29 de novembro de 2013

10 dos melhores diretores de terror da atualidade


Como confessei na crítica de um dos melhores filmes de 2013, Invocação do Mal, o gênero terror sempre foi o meu favorito. Simplesmente por suas sensações. Afora fatores marcantes ocorridos na infância que também citei anteriormente em outros textos, esse cinema fantástico possui sua própria gama de revoluções e, apesar das fórmulas, diversos diretores que se inspiram em outros colegas conseguem construir homenagens gigantescas e atemporais. Num tempo em que muitos parecem aceitar que o gênero está morto e que há poucas mentes pensantes em Hollywood ou qualquer outro lugar, eu refleti acerca de alguns dos maiores nomes do gênero na atualidade e que muitos podem nem conhecê-los. A princípio, a meta era chegar a um top cinco, mas a admiração e fascínio por vários destes acabaram aumentando a lista – ainda que não tenham cabido todos os nomes desejados. Portanto, ainda que você não encontre o nome de sua preferência por aqui, não quer dizer que não entraria num top 15 ou 20. Antes de tudo, algumas considerações:
  1. Os escolhidos são totalmente de preferência pessoal e podem ser descartados se vocês não apreciam o meu gosto. Caso você nunca concorde com as minhas cotações ou análises sobre filmes de terror (ou qualquer outro), por exemplo, acredito que a lista não será de grande ajuda;
  2. A minha maior intenção, na verdade, é fornecer alguns nomes para serem mais propagados e debatidos. Restringi-me, deste modo, a nomes mais novos e alguns deles – inclusive – possuem apenas dois ou três filmes: algo que pode ser um tiro futuro no pé;
  3. Espero que aproveitem as indicações e que compartilhem também as suas considerações.

Chega de papo e vamos lá. 

10. James Watkins



Vamos desconsiderar as barbaridades que são seus roteiros de A Face Oculta do Mal e o safado Abismo do Medo 2, mas vamos considerar que ambos possuíam outras pessoas auxiliando o processo – o que nunca é um bom sinal. A realidade é que Watkins estreou com algum controle cinematográfico em 2008 com seu filme Eden Lake (o qual saiu traduzido como Sem Saída). Nele, observamos um jovem casal de férias tentando escapar da realidade urbana e passando um final de semana, isolados, em uma casa à beira de um lago. O problema começa a aparecer no instante em que um grupo de adolescentes rebeldes passa a persegui-los em uma grande tortura psicológica e física. O mais impressionante da trama idealizada por Watkins, neste caso, não é transformar algo batido em um longa-metragem cheio de adrenalina (algo que também contém), mas dar uma profundidade humana gritante – culminando em um clímax singular e assustador. Não é o susto ou o gore que o diretor procura, mas esclarecer que a própria maneira como tratamos uns aos outros interferem na criação de monstros antissociais. Já em A Mulher de Preto, Watkins adota uma postura mais clássica do terror, com direito a pouca iluminação nos lugares que Arthur frequenta (trens, casas, escritórios), sótãos, porões, escadas que ficam rangendo, cemitérios e mansões mal-assombradas. Um filme muito mais saudosista do que dono de uma frieza social, o que também aponta para sua adequação.

O melhor: Eden Lake (Sem Saída)
Por onde começar: Eden Lake (Sem Saída);

9. Simon Rumley



Ainda que busque, às vezes, o total absurdo, como nos segmentos “P is for Pressure” (ABC da Morte) e “Bitch” (Little Deaths), o grande fator positivo de Simon Rumley é a maneira como expõe o caos em que se encontram seus personagens e a constante autodestruição presente em suas respectivas vidas – assim, não é difícil imaginar as medidas extremas de seus atos conforme passa a narrativa. Em Red, White & Blue, por exemplo, as atitudes do diretor ressaltam um estilo próprio (desde o sexo como precursor dos problemas até a música sobrepondo-se aos diálogos). Da mesma forma, a sua assinatura influencia no resultado final do regular Distúrbio Fatal, onde a dor e a intensidade infringidas na vida daquelas pessoas expressa o verdadeiro horror almejado por ele.

Por onde começar: Distúrbio Fatal;

8. Nacho Vigalondo



Muito mais conhecido por seus excelentes curtas-metragens, Nacho veio a se destacar no brilhante Crimes Temporais, onde o protagonista, após uma série de paradoxos temporais, encontra a si mesmo diversas vezes – algo que culmina no desenvolvimento e clímax angustiantes do longa-metragem. Por outro lado, o espanhol já havia denunciado o seu talento em três curtas: o primeiro deles, sua própria estreia indicada ao Oscar, 7:35 de la mañana oferecia um mundo em que a ruína era o silêncio e a falta de comunicação social, a qual requere uma atitude drástica: um homem-bomba, sob esta ótica, entra em um restaurante e ameaça os clientes, a fim de fazê-los dançar e cantar juntos com ele; no segundo, Marisa, o diretor expõe as múltiplas personalidades da personagem-título; e, finalmente, A de Apocalipse surpreende pela visão incomum do fim. Um cineasta que conta com apenas dois longas-metragens na bagagem, mas que já apresenta uma maturidade a ser avaliada futuramente.

