Embora sua filmografia seja curta, o diretor Paul Greengrass já estabeleceu um ponto em comum em cada um de seus longas-metragens: além de suas tramas estarem mergulhadas em um ambiente político opressivo, a frieza com que destaca as emoções de seus personagens em situações caóticas impressiona. Não à toa, a principal cena de Vôo United 93 apontava cruamente a escolha dos passageiros em tomar o avião; e, mesmo que soubéssemos o destino de cada um deles ao tomar essa decisão, torcíamos para eles até o minuto final. Em Capitão Phillips, o capitão interpretado por Tom Hanks também já possui um previsível destino traçado, mas não por isso menos doloroso.
Escrito por Billy Ray (Jogos Vorazes), baseado na obra do próprio Richard Phiillips e Stephan Talty, a trama gira em torno de um capitão que vê o seu cargueiro sendo raptado por piratas do alto mar que procuram dinheiro. Depois da tripulação comandada por Phillips se revoltar contra os invasores, o personagem-título é raptado pelos piratas e passamos a acompanhar a sua sobrevivência.
Enquadrando o capitão de perfil desde o início, Greengrass centraliza todas as atenções no trabalho de Hanks e Phillips. Ainda que procure evidenciar um paralelo entre os americanos e somalis, ressaltando as suas condições e sua política (“Ah, sim. Países ricos se preocupam muito em ajudar os países mais pobres”), o que acompanhamos é a resistência de um sequestrado. As ações do roteiro, nesta perspectiva, são notáveis ao apontar o que se pode empregar nesse tipo de caso: mantenha os seus sequestradores falando, não os deixe dominar totalmente a situação. Além disso, a decisão de criar esse paralelo se prova certeira no momento em que “Magro” (Abdi, excelente!) põe os pés no cargueiro e tememos pelas vidas a bordo por já conhecer previamente seu temperamento violento e explosivo. Como se não fosse o bastante, o diretor também se mostra dono de um estilo “scottiano” mais talentoso; aliando o ritmo frenético com substância, querendo dizer algo e não apenas transmitir sensações de ação descontrolada. Note, por exemplo, a forma como é transmitida a tensão durante a perseguição na água.
É Tom Hanks, contudo, que oferece um dos melhores trabalhos de sua carreira ao personificar Phillips com destreza, compaixão e vulnerabilidade comoventes. O ator nos oferece uma perda de controle sintomática e brilhante ao mostrar a rotina de seu capitão freada pela instabilidade de seus sequestradores. Rich é uma pessoa de poucos diálogos, com mania de filosofar sobre assuntos econômicos e está em uma relação extremamente superficial e desgastada com a esposa (analise os ligeiros tapinhas carinhosos com que conforta a sua companheira no carro). O único local em que se sente em casa, como não poderia deixar de ser, é o mar. Onde se encontra em paz no seu quarto, ouve música e pode acessar os seus e-mails sem a responsabilidade de um homem de família, apesar de tentar transmitir essa saudade por mensagens eletrônicas. Ele exibe sua naturalidade de comandante nas vistorias de sua embarcação, solta um suspiro antes de entrar na cabine de comando como se estivesse se preparando para uma nova missão e possui sua própria rotina (veja, assim sendo, como nas três vezes que o vemos nessa situação – em duas, ele entra sem olhar para os tripulantes e busca seu café, enquanto na ocasião em que os piratas vão finalmente entrar no cargueiro, o café é despercebido).
Ao mesmo tempo, provando ser uma pessoa simples, Phillips não usa uniforme ou ostenta a sua função perante os subordinados, ele faz parte de um coletivo – algo que cria mais apreço com os seus comandados e o próprio espectador. Da mesma forma, a maneira como comanda ou lida com as situações esbanjam seu caráter formal de oficial (“Vamos ver se nos seguem!” e “Estou na poltrona 15” são bons exemplos do comportamento pragmático de capitão). E é exatamente na maneira aparentemente controlada de seu Richard Phillips que a sua perda de controle gradual se torna ainda mais impactante e envolvente. Buscando de todas as formas sair da situação em que está, tentando criar vínculos com os piratas, entendê-los, ou até mesmo fugir nadando, Hanks nunca parece aceitar o seu destino e tenta escapar de todas as maneiras possíveis, assim, tornando o seu ataque impensado a um dos piratas uma reação curiosamente emocional e gigante do ponto de vista dramático. Igualmente, o seu olhar emocionado e assustado quando se vê com uma arma apontada para a sua testa, num dos únicos closes frontais de Greengrass na narrativa, denota ares ainda mais impressionantes na cena seguinte, quando o personagem finalmente aceita, de forma ímpar, o seu destino – em um dos olhares mais reflexivos e corajosos sobre a morte que tivemos no ano. E, pare de ler aqui se ainda não tiver visto o filme, é marcante a reação de Hanks ao notar que ainda está vivo e o seu grito desesperado de alguém que sofreu por tanto tempo e já havia aceitado a sua morte; combinado, claro, com a maravilhosa sequência pós-choque que, indubitavelmente, deverá trazer alguns prêmios por seu trabalho.
Intenso sem ser exagerado, Capitão Phillips abala pelo seu pragmatismo. Está na frieza e no afastamento com que Greengrass enxerga a história, a certeza de uma realidade triste. A fragilidade da vida, afinal, não precisa de artifícios teatrais para soar ainda mais extraordinária.
Um comentário:
Excelente crítica, pois conseguiu captar detalhes que me haviam escapado aos olhos.
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