Idem, Portugal/Alemanha/Brasil/França, 2012. Direção: Miguel Gomes. Roteiro: Miguel Gomes e Mariana Ricardo. Elenco: Laura Soveral, Teresa Madruga, Isabel Cardoso, Ana Moreira, Carloto Cotta, Henrique Espírito Santo, Ivo Muller, Manuel Mesquita. Duração: 118 min.
Existem três linhas bem claras que o talentoso Miguel Gomes procura estabelecer na obra-prima Tabu: a exploração, a mudança social drástica e, um fator de união entre esses dois fatores, a crise econômica portuguesa. Não à toa, o diretor divide em duas partes o seu longa-metragem: o paraíso e o paraíso perdido – num contraste social claro acerca da condição de uma simples senhora de idade: Aurora, que conta os seus dias até, finalmente, poder descansar em paz.
E é a partir da melancolia de um paraíso perdido, onde Aurora vive a base de comprimidos para dormir e um contraluz indica que a esperança só é vista do lado de fora daquele “lar”, que Gomes escancara a condição infeliz de nossa protagonista. A pergunta é óbvia: como essa mulher pode ter chegado a esse ponto de depressão e auto-opressão? Nesse aspecto, a fotografia em P&B de Rui Poças apresenta eficientemente a tristeza daquela realidade, além de realizar um contraste gritante na segunda parte da narrativa, onde faz questão de mostrar, aos poucos, a ausência de cor e torna a imagem mais granulada, quase em tom documental – o que oferece um grande significado com a narração em off presente nesse instante.
Miguel Gomes, por sua vez, move sua câmera quase de forma gentil, aconchegante, com planos centrais e longos, seguindo apenas os personagens. São as pessoas que importam para ele. Todas elas são complexas. Santa, por exemplo, parece-nos por momentos alguém que desperta desconfiança ao usar a filha de Aurora sempre quando deseja explicar alguma ação; porém, minutos depois, observamos a sua preocupação ao visualizarmos ela sem saber o que fazer e pedindo ajuda para Pilar (“a senhora se sente mal!”). Aliás, todos os personagens têm seus conflitos, inclusive, quem pouco aparece ou é apenas citado: como a filha de Aurora, que é dona de um ressentimento visível, pois nem ao enterro comparece; já Pilar procura alguma forma de esquecer os seus próprios problemas, concentrando-se a sua volta: o cinema é o único momento em se permite sentir suas próprias emoções. Até mesmo ao estar acompanhada nos cinemas, sente-se isolada do mundo, pois o outro dorme.
Mas é em sua crítica social que Gomes tem seus maiores acertos. Começando com a figura de um explorador, o papel do Estado, o diretor afirma que o coração humano não consegue escapar do que o espera. Logo, acompanhamos uma dança de despedida e aquele mesmo mundo – o do explorador – é refletido na sociedade atual: a selva agora é de pedra, mas a realidade é ainda mais triste; um livro de Robinson Crusoé é visto na mesa para nos lembrar desse ponto de vista, inclusive. Além disso, Miguel Gomes enquadra sutilmente um computador e várias extensões da crise econômica são notadas: vale observar uma sequência em que o diretor mostra páginas de sites discorrendo sobre comunismo, Portugal, armamento, facilidade para o crime e um jogo de paciência. Note também como ele trata de distanciar seus personagens até mesmo em um transporte coletivo – ali, a profundidade de campo ressalta que as pessoas estão vivendo isoladas uma das outras em um mesmo ambiente. Da mesma forma, no paraíso perfeito de Gomes, a sociedade é silenciosa. Apenas o som da natureza é o que importa. E é admirável a coesão constituída entre os três atos quando vemos a figura de uma empresa de exploração na segunda parte da narrativa e como aos poucos vamos começando a perceber aquela realidade sendo utilizada para fins empresariais.
É, afinal, o mundo de Aurora que vemos refletido em tela, mas podemos desvendar no processo nossas próprias raízes e sonhos – sejam individualistas ou sociais. Como a câmera em vertical aponta no terceiro ato, quando Mário (aquele que estava sempre distante da banda nos enquadramentos) se envolve em um assassinato, tudo muda. De uma forma ou de outra.
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