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O mais envolvente de filmes como o indiano Lunchbox é a genuína simplicidade.
Sem a expectativa de criar algo extraordinário demais ou que incomode por sua
dramatização excessiva, o diretor Ritesh Batra compreende que a autorreclusão e
o nosso condicionamento a abraçar a infelicidade em casos que não conseguimos
lidar é por si só uma história bastante ambiciosa. E é exatamente isso que é o
mais empolgante na vida de Saajan e Ila: afinal, elas são duas pessoas
prisioneiras de suas realidades que, finalmente, acham uma saída ao se
encontrarem.
Escrito pelo próprio Batra, a trama acompanha uma
dona de casa, Ila (Kaur), que está num relacionamento cada vez mais insustentável
com seu marido. Vivendo num apartamento apertado e sem privacidade alguma, já
que a vizinha de cima (sua tia) está sempre manifestando suas opiniões sobre
tudo, ela utiliza um serviço de entrega de comida popular chamado Mumbai
Dabbawallahs para entregar o almoço para o marido. Um dia, contudo, um erro faz
a entrega chegar ao viúvo Saajan (Khan), que descobre uma oportunidade rara de
sair de sua rotina. Logo, os dois começam a trocar mensagens por meio das
embalagens usadas pelo serviço de entrega, criando uma espécie de apoio mútuo
em momentos delicados de suas respectivas vidas.
Estabelecendo o dia a dia de seus protagonistas
desde o princípio, acompanhando a situação em que vivem, Batra é eficiente em
retratar a mudança completa que uma simples falha ocasiona numa rotina tão
convencional. Assim, ainda mais que a surpresa de Ila em descobrir que seu
marido não havia recebido aquele instante de carinho produzido por ela,
representado por sua comida favorita, a empolgação de Saajan de provar uma
culinária diferente passa, igualmente, ao lhe diferir dos demais – como aponta
o personagem Shaikh logo depois. Da mesma forma, é intrigante analisar como o
próprio processo de correspondência passa a ser uma interferência tão grande na
vida de ambos, que faz com que Ila pense realmente estar sendo infiel ao seu
esposo (“O caminho para o coração é o do
estômago”). . Neste caso, além da citada cena em que ela propõe uma forma
de se aproximarem novamente através da comida, note o medo da personagem ao
ouvir do esposo que a comida estava fazendo mal para seu estômago, como se ele
tivesse descoberto que as atenções dela não fossem as mesmas ou que ela o
ferira. E isso, ainda que não explicitado, vindo de um homem que dá ares de que
claramente está traindo Ila ao decorrer do longa-metragem, desde sua falta de
atenção ao seu isolamento misterioso.
Já Saajan é um sujeito pragmático, organizado e somente
um número numa fábrica que lida com números. Perto de sua aposentadoria, a
aparição de Ila em sua vida o faz conseguir criar vínculos emocionais
novamente, algo que havia perdido desde a morte precoce de sua esposa. O seu
relacionamento com Shaikh é tão diferente para ele, por exemplo, pois ele o faz
lembrar Ila – a primeira conversa é justamente sobre o almoço. (E é importante
ressaltar o belo ícone registrado no tapete na frente do apartamento de Ila
quando a entrega volta pela primeira vez.) Igualmente sensível, por sua vez, é
a maneira que o personagem de Saajan passa a se dar conta da idade: começando
por uma simples conferida no jantar de uma família, passando pela cena em que
ganha um lugar no ônibus, para chegar ao encontro no restaurante. Do mesmo
modo, a química entre os protagonistas é gritante na troca de cartas, rendendo
grandes devaneios – o meu favorito, talvez, seja aquele do filho sendo usado
para manter um casamento.
Finalizando com uma ótima coesão, ao conferir certo
peso a uma declaração de Shaikh (“o trem
errado pode levar à estação certa”), Lunchbox é uma
grata surpresa de um cinema que sempre teve como objetivo celebrar uma
felicidade através da dança e de seus exageros visuais, mas que aqui encontrou
na simplicidade sua verdadeira aptidão.
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