O melhor: Crimes Temporais
Por onde começar: 7:35 de la mañana;

7. Bruno Forzani e Hélène Cattet



Movendo-se muito mais por ostentações de sentidos e prazeres estéticos do que propriamente da substância da história, embora esteja lá, Forzani e Cattet é a primeira dupla a fazer parte da lista por um preceito bem simples: talento. Está na exploração de suas cores, sua fotografia e cenários, os seus maiores artifícios. No caso de Amer, todo esse cuidado na forma como a narrativa é construída nasce tão impactante e detalhista que arrisco dizer que o próprio Argento – a principal inspiração – deve ter ficado orgulhoso. Ambos não almejam o susto fácil, mas a subjetividade semiótica que as cores possuem. Qual é o significado de cada plano e a combinação entre eles. As perguntas acabam sendo outras. Os seus curtas se movem sob este mesmo raciocínio. Não dá para dizer que é um estilo que sempre dará certo, mas é no mínimo uma assinatura intrigante e rara.

O melhor: Amer
Por onde começar: Chambre jaune;

6. Juliana Rojas e Marco Dutra



Na realidade, apesar do cinema brasileiro de horror estar começando a caminhar com suas próprias pernas, ninguém está fazendo filmes de gênero como esses dois. Iguais aos outros casos, ambos são diretores que têm mais fama internacional pelos seus curtas (ganhando em Cannes, por exemplo) do que por seu primeiro longa-metragem, Trabalhar Cansa. São diretores que procuram os sons mais simples para criar ambientes de pura tensão: no filme de 2011, a família está reunida e um esguicho produzido por um familiar a luz de velas consegue criar um assombro muito maior que algum susto mais fácil. Os filmes passam a ser mais metafóricos. Os dramas familiares presentes em seus roteiros são tão importantes quanto as ações sobrenaturais. Nenhum dos dois parece ter mais talento que o outro, pois se complementam. E até os seus curtas solos deixam essa impressão

O melhor: Trabalhar Cansa
Por onde começar: Um Ramo;

5. Jaume Balagueró



Prevejo muitas reclamações da ausência do Paco Plaza dividindo essa quinta colocação com o espanhol, mas o motivo é simples: acredito ser Balagueró o verdadeiro talento da dupla. Ainda que os dois estejam envolvidos na obra-prima [Rec], Plaza somente criou uma obra que se destacasse em seu trabalho solo: Um Conto de Natal. Até porque Genesis tem uma ou outra ideia interessante, mas falha no todo; e Romasanta é um grande erro. Enquanto isso, Balagueró entregou curtas muito mais profundos e, indo além, ofereceu o melhor filme da série Películas para Dormir (Na Teia do Mal). Como se não fosse o bastante, A Seita é eficiente e Mientras duermes esbanja a tensão e a agonia de filmes como [Rec] – não deixando, acho eu, espaço para dúvidas.

O melhor: [Rec]
Por onde começar: A Seita;

4. Christopher Smith



Nem em um milhão de anos, eu apostaria que o mesmo sujeito que havia entregado um thriller de horror tão trapaceiro quanto Plataforma do Medo seria o mesmo que produziria filmes como os tragicômicos Mutilados e Morte Negra, além do genial Triângulo do Medo. E se, apesar de escancarar a violência, as sequelas da peste e criar situações cômicas com a tragédia, o roteiro não acompanha completamente o talento de Smith em Morte Negra, o mesmo não se pode dizer quando ele tem controle narrativo total. Em Mutilados, por exemplo, subverte as expectativas pela sua sutil ironia e debocha brilhantemente do gênero – algo que chega ao auge numa hilária cena em que um urso caminha por trás dos personagens. Sem poder deixar de citar o seu melhor trabalho, Triangle. Nele, somos surpreendidos pela complexidade maternal da protagonista, que está muito longe de ser uma heroína comum e completa. O diretor é competente, igualmente, na parte técnica (equilibrando planos mais fechados e abertos para demonstrar claustrofobia e isolamento) e na profundidade psicológica que a narrativa ganha no segundo ato. Chega a impressionar.

Por onde começar: Mutilados;

3. Ben Wheatley



Como definir Wheatley como diretor de gênero? Não há como. Ele explora vários durante seus filmes e brinca com perspectivas. Pegue Turistas de exemplo, favor não confundir com o famoso de John Stockwell, e observe como não tem como taxar aquele roteiro de formulaico ou algo do tipo. Alice Lowe e Kenneth Hadley não representam um casal normal e o contexto que estão inseridos, tampouco. Apesar da classificação de comédia, é difícil enxergar a graça. O crime e a desilusão social são muito mais óbvios. Kill List, idem, começa com um drama até culminar numa paranoia crescente e intrigante. Apenas a abordagem do curta U is for Unearthed é mais clássica, apesar de muito divertida e excepcional. Ben Wheatley, no fim das contas, faz parte daquela seleta categoria: “sim, eu daria dinheiro para dirigir mais filmes”.

O melhor: Kill List
Por onde começar: U is for Unearthed;

2. Ti West



Particularmente, eu não consigo resistir a diretores que bebem da água de Mario Bava, Lucio Fulci e Dário Argento. E é exatamente isso que Ti West está acostumado a fazer em seus longas-metragens mais atuais. Afora o divertidíssimo Ataque dos Morcegos, é difícil esquecer que o meu segundo diretor favorito de terror dirigiu coisas como o incrivelmente estúpido Cabana do Inferno 2, mas isso é facilmente ofuscado pelas homenagens setentistas e oitentistas com que desenvolveu Hotel da Morte e A Casa do Demônio. Já existe essa marca mais clássica nos filmes do cineasta e é compreensível a forma como a ideia antiga pode ser usada a seu favor em nossos tempos atuais. O domínio de câmera que West possui, por exemplo, demonstra que a tensão não é instaurada somente por um aumento repentino de trilha sonora, mas pela perspicácia dos planos e enquadramentos que ilimitam a tensão. Note, no filme Hotel da Morte, a cena em que o diretor focaliza quase em primeira pessoa a protagonista e vamos acompanhando o seu olhar, apenas o que ela vê, ressaltando perfeitamente a angústia sofrida naquele instante. Para ele, um bom filme de terror é feito da extração de tensão do incômodo do silêncio. E é curioso perceber que se a inspiração provém dos grandes diretores das décadas passadas, todos eles devem ou iriam reconhecer que há um novo mestre do terror nas redondezas.

