele momento (o contra-plongée também retrata bem essa condição). Vale destacar, além disso, o pensamento de Cuarón em mover a câmera através das sensações vividas pelos personagens, o que se torna impactante ao experimentarmos a sensação de queda em diversas vezes ou até mesmo em refletir sentimentos – quando no afastamos de Bullock em um instante é porque ela também se vê isolada.

Por outro lado, o roteiro dos irmãos Cuarón não possui a mesma qualidade de seu espetáculo visual, pecando principalmente no terceiro ato ao criar soluções fáceis que não condizem com a tensão implantada até então. Como explicar a presença de uma alucinação ser o fator imprescindível para o destino final de Stone? Mais, enquanto algumas frases óbvias são utilizadas para descrever momentos (“A vida é impossível aqui”, “A vista é inigualável” ou “É bom estar sozinha”), é triste visualizar piadinhas deslocadas em momentos chaves: “Odeio o espaço” soa extremamente desconcertante do ponto de vista dramático. Mas isso é contornável. A perda de controle de Bullock logo depois é muito mais genuína e o próprio monólogo na cápsula espacial é comovente (“Mas vou morrer hoje”).

Bullock, aliás, que faz a melhor atuação de sua carreira ao transmitir os temores de sua personagem por meio de suas respirações pesadas e seu sentimento de impotência diante de um ambiente em que não está familiarizada. A cena em que, impaciente, busca saber onde está para mandar um sinal para Matt, quando chega a parar de respirar para isso, é impecável. Clooney, por sua vez, utiliza seu charme para trazer a personagem de Bullock de volta à realidade e aconchegá-la. Usa a sua experiência para mantê-la viva, além de interagir com ela para esquecer sua própria condição. O instante em que ouvimos sua voz admirando, pela última vez, o pôr do sol é emocionante.

Perdendo um pouco de sua estrutura na forma como o altruísmo americano é colocado, Gravidade ofusca qualquer grande erro em prol de seu visual fantástico. Emmanuel Lubezki, assim, realiza um trabalho memorável em parceria com Cuarón: desde coisas simples como a transpiração ofegante de Stone, a perda de cor da roupa espacial e a doutora cada vez mais perdida entre as estrelas ou a iluminação presente entre Matt e Stone quando se entrelaçam, passando pela espantosa sequência do nascer do sol, até chegar ao ápice das lágrimas de Bullock vindo ao nosso encontro. Uma experiência que será difícil de esquecer. 

                            

Um comentário:

Patrícia Sabino disse...

Que legal! Eu estava mesmo interessada em ver este filme.