Transcendence, Inglaterra/China/EUA,
2014. Direção: Wally Pfister. Roteiro: Jack Paglen. Elenco: Johnny Depp, Rebecca Hall, Paul Bettany,
Morgan Freeman, Cillian Murphy, Kate Mara, Cole Hauser, Clifton Collins Jr. Duração: 119 min.
Transcendence sofre do mesmo problema que meia dúzia de outros sci-fis lançados nos últimos anos: o
festival narrativo da retórica. De fato, pois ao roteirista só cabe responder
perguntas com outras perguntas, criar uma atmosfera razoavelmente relevante
socialmente (neste caso, como o uso tecnológico nos afeta) e o diretor promover
uma dezena de símbolos para designar apelo visual e manter misterioso algo que
nenhum dos dois sabe como revelar. O que torna o longa-metragem tão
constrangedor, portanto, não são suas inverossimilhanças ou a falta de
criatividade constituída na trama; mas, sim, o fracasso dos envolvidos até em
seguir uma simples fórmula.
Porque, abdicando completamente da realidade que tanto quer se palpar, no
decorrer do filme, o roteirista Jack Paglen e o diretor Wally Pfister não nos
conseguem inserir nem num contexto apocalíptico, que qualquer criança de sete
anos que soubesse da importância da tecnologia na nossa sociedade poderia
imaginar. Assim, Pfister apenas indica uma porta sendo bloqueada por um (agora
supérfluo) teclado de computador, aponta os semáforos apagados e ensaia os
impactos no comércio local (“não temos leite, não temos nada, não pergunte”,
revela um cartaz numa mercearia). Nunca tentando aprofundar o que levou a
sociedade até aquele instante ou instituindo um cenário que decorre das
consequências da tal catástrofe. Prefere apenas colocar Bettany caminhando por
ruas aparentemente arrasadas narrando acontecimentos passados, que conduziram
até ali.
Além de voltar a ensaiar o impacto sobre a humanidade do uso da
tecnologia, neste primeiro momento, o cineasta também enquadra uma rachadura no
meio de uma casa como sinônimo da instabilidade que se encontram e girassóis
numa casa no “meio do nada”, onde residiria uma espécie de esperança. A partir
daí, o roteiro de Paglen toma para si a responsabilidade e passa a jogar
conceitos em tela para tentar estabelecer uma base dramática para o argumento,
algo que nunca ocorre. Nesta perspectiva, frases como: “a jornada é mais
importante que o destino” ou, a pior de todas, “Então você quer criar um Deus?
Seu próprio Deus?” são sintomáticas.
Como se não bastasse, Paglen sugere pensar que nenhum sci-fi que se preze
pode ser algo marcante sem uma série de coincidências que leve seus personagens
ao clímax final. Desta forma, um personagem morre pouco depois de mandar os
arquivos necessários para o único complexo do mundo que não sofreu um ataque em
grande magnitude e que, aliás, passa a ser o único lugar no globo capaz de
realizar as pesquisas necessárias para o resto do filme. Do mesmo modo, um
cientista pode virar cirurgião conforme o roteiro precisar e a solução para
induzir um sobrevivente de uma tentativa de assassinato a servir como cobaia é
a bala que o atingiu estar contaminada por radiação (e assumo que me segurei
para não colocar essa solução genial em caixa alta). Mas não menos brilhante
que desligar a internet do mundo inteiro (!) para parar a consciência de um
cientista megalomaníaco que constrói uma pequena fortaleza em uma cidadezinha
americana.
Ao mesmo tempo, muito mais que a nula tensão entre os unpluged e os
cientistas, a química entre Rebecca Hall e Johnny Depp inexiste. E fica
complicadíssimo, consequentemente, apoiar-se no vínculo entre os dois para
definir os rumos da história – note, por exemplo, a tentativa desesperada de
Depp para sublinhar algum carinho pela esposa (como nos mostra a risada dele ao
afirmar que ela está mentindo ou a confissão de que irá sentir a falta dela
para o amigo Max, mesmo que nunca seja visto muito tempo com Evelyn num mesmo
local). Por outro lado, Hall possui o momento mais interessante do
relacionamento, quando decide retornar a Will e volta a usar a aliança.
Chegando a entrar no campo da regeneração, Transcendence é um apanhado de sobras de sci-fis distintos com o
acréscimo de outras falhas.
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