Por onde começar: Hotel da Morte;

1. James Wan



Caso tivesse dinheiro e talento, Invocação do Mal seria exatamente o filme de terror que eu faria. Ver um filme de terror do James Wan, para um amante do gênero, é como se reconhecer atrás das câmeras. Brincar de desvendar os caminhos que serão percorridos em determinado momento e aonde ele nos levará na tensão construída até ali. É ver um apaixonado. Essa é a melhor definição para o malaio. A forma como expõe a linguagem e as artimanhas confidenciam esse amor: para Wan, não é o que se cria, mas como trabalhar o que já foi criado, o segredo. Afinal, o que poderia ser considerado original em 2013?! Não há novidades em seus filmes, mas o ápice do formalismo e da estrutura clássica. Wan aprecia as atmosferas mais sangrentas e misteriosas, como seus Jogos Mortais, Gritos Mortais e Sentença de Morte evidenciam, mas é justamente em sua aura classicista que seu talento é mais categorizado. Apresenta o que o cinema era e o que as novas histórias de terror fizeram dele. E nenhum outro faz isso como ele nos tempos atuais.

Por onde começar: Jogos Mortais.


Nos tempos em que vivemos, declarar que o terror morreu há muito tempo é algo tão (in)cabido quanto afirmar que a comédia só existiu com Buster Keaton, os Marx e Charles Chaplin, esquecendo-se de nomes como Jacques Tati e tantos outros. Tudo está sujeito a se reestruturar, cabe a nós identificar e extrair o que vem de bom também. 

25 de novembro de 2013

Um Time Show de Bola

Metegol, Argentina/Espanha, 2013. Direção: Juan José Campanella. Roteiro: Juan José Campanella, Gastón Gorali e Eduardo Sacheri. Vozes: Rupert Grint, Anthony Head, Peter Serafinowicz, Rob Brydon, Ralf Little, Diego Ramos, Fábian Gianola, Pablo Rago, Eve Ponsonby, Juan José Campanella. Duração: 106 min.

Sabe como é o futebol, pode acontecer qualquer coisa”. Essa é a frase que, basicamente, sintetiza toda a estrutura criada pelo cineasta argentino Juan José Campanella em Um Time Show de Bola: o tom apaixonado e imaginativo que um simples esporte pode ganhar. Como diretor talentosíssimo – seu último filme foi o vencedor do Oscar, O Segredo de Seus Olhos –, Campanella esbanja excelência na dinâmica como enxerga a ação de sua narrativa e na liberdade criativa que a animação oferece para ele. Não é incomum, portanto, observarmos uma cena em que passamos através de uma vidraça ou os nossos personagens sendo perseguidos por um grupo de ratos extremamente ameaçadores (uma das melhores sequências do filme). Igualmente, o cineasta não se reprime ao brincar com o nonsense, como o chute violento que explode um dirigível, o gigantesco palácio egocêntrico do vilão, as multiopções tecnológicas em formato de bola e até em gags visuais mais sutis: “Em boca fechada não entra mosca” é a mais evidente. Além disso, a cena inspirada em 2001 – Uma Odisséia no Espaço novamente aponta para o tom narrativo que Campanella quer demonstrar – e é hilário ver um crânio utilizado como bola ofuscando a batalha pelo osso.

Entretanto, a animação trava em sua mensagem. Claro que a atmosfera infantilizada é clara: a derrota não importa, são a empatia e os chamados vencedores morais que nos envolvem na realidade atual. Mas isso é inutilmente abordado em um jogo importantíssimo no clímax final que não dá alusão a nada visto antes. Por que os jogadores de pebolim são importantes para a história, por exemplo? Apenas um deles é atingido pela gota da lágrima milagrosa, mas todos os outros também ganham vida, por quê? Além disso, Campanella ensaia uma crítica um pouco mais audaciosa: o poderio dos empresários, o bullying e a corrupção política; porém, nada que seja muito profundo. No final, contudo, a diversão gerada pelo conjunto da obra e as próprias sequências mais comoventes – como aquela em que é feita uma passagem de ruínas antigas para um garoto em lágrimas – podem acabar ofuscando o gosto amargo deixado por uma ineficácia no roteiro que não estávamos acostumados a ver nos filmes do argentino. Mas não o bastante.


