É muito fácil imaginar Gravidade nas mãos de um diretor menos
talentoso que Cuarón, e a maneira como isso influenciaria o longa-metragem.
Para começar, provavelmente, observaríamos o sofrimento dos personagens na
terra; igualmente, uma comemoração final, com todos festejando o resgate dos
personagens. Além disso, arriscaria que a própria ação demoraria dois atos para
ocorrer, a tensão tardaria a ser adicionada e a história se alongaria muito mais:
focando na família, personagens escapando de um choque minutos antes e mais
papéis descartáveis. E essa é a grande diferença de um filme dirigido pelo
mexicano: a maneira de construir uma tensão angustiante, uma atmosfera insegura
e a falta de certeza do público quanto ao que irá acontecer.
Escrito pelos irmãos Cuarón,
Alfonso e Jonás, a história acompanha uma missão no espaço que é comandada por
Matt Kowalski e a Dra. Ryan Stone. Após os restos de um satélite criar uma
reação em cadeia de destruição pelo espaço, ambos acabam sendo os únicos
sobreviventes da missão. Sem comunicação com Houston, eles buscam a sua
sobrevivência guiando-se ao encontro de alguma base espacial que os encaminhe
de volta para a Terra.
Criando quase que uma “dança”
espacial ao acompanhar as ações de cada personagem no conserto realizado no
primeiro ato, Cuarón já inicia a narrativa com um gigantesco plano-sequência
que salienta precisamente a instabilidade presente no espaço. Neste aspecto, os
movimentos de câmera impressionam por parecerem filmagens de um satélite:
somente criando uma estabilidade maior quando se aproxima da Dra. Stone, como
se demonstrasse o quão ela se sente previamente segura. Da mesma forma, Cuarón
é certeiro ao mostrar o trabalho em equipe de Clooney e Bullock, destacando-os
em lados opostos e apresentando o destino de cada um. Além do mais, o diretor
merece os aplausos por acompanhar a tensão construída na sequência do choque
com os destroços do satélite em um ponto de vista pessoal – aproximando-nos
bastante do sofrimento de Stone: começando pela aproximação do close no rosto
da personagem até chegar num plano subjetivo, de dentro do capacete; após isso,
aliás, note que saímos do ponto de vista da personagem porque ela também está
tentando sair daquela situação.
É curioso, também, algumas
decisões narrativas: como focalizar o ponto de vista de Stone ao ver o dedo de
Matt apontando para algo ou nos próprios símbolos que vão sendo construídos no
decorrer da narrativa. Sob esta ótica, a posição fetal em que Stone se encontra
ao entrar numa nave, auxiliada com a falta de gravidade, transforma-se num belo
símbolo de renascimento; algo que, por exemplo, repete-se quando ela consegue
colocar novamente os pés no chão – assinalando o fato de que ela está
reaprendendo a andar naquele momento (o contra-plongée
também retrata bem essa condição). Vale destacar, além disso, o pensamento de
Cuarón em mover a câmera através das sensações vividas pelos personagens, o que
se torna impactante ao experimentarmos a sensação de queda em diversas vezes ou
até mesmo em refletir sentimentos – quando no afastamos de Bullock em um
instante é porque ela também se vê isolada.
Por outro lado, o roteiro dos
irmãos Cuarón não possui a mesma qualidade de seu espetáculo visual, pecando
principalmente no terceiro ato ao criar soluções fáceis que não condizem com a
tensão implantada até então. Como explicar a presença de uma alucinação ser o
fator imprescindível para o destino final de Stone? Mais, enquanto algumas
frases óbvias são utilizadas para descrever momentos (“A vida é impossível
aqui”, “A vista é inigualável” ou “É bom estar sozinha”), é triste visualizar
piadinhas deslocadas em momentos chaves: “Odeio o espaço” soa extremamente
desconcertante do ponto de vista dramático. Mas isso é contornável. A perda de
controle de Bullock logo depois é muito mais genuína e o próprio monólogo na
cápsula espacial é comovente (“Mas vou morrer hoje”).
Bullock, aliás, que faz a melhor
atuação de sua carreira ao transmitir os temores de sua personagem por meio de
suas respirações pesadas e seu sentimento de impotência diante de um ambiente
em que não está familiarizada. A cena em que, impaciente, busca saber onde está para
mandar um sinal para Matt, quando chega a parar de respirar para isso, é
impecável. Clooney, por sua vez, utiliza seu charme para trazer a personagem de
Bullock de volta à realidade e aconchegá-la. Usa a sua experiência para
mantê-la viva, além de interagir com ela para esquecer sua própria condição. O
instante em que ouvimos sua voz admirando, pela última vez, o pôr do sol é
emocionante.
Perdendo um pouco de sua
estrutura na forma como o altruísmo americano é colocado, Gravidade ofusca qualquer
grande erro em prol de seu visual fantástico. Emmanuel Lubezki, assim, realiza
um trabalho memorável em parceria com Cuarón: desde coisas simples como a
transpiração ofegante de Stone, a perda de cor da roupa espacial e a doutora
cada vez mais perdida entre as estrelas ou a iluminação presente entre Matt e
Stone quando se entrelaçam, passando pela espantosa sequência do nascer do sol,
até chegar ao ápice das lágrimas de Bullock vindo ao nosso encontro. Uma
experiência que será difícil de esquecer.
Um comentário:
Que legal! Eu estava mesmo interessada em ver este filme.
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