Idem,
EUA, 2013. Direção: Woody Allen. Roteiro: Woody Allen. Elenco: Cate
Blanchett, Alec Baldwin, Sally Hawkins, Bobby Cannavale, Andrew Dice
Clay, Daniel Jenks, Max Rutherford, Kathy Tong, Max Casella, Ali
Fedotowsky, Michael Stuhlbarg, Alden Ehrenreich, Louis CK, Peter
Sarsgaard, Joy Carlin. Duração: 98 min.
Woody
Allen é um perfeito exemplo de cineasta que encontrou em seus filmes
uma maneira de refletir sobre a própria existência, neuroses
cotidianas, medos comuns e possuir uma forma de desabafo – quer
gostemos dele ou não. Um diretor que realiza uma espécie de
crônicas filmadas, procurando estabelecer na figura de um
protagonista a sua própria essência. Assim, pode-se observar
exemplos recentes em sua filmografia que sustentam essa tese, como
Owen Wilson em Meia-Noite em Paris ou Larry David em Tudo
Pode Dar Certo. Quando surgem os primeiros acordes jazzistas de
Blue Jasmine e o monólogo obsessivo de uma personagem, por
exemplo, sabemos que estamos sendo inseridos em uma história
roteirizada pelo diretor; todavia, uma narrativa que surpreende pela
sua gama de sofrimento e completo desapego com o seu conhecido humor
– algo que, talvez, não víamos desde Interiores.
Escrito e
dirigido por Woody Allen, a história gira em torno de Jasmine
(Blanchett), uma mulher extremamente rica que perde todo o seu
dinheiro, após o marido Hal (Baldwin) ser preso pelo FBI por
sonegação de impostos. Ela passa a viver com a irmã adotada em São
Francisco e tenta se reestabelecer na vida – mesmo que ela não
tenha nenhuma pista de por onde começar. Assim, ela ensaia uma volta
aos estudos, mas acaba trabalhando de assistente de dentista para
suprir suas dívidas e pagar os custos de um curso à distância que,
acredita, poderá mudar sua vida mais uma vez.
Buscando
encontrar o equilíbrio entre duas realidades, num contraste entre o
brilho da alta classe e a aparência da classe média no ponto de
vista de sua protagonista, Allen não se limita a concentrar a sua
força narrativa na atuação de Cate Blanchett; muito pelo
contrário, o diretor se permite criar um verdadeiro – e
impressionante – retrato sobre a futilidade e a riqueza de alguns
poucos. Jasmine, por exemplo, encontra-se nesta ótica: restringe-se
à ostentação, ao círculo de amigos do marido e às grandes festas
de arrecadações de fundos. Não planeja um futuro para si e vive
sob completa influência dos laços matrimoniais, sem independência.
Quando sua realidade muda abruptamente, entra em colapso. E é
curioso avaliar essa estrutura dramática conduzida por Allen: note o
desabafo incontido da personagem durante um voo, refletindo sobre a
sua atual condição e como ela tenta ressaltar um brilho que não
existe mais (“aquela ali é minha Vuitton!”). O diretor, aliás,
escancara muito mais esse mundo infeliz e de angústia da personagem
do que mascara com toques de humor, mesmo que eles apareçam vez ou
outra (“Você olhou para mim.” “Sim. Uma vez. E foi um erro!”).
Não há graça na situação de Jasmine, que chegou a trocar de nome
para não representar nada de sua vida anterior, apenas o que
lamentar: é doloroso ver a personagem falar sozinha ao insistir que
está vendo Érica, alguém que só está presente em sua mente
naquele instante.
Não
existem caricaturas em Blue Jasmine. Qualquer um de seus personagens
são palpáveis e instigantes. Chilli é uma pessoa que, por mais que
tenha suas dificuldades com a bebida e em se manter apresentável
perante a uma ex-socialite, está completamente apaixonado por Ginger
– e vemos essa mesma confiança que ela observa nele. Ela, por sua
vez, não quer errar de novo, e busca se guiar pelas dicas de sua
irmã ao procurar conforto nas mãos de um “cavalheiro” Louis CK,
que também é uma ilusão de vida para as duas protagonistas. Hal é
o exemplo clássico de marido voltado ao trabalho e empresário que
se tornou bem-sucedido devido às suas ilegalidades – cabe destacar
a expressão de preocupação e atenção aos negócios que ele passa
a ter à medida que os flashbacks vão ficando mais intensos. Já
Cate Blanchett, finalmente, serve perfeitamente aos propósitos de
Allen por conferir a dose certa de temperamento instável,
perturbação, ansiedade e exibir uma dor constante na aparência de
sua Jasmine. Seus monólogos solitários são sempre dolorosos e
frágeis.
É,
afinal, uma protagonista nostálgica. Sente-se desconfortável por
falar na falência de seu marido ou de sua falta de perspectiva
futura – analise o close que Allen faz durante uma refeição
quando dois personagens insistem neste assunto. Não apenas
saudosista com o relacionamento que cultivava com Hal, mas com sua
própria riqueza e banalidades. O próprio romance breve com Dwight
confirma essa tese. Porque Jasmine é agora um disco quebrado (e o
filho adotivo trabalhando em uma loja de instrumentos usados não
poderia ser um símbolo melhor) que continuará tocando a melodia de
Blue Moon eternamente.
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