*Crítica publicada originalmente no Diário Catarinense

                                

21 de novembro de 2013

Jogos Vorazes: Em Chamas

The Hunger Games: Catching Fire, EUA, 2013. Direção: Francis Lawrence. Roteiro: Simon Beaufoy e Michael Arndt, baseado no romance de Suzanne Collins. Elenco: Jennifer Lawrence, Liam Hemsworth, Woody Harrelson, Josh Hutcherson, Elizabeth Banks, Phillip Seymour Hoffman, Jena Malone, Jack Quaid, Taylor St. Clair, Sandra Ellis Lafferty, Paula Malcomson, Willow Shields, Bruce Bundy, Nelson Ascencio, Lenny Kravitz, Allan Ritchson, Stephanie Leigh Schlund, Meta Golding, Jeffrey Wright, Amanda Plummer, Lynn Cohen, Patrick St. Esprit, Wilbur Fitzgerald, Stanley Tucci e Donald Sutherland. Duração: 146 min.

Caso soubesse que a trama “bobinha” do primeiro Jogos Vorazes fosse se transformar em um exemplar tão interessante e profundo, eu teria tido grandes expectativas quanto ao futuro da história de Katniss e Peeta. Afinal, a maturidade com que o roteiro de Beaufoy e Arndt tratam a política de desmoralização e até a mais óbvia política do medo merecem os devidos aplausos por nunca subestimar a inteligência do público e oferecer tons muito mais ameaçadores que um “simples” jogo de vida ou morte: transformando, durante esse percurso, a história pensada por Collins em um belo estudo do uso do instrumento político e sua fragilidade.

Escrito por Simon Beaufoy e Michael Arndt (o primeiro responsável por Quem Quer Ser um Milionário e o segundo por Toy Story 3), baseados na saga de Suzanne Collins, a história retorna pouco tempo depois do primeiro filme. Katniss (Lawrence), agora uma das sobreviventes mais inspiradoras dos chamados Jogos Vorazes, precisa continuar fingindo uma paixão inexistente por Peeta (Hutcherson) para a sociedade não perceber a fragilidade política do totalitário Snow (Sutherland), que tenta controlar a esperança adquirida pelo povo no último jogo. Para isso, o presidente contrata um novo controlador chamado Plutarch Heavensbee (Hoffman) para bolar uma versão muito mais aterrorizante para um novo e impensado jogo: o retorno dos vencedores.

Expondo essa atmosfera opressiva e desoladora desde o instante em que o filme se inicia, quando observamos Katniss em uma floresta negra denunciando as sequelas traumáticas que adquiriu nos jogos, Lawrence consegue articular eficientemente o viés político questionador que quer adentrar e convence na forma como nos insere nas ambientações. Nesta perspectiva, analise o momento em que Katniss e Peeta estão se dirigindo para uma localidade num trem luxuoso e como saímos do verde das florestas e da natureza para um local que lembra quase uma concentração de guerra. Além disso, não só o simbolismo da encenação do amor entre os dois jovens se encaixam perfeitamente no ótimo roteiro, como a admiração construída naturalmente por ambos é admirável. Note, por exemplo, o olhar de Katniss para Peeta durante o discurso mais comovente do filme e a interrupção que a breve honestidade provoca: uma morte desnecessária e cruel. Da mesma forma, já que o próprio presidente assume que o sistema em que estão é frágil e o desafio que a protagonista provocou é temível, a separação social entre vila dos vencedores e o resto da população já desperta um tom muito mais intenso que o primeiro longa-metragem.

Aliás, mesmo que evidencie sua insegurança na forma como pensa seus enquadramentos e planos (os closes aqui e ali sem função aparente ou os personagens sempre visualizados de costas quando entram em algum lugar), Lawrence também é inteligente em conduzir as ramificações indesejadas que o sacrifício de Katniss gerou na população num fortíssimo primeiro ato (“Um dia, eu serei voluntária como você!”). Isto, igualmente, acaba tornando o discurso dúbio do personagem de Hoffman em algo muito mais interessante do que realmente parece à primeira vista. (Aqui, eu irei abrir um parênteses para quem já viu o filme, portanto, pare de ler se você não está familiarizado com o clímax final. Considere, no momento da conversa entre Plutarch e Katniss, como o novo programador destaca a sua “ambição”e como afirma que foi ela que o inspirou a voltar. E, se nesse primeiro momento o tom é de ares perigosos, nossa visão é corrigida quando notamos que tudo aquilo não passava de dicas para ela saber que não estava sozinha. Havia a tal da esperança mais uma vez. A ambição de uma revolta popular já era mais palpável. Além do mais, lembre-se que ele chega a afirmar que é fácil esconder a sua verdadeira personalidade nessas festas).

Contudo, o roteiro de Simon Beaufoy e Michael Arndt é o que mais tem direito ao reconhecimento do salto de qualidade de um filme para o outro. Trabalhando muitíssimo bem a já conhecida política do medo, somando isto à destruição de uma figura (“Qual o bolo do casamento? Execuções. O vestido que irá usar? Torturas.”), ambos conseguem exibir o domínio da força totalitária do governo com certo apelo: um açoitamento público, onde um soldado agride alguém sem seguranças a sua volta ou as celebrações de um terceiro massacre são excelentes exemplos. E mesmo que o clichê romântico seja compreensível na estrutura, é muito mais satisfatório avaliarmos como todos os personagens possuem suas próprias particularidades e se tornam tão importantes como Katniss ou Peeta no jogo. Isso já seria admirável por si só, caso não fosse ainda mais fascinante notar que essa empatia vai sendo produzida aos poucos – como se estivéssemos os conhecendo na mesma medida que os dois protagonistas.

