21 de novembro de 2013

Jogos Vorazes: Em Chamas

The Hunger Games: Catching Fire, EUA, 2013. Direção: Francis Lawrence. Roteiro: Simon Beaufoy e Michael Arndt, baseado no romance de Suzanne Collins. Elenco: Jennifer Lawrence, Liam Hemsworth, Woody Harrelson, Josh Hutcherson, Elizabeth Banks, Phillip Seymour Hoffman, Jena Malone, Jack Quaid, Taylor St. Clair, Sandra Ellis Lafferty, Paula Malcomson, Willow Shields, Bruce Bundy, Nelson Ascencio, Lenny Kravitz, Allan Ritchson, Stephanie Leigh Schlund, Meta Golding, Jeffrey Wright, Amanda Plummer, Lynn Cohen, Patrick St. Esprit, Wilbur Fitzgerald, Stanley Tucci e Donald Sutherland. Duração: 146 min.

Caso soubesse que a trama “bobinha” do primeiro Jogos Vorazes fosse se transformar em um exemplar tão interessante e profundo, eu teria tido grandes expectativas quanto ao futuro da história de Katniss e Peeta. Afinal, a maturidade com que o roteiro de Beaufoy e Arndt tratam a política de desmoralização e até a mais óbvia política do medo merecem os devidos aplausos por nunca subestimar a inteligência do público e oferecer tons muito mais ameaçadores que um “simples” jogo de vida ou morte: transformando, durante esse percurso, a história pensada por Collins em um belo estudo do uso do instrumento político e sua fragilidade.

Escrito por Simon Beaufoy e Michael Arndt (o primeiro responsável por Quem Quer Ser um Milionário e o segundo por Toy Story 3), baseados na saga de Suzanne Collins, a história retorna pouco tempo depois do primeiro filme. Katniss (Lawrence), agora uma das sobreviventes mais inspiradoras dos chamados Jogos Vorazes, precisa continuar fingindo uma paixão inexistente por Peeta (Hutcherson) para a sociedade não perceber a fragilidade política do totalitário Snow (Sutherland), que tenta controlar a esperança adquirida pelo povo no último jogo. Para isso, o presidente contrata um novo controlador chamado Plutarch Heavensbee (Hoffman) para bolar uma versão muito mais aterrorizante para um novo e impensado jogo: o retorno dos vencedores.

Expondo essa atmosfera opressiva e desoladora desde o instante em que o filme se inicia, quando observamos Katniss em uma floresta negra denunciando as sequelas traumáticas que adquiriu nos jogos, Lawrence consegue articular eficientemente o viés político questionador que quer adentrar e convence na forma como nos insere nas ambientações. Nesta perspectiva, analise o momento em que Katniss e Peeta estão se dirigindo para uma localidade num trem luxuoso e como saímos do verde das florestas e da natureza para um local que lembra quase uma concentração de guerra. Além disso, não só o simbolismo da encenação do amor entre os dois jovens se encaixam perfeitamente no ótimo roteiro, como a admiração construída naturalmente por ambos é admirável. Note, por exemplo, o olhar de Katniss para Peeta durante o discurso mais comovente do filme e a interrupção que a breve honestidade provoca: uma morte desnecessária e cruel. Da mesma forma, já que o próprio presidente assume que o sistema em que estão é frágil e o desafio que a protagonista provocou é temível, a separação social entre vila dos vencedores e o resto da população já desperta um tom muito mais intenso que o primeiro longa-metragem.

Aliás, mesmo que evidencie sua insegurança na forma como pensa seus enquadramentos e planos (os closes aqui e ali sem função aparente ou os personagens sempre visualizados de costas quando entram em algum lugar), Lawrence também é inteligente em conduzir as ramificações indesejadas que o sacrifício de Katniss gerou na população num fortíssimo primeiro ato (“Um dia, eu serei voluntária como você!”). Isto, igualmente, acaba tornando o discurso dúbio do personagem de Hoffman em algo muito mais interessante do que realmente parece à primeira vista. (Aqui, eu irei abrir um parênteses para quem já viu o filme, portanto, pare de ler se você não está familiarizado com o clímax final. Considere, no momento da conversa entre Plutarch e Katniss, como o novo programador destaca a sua “ambição”e como afirma que foi ela que o inspirou a voltar. E, se nesse primeiro momento o tom é de ares perigosos, nossa visão é corrigida quando notamos que tudo aquilo não passava de dicas para ela saber que não estava sozinha. Havia a tal da esperança mais uma vez. A ambição de uma revolta popular já era mais palpável. Além do mais, lembre-se que ele chega a afirmar que é fácil esconder a sua verdadeira personalidade nessas festas).

Contudo, o roteiro de Simon Beaufoy e Michael Arndt é o que mais tem direito ao reconhecimento do salto de qualidade de um filme para o outro. Trabalhando muitíssimo bem a já conhecida política do medo, somando isto à destruição de uma figura (“Qual o bolo do casamento? Execuções. O vestido que irá usar? Torturas.”), ambos conseguem exibir o domínio da força totalitária do governo com certo apelo: um açoitamento público, onde um soldado agride alguém sem seguranças a sua volta ou as celebrações de um terceiro massacre são excelentes exemplos. E mesmo que o clichê romântico seja compreensível na estrutura, é muito mais satisfatório avaliarmos como todos os personagens possuem suas próprias particularidades e se tornam tão importantes como Katniss ou Peeta no jogo. Isso já seria admirável por si só, caso não fosse ainda mais fascinante notar que essa empatia vai sendo produzida aos poucos – como se estivéssemos os conhecendo na mesma medida que os dois protagonistas.

Sob esta ótica, aliás, a seleção do elenco é outro ponto forte. Enquanto Harrelson e Hutcherson se limitam a continuar os maneirismos do primeiro filme, os coadjuvantes são bem mais admiráveis: ao começar por Jena Malone, que consegue ir de alívio cômico para uma figura dominante em pouco tempo; Sutherland se mostra muito à vontade em equilibrar seu tom vilanesco com algo mais intimista, como vemos na cena com sua filha; enquanto Hoffman nos brinda novamente com um grande trabalho ao trazer para seu personagem uma ambiguidade inesperada. Uma pena que Jennifer Lawrence não seja tão certeira quanto no primeiro filme e suas tentativas de representar instabilidade são frustradas por ela nunca criar uma linha entre o seu choro desenfreado e a sua força.

Num ano em que Homem de Aço, Star Trek, Homem de Ferro 3 e outros filmes se guiaram por uma mentalidade muito mais explosiva para explicar seus grandes orçamentos, Jogos Vorazes: Em Chamas acaba sendo um grande alívio.

                                    

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