Sob esta ótica, aliás, a seleção do elenco é outro ponto forte. Enquanto Harrelson e Hutcherson se limitam a continuar os maneirismos do primeiro filme, os coadjuvantes são bem mais admiráveis: ao começar por Jena Malone, que consegue ir de alívio cômico para uma figura dominante em pouco tempo; Sutherland se mostra muito à vontade em equilibrar seu tom vilanesco com algo mais intimista, como vemos na cena com sua filha; enquanto Hoffman nos brinda novamente com um grande trabalho ao trazer para seu personagem uma ambiguidade inesperada. Uma pena que Jennifer Lawrence não seja tão certeira quanto no primeiro filme e suas tentativas de representar instabilidade são frustradas por ela nunca criar uma linha entre o seu choro desenfreado e a sua força.

Num ano em que Homem de Aço, Star Trek, Homem de Ferro 3 e outros filmes se guiaram por uma mentalidade muito mais explosiva para explicar seus grandes orçamentos, Jogos Vorazes: Em Chamas acaba sendo um grande alívio.

                                    

18 de novembro de 2013

Blue Jasmine

Idem, EUA, 2013. Direção: Woody Allen. Roteiro: Woody Allen. Elenco: Cate Blanchett, Alec Baldwin, Sally Hawkins, Bobby Cannavale, Andrew Dice Clay, Daniel Jenks, Max Rutherford, Kathy Tong, Max Casella, Ali Fedotowsky, Michael Stuhlbarg, Alden Ehrenreich, Louis CK, Peter Sarsgaard, Joy Carlin. Duração: 98 min.

Woody Allen é um perfeito exemplo de cineasta que encontrou em seus filmes uma maneira de refletir sobre a própria existência, neuroses cotidianas, medos comuns e possuir uma forma de desabafo – quer gostemos dele ou não. Um diretor que realiza uma espécie de crônicas filmadas, procurando estabelecer na figura de um protagonista a sua própria essência. Assim, pode-se observar exemplos recentes em sua filmografia que sustentam essa tese, como Owen Wilson em Meia-Noite em Paris ou Larry David em Tudo Pode Dar Certo. Quando surgem os primeiros acordes jazzistas de Blue Jasmine e o monólogo obsessivo de uma personagem, por exemplo, sabemos que estamos sendo inseridos em uma história roteirizada pelo diretor; todavia, uma narrativa que surpreende pela sua gama de sofrimento e completo desapego com o seu conhecido humor – algo que, talvez, não víamos desde Interiores.

Escrito e dirigido por Woody Allen, a história gira em torno de Jasmine (Blanchett), uma mulher extremamente rica que perde todo o seu dinheiro, após o marido Hal (Baldwin) ser preso pelo FBI por sonegação de impostos. Ela passa a viver com a irmã adotada em São Francisco e tenta se reestabelecer na vida – mesmo que ela não tenha nenhuma pista de por onde começar. Assim, ela ensaia uma volta aos estudos, mas acaba trabalhando de assistente de dentista para suprir suas dívidas e pagar os custos de um curso à distância que, acredita, poderá mudar sua vida mais uma vez.

Buscando encontrar o equilíbrio entre duas realidades, num contraste entre o brilho da alta classe e a aparência da classe média no ponto de vista de sua protagonista, Allen não se limita a concentrar a sua força narrativa na atuação de Cate Blanchett; muito pelo contrário, o diretor se permite criar um verdadeiro – e impressionante – retrato sobre a futilidade e a riqueza de alguns poucos. Jasmine, por exemplo, encontra-se nesta ótica: restringe-se à ostentação, ao círculo de amigos do marido e às grandes festas de arrecadações de fundos. Não planeja um futuro para si e vive sob completa influência dos laços matrimoniais, sem independência. Quando sua realidade muda abruptamente, entra em colapso. E é curioso avaliar essa estrutura dramática conduzida por Allen: note o desabafo incontido da personagem durante um voo, refletindo sobre a sua atual condição e como ela tenta ressaltar um brilho que não existe mais (“aquela ali é minha Vuitton!”). O diretor, aliás, escancara muito mais esse mundo infeliz e de angústia da personagem do que mascara com toques de humor, mesmo que eles apareçam vez ou outra (“Você olhou para mim.” “Sim. Uma vez. E foi um erro!”). Não há graça na situação de Jasmine, que chegou a trocar de nome para não representar nada de sua vida anterior, apenas o que lamentar: é doloroso ver a personagem falar sozinha ao insistir que está vendo Érica, alguém que só está presente em sua mente naquele instante.

Não existem caricaturas em Blue Jasmine. Qualquer um de seus personagens são palpáveis e instigantes. Chilli é uma pessoa que, por mais que tenha suas dificuldades com a bebida e em se manter apresentável perante a uma ex-socialite, está completamente apaixonado por Ginger – e vemos essa mesma confiança que ela observa nele. Ela, por sua vez, não quer errar de novo, e busca se guiar pelas dicas de sua irmã ao procurar conforto nas mãos de um “cavalheiro” Louis CK, que também é uma ilusão de vida para as duas protagonistas. Hal é o exemplo clássico de marido voltado ao trabalho e empresário que se tornou bem-sucedido devido às suas ilegalidades – cabe destacar a expressão de preocupação e atenção aos negócios que ele passa a ter à medida que os flashbacks vão ficando mais intensos. Já Cate Blanchett, finalmente, serve perfeitamente aos propósitos de Allen por conferir a dose certa de temperamento instável, perturbação, ansiedade e exibir uma dor constante na aparência de sua Jasmine. Seus monólogos solitários são sempre dolorosos e frágeis.

É, afinal, uma protagonista nostálgica. Sente-se desconfortável por falar na falência de seu marido ou de sua falta de perspectiva futura – analise o close que Allen faz durante uma refeição quando dois personagens insistem neste assunto. Não apenas saudosista com o relacionamento que cultivava com Hal, mas com sua própria riqueza e banalidades. O próprio romance breve com Dwight confirma essa tese. Porque Jasmine é agora um disco quebrado (e o filho adotivo trabalhando em uma loja de instrumentos usados não poderia ser um símbolo melhor) que continuará tocando a melodia de Blue Moon eternamente.  


                                   

7 de novembro de 2013

Capitão Phillips

Captain Phillips, EUA, 2013. Direção: Paul Greengrass. Roteiro: Billy Ray, baseado no livro de Richard Phillips e Stephan Talty. Elenco: Tom Hanks, Barkhad Abdi, Barkhad Abdirahman, Faysal Ahmed, Mahat M. Ali, Michael Chernus, David Warshofsky, Corey Johnson, Chris Mulkey, Yul Vazquez, Max Martini, Catherine Keener. Duração: 134 min.

Embora sua filmografia seja curta, o diretor Paul Greengrass já estabeleceu um ponto em comum em cada um de seus longas-metragens: além de suas tramas estarem mergulhadas em um ambiente político opressivo, a frieza com que destaca as emoções de seus personagens em situações caóticas impressiona. Não à toa, a principal cena de Vôo United 93 apontava cruamente a escolha dos passageiros em tomar o avião; e, mesmo que soubéssemos o destino de cada um deles ao tomar essa decisão, torcíamos para eles até o minuto final. Em Capitão Phillips, o capitão interpretado por Tom Hanks também já possui um previsível destino traçado, mas não por isso menos doloroso.

Escrito por Billy Ray (Jogos Vorazes), baseado na obra do próprio Richard Phiillips e Stephan Talty, a trama gira em torno de um capitão que vê o seu cargueiro sendo raptado por piratas do alto mar que procuram dinheiro. Depois da tripulação comandada por Phillips se revoltar contra os invasores, o personagem-título é raptado pelos piratas e passamos a acompanhar a sua sobrevivência.

Enquadrando o capitão de perfil desde o início, Greengrass centraliza todas as atenções no trabalho de Hanks e Phillips. Ainda que procure evidenciar um paralelo entre os americanos e somalis, ressaltando as suas condições e sua política (“Ah, sim. Países ricos se preocupam muito em ajudar os países mais pobres”), o que acompanhamos é a resistência de um sequestrado. As ações do roteiro, nesta perspectiva, são notáveis ao apontar o que se pode empregar nesse tipo de caso: mantenha os seus sequestradores falando, não os deixe dominar totalmente a situação. Além disso, a decisão de criar esse paralelo se prova certeira no momento em que “Magro” (Abdi, excelente!) põe os pés no cargueiro e tememos pelas vidas a bordo por já conhecer previamente seu temperamento violento e explosivo. Como se não fosse o bastante, o diretor também se mostra dono de um estilo “scottiano” mais talentoso; aliando o ritmo frenético com substância, querendo dizer algo e não apenas transmitir sensações de ação descontrolada. Note, por exemplo, a forma como é transmitida a tensão durante a perseguição na água.

É Tom Hanks, contudo, que oferece um dos melhores trabalhos de sua carreira ao personificar Phillips com destreza, compaixão e vulnerabilidade comoventes. O ator nos oferece uma perda de controle sintomática e brilhante ao mostrar a rotina de seu capitão freada pela instabilidade de seus sequestradores. Rich é uma pessoa de poucos diálogos, com mania de filosofar sobre assuntos econômicos e está em uma relação extremamente superficial e desgastada com a esposa (analise os ligeiros tapinhas carinhosos com que conforta a sua companheira no carro). O único local em que se sente em casa, como não poderia deixar de ser, é o mar. Onde se encontra em paz no seu quarto, ouve música e pode acessar os seus e-mails sem a responsabilidade de um homem de família, apesar de tentar transmitir essa saudade por mensagens eletrônicas. Ele exibe sua naturalidade de comandante nas vistorias de sua embarcação, solta um suspiro antes de entrar na cabine de comando como se estivesse se preparando para uma nova missão e possui sua própria rotina (veja, assim sendo, como nas três vezes que o vemos nessa situação – em duas, ele entra sem olhar para os tripulantes e busca seu café, enquanto na ocasião em que os piratas vão finalmente entrar no cargueiro, o café é despercebido).

Ao mesmo tempo, provando ser uma pessoa simples, Phillips não usa uniforme ou ostenta a sua função perante os subordinados, ele faz parte de um coletivo – algo que cria mais apreço com os seus comandados e o próprio espectador. Da mesma forma, a maneira como comanda ou lida com as situações esbanjam seu caráter formal de oficial (“Vamos ver se nos seguem!” e “Estou na poltrona 15” são bons exemplos do comportamento pragmático de capitão). E é exatamente na maneira aparentemente controlada de seu Richard Phillips que a sua perda de controle gradual se torna ainda mais impactante e envolvente. Buscando de todas as formas sair da situação em que está, tentando criar vínculos com os piratas, entendê-los, ou até mesmo fugir nadando, Hanks nunca parece aceitar o seu destino e tenta escapar de todas as maneiras possíveis, assim, tornando o seu ataque impensado a um dos piratas uma reação curiosamente emocional e gigante do ponto de vista dramático. Igualmente, o seu olhar emocionado e assustado quando se vê com uma arma apontada para a sua testa, num dos únicos closes frontais de Greengrass na narrativa, denota ares ainda mais impressionantes na cena seguinte, quando o personagem finalmente aceita, de forma ímpar, o seu destino – em um dos olhares mais reflexivos e corajosos sobre a morte que tivemos no ano. E, pare de ler aqui se ainda não tiver visto o filme, é marcante a reação de Hanks ao notar que ainda está vivo e o seu grito desesperado de alguém que sofreu por tanto tempo e já havia aceitado a sua morte; combinado, claro, com a maravilhosa sequência pós-choque que, indubitavelmente, deverá trazer alguns prêmios por seu trabalho.

Intenso sem ser exagerado, Capitão Phillips abala pelo seu pragmatismo. Está na frieza e no afastamento com que Greengrass enxerga a história, a certeza de uma realidade triste. A fragilidade da vida, afinal, não precisa de artifícios teatrais para soar ainda mais extraordinária.

                        

4 de novembro de 2013

Thor: O Mundo Sombrio

Thor: The Dark World, EUA, 2013. Direção: Alan Taylor. Roteiro: Christopher Yost, Christopher Markus, Stephen McFeely, baseado na história de Don Payne e Robert Rodat, inspirados nos quadrinhos de Stan Lee, Larry Lieber, Jack Kirby. Elenco: Chris Hemsworth, Natalie Portman, Tom Hiddleston, Anthony Hopkins, Christopher Eccleston, Jaimie Alexander, Zachary Levi, Ray Stevenson, Tadanobu Asano, Adewale Akinnuoye-Agbaje, Stellan Skarsgard, Jonathan Howard, Kat Dennings, Idris Elba e Rene Russo. Duração: 120 min.

Apesar de alguns erros pontuais em sua narrativa, que funcionava para o universo Marvel como um pré-Vingadores, o Thor de Kenneth Branagh ostentava muito mais acertos do que erros em sua estrutura shakespeariana e trágica: um Deus renegado pelo pai e traído pelo irmão se apaixona por uma mortal. Com um domínio total sobre esses aspectos mais interessantes de seu personagem-título, o diretor buscava equilibrar a imensidão de Asgard com a instabilidade de uma figura divina no Novo México, usufruindo de sua consistência técnica. Todavia, ainda com seus nítidos acertos, a atmosfera criada por Branagh sofria drasticamente com a fórmula estabelecida pelo universo heroico dos personagens da Marvel: assim sendo, piadinhas deslocadas, sequências de ação monstruosas e relacionamentos infrutíferos eram visualizados em todos os longas-metragens provenientes da companhia. E se no primeiro, a visão poética do inglês ofuscava boa parte desses problemas; o novato Alan Taylor abraça sem pestanejar as falhas anteriores, neste segundo.

Escrito por Christopher Yost, Christopher Markus e Stephen McFeely, baseados na história de Don Payne e Robert Rodat, inspirados nas HQS de Stan Lee, Larry Lieber e Jack Kirby, a história acompanha a busca pela paz nos nove reinos liderada por Thor, que está prestes a se tornar o novo rei. Depois que Jane Foster “acidentalmente” libera algo capaz de destruir o universo (genial!), o elfo negro Malekith retorna depois de um grande período de sono para – como não poderia deixar de ser – iniciar uma guerra e destruir os nove reinos.

Procurando satirizar a ciência por meio de diálogos absurdos e situações inverossímeis, mas não deixando se levar a sério por pertencer a um mundo em que temos um deus do Trovão, Taylor até procura referenciar o primeiro filme por meio de suas sequências de batalhas com o uso pontual de slow motion, mas abusa dos cortes rápidos e utiliza grandes explosões para abafar uma falta de domínio de sua mise-en-scène. Da mesma forma, o diretor peca ao tentar construir algo imprescindível pro decorrer de sua trama na sequência inicial, mas que carece de profundidade. A história dos elfos negros fica tão vaga, aliás, que o próprio roteiro reconta no segundo ato tudo que havíamos visto no primeiro – mostrando que a própria narração em off que costuma iniciar os filmes da Marvel virou apenas uma engrenagem à toa.

Mas há de se ressaltar que o roteiro de Yost, Markus e McFeely é impressionante por revelar que o máximo que seis mãos e três mentes educadas possam bolar são diálogos como “onde está o seu coração” ou “perceba o que está em sua frente”. Limitados pelos roteiristas, portanto, os principais personagens de Asgard ficam parecendo muito mais adolescentes mimados em busca de confusão do que seres evoluídos – algo refletido em seus próprios posicionamentos perante os outros. Um exemplo claro é a forma com que todo o personagem que está irritado prova o seu ponto: gritando alguma bobagem. Ou na forma como controlam um romance infantil dando ares ainda piores: “você falou de mim para os seus pais?”. E ainda que o design de produção de Charles Wood e a fotografia de Kramer Morgenthau produzam cenas interessantes, como um lindíssimo enterro ocorrido em Asgard – evidenciando a água, o fogo, as estrelas e as oferendas em um imenso lago –, os cenários e a fotografia dessaturada utilizados para destacar as terras mais sombrias parecem sempre provenientes de algo reaproveitado de 300.

E se Hemsworth surge perdido numa história de amor que carece de química e se limita aos trejeitos do primeiro filme, Natalie Portman é ainda mais inconveniente na forma de uma vergonhosa Jane Foster, que não consegue nem comprovar a sua perplexidade com o mundo novo que acaba de conhecer. Tom Hiddleston, por sua vez, é o único do elenco que consegue criar algo a mais com o seu Loki – roubando a cena e evitando um pouco mais a tortura dramática que fomos submetidos. O seu olhar e a maneira como se posiciona chegam, inclusive, a lembrar certeiramente a aparência de uma cobra.

Rendendo-se as piadinhas incessantes, como as que envolvem o físico de Thor, alguém que perdeu as calças ou um machado sendo pendurado num cabide, o maior problema de Alan Taylor acaba sendo acreditar que o relacionamento entre o casal era um dos principais potenciais do filme, sendo que era a principal falha. Até mesmo a sutileza com que as mentiras de Loki eram expostas perde um pouco da beleza quando já sabemos exatamente o clímax do terceiro ato minutos antes – e o sorriso asqueroso de um soldado prova precisamente esse ponto. No final, é uma pena que, embora a Marvel tenha criado uma estrutura complementar tão interessante entre seus filmes, queira atrapalhar os horizontes de seus personagens por acreditar que encontrou uma fórmula infalível.


                             

1 de novembro de 2013

É o Fim

This Is the End, EUA, 2013. Direção: Evan Goldberg e Seth Rogen. Roteiro: Seth Rogen e Evan Goldberg, baseado no curta-metragem Jay e Seth Vs. O Apocalipse de Jason Stone. Elenco: Seth Rogen, Jay Baruchel, Jonah Hill, James Franco, Danny McBride, Craig Robinson, Emma Watson, Michael Cera, Mindy Kaling, David Krumholtz, Christopher Mintz-Plasse, Rihanna, Martin Starr, Paul Rudd, Kevin Hart Aziz Ansari, Jason Segel e Channing Tatum. Duração: 107 min.

Não há como não se render a ideia de É o Fim: como um bando de celebridades descompromissadas com suas respectivas vidas, durante uma festa popular, encaram o fim do mundo. Não há noticiários, água, luz, vandalismos nas regiões urbanas ou qualquer tipo de coisa que retire o foco de um grupo de jovens presos na residência de James Franco. E é sob esta ótica que somos agraciados com alguns dos melhores momentos da comédia em 2013, mas que também somos limitados às reações de apenas seis pessoas em um ambiente fechado e distante da ameaça real.

Escrito por Seth Rogen e Evan Goldberg, que também dirigem, a história se concentra no ponto de vista dos dois sobre o apocalipse. Em um dia aparentemente normal, as pessoas começam a serem arrebatadas para os céus para escapar do juízo final, enquanto as que ficam no planeta passam a ter que fugir do diabo e encontrar uma maneira de também serem arrebatados.

Oferecendo uma visão própria do apocalipse, Rogen inicia o longa-metragem com brincadeiras típicas de sua filmografia: gags com maconhas (“Olá, pequenos Hobbits. Acendam a minha erva”), o ambiente sarcástico que os personagens estão inseridos e, obviamente, os diálogos envolvendo sexualidade. Todavia, mais tarde, intervém na forma convencional como explora os clichês e é hábil na representação de inferno e paraíso – os da cidade vão para cima, as estrelas para baixo. É a visão mundana e irreverente de Rogen que conquista os maiores acertos da narrativa. Até mesmo no momento do fim do mundo, por exemplo, o filme exibe timing nas reações: “Jesus! Jesus! Oh, meu Deus!”. Da mesma forma, os estereótipos são avaliados de forma eficientemente radical – neste caso, observe a sequência que Craig Robinson e Emma Watson começam a indagar Jay sobre um suposto hipsterismo e se ele gosta de Forrest Gump. Jay Baruchel, aliás, que por ser um dos mais desconhecidos do elenco serve como ponte entre o espectador e aquele mundo das celebridades, ao menos no primeiro ato. Ao mesmo tempo, Goldberg e Rogen conseguem uma maneira de utilizar o sex appeal de Michael Cera de maneira singular – oferecendo alguns dos melhores momentos do roteiro. Não poderia deixar passar em branco a própria autocrítica que é avaliada de forma tragicômica em determinado instante: a aprovação dos atores e o minuto de atenção ao olhar a TV de Franco subindo do chão.

Por outro lado, o exagero que passa a ser fator comum a partir do final do segundo ato abala quase toda a estrutura construída até então. Falta timing ao exorcismo de Jonah, por exemplo; Rogen acredita ser muito engraçado um personagem beber urina; carecemos de um protagonista, quando é decidido que a história de Jay acabaria quando surgisse a invasão; e o que funcionava antes no confessionário (“Hermione roubou nossas coisas!) se perde completamente. Além do mais, as sequências envolvendo músicas e drogas são sempre desconcertantes – tanto Gangnam Style depois de alguém tomar um copo de ecstasy ou uma dança ao som dos Backstreet Boys, que, vamos ser sinceros, eram relevantes só na década de 90.

Mas, no final das contas, É o Fim atrai o espectador por mostrar um bando de “garotos” se divertindo. Tanto na personificação de Woody Harrelson, a comemoração de uma invasão zumbi, as brincadeiras quanto ao Segurando as Pontas e a hilária prece de Jonah Hill são reflexos dessa visão zombeteira. E há de se render à coesão da história, quando vemos o paraíso perfeito dos diretores com maconha, festas e montanha-russa.