18 de novembro de 2013

Blue Jasmine

Idem, EUA, 2013. Direção: Woody Allen. Roteiro: Woody Allen. Elenco: Cate Blanchett, Alec Baldwin, Sally Hawkins, Bobby Cannavale, Andrew Dice Clay, Daniel Jenks, Max Rutherford, Kathy Tong, Max Casella, Ali Fedotowsky, Michael Stuhlbarg, Alden Ehrenreich, Louis CK, Peter Sarsgaard, Joy Carlin. Duração: 98 min.

Woody Allen é um perfeito exemplo de cineasta que encontrou em seus filmes uma maneira de refletir sobre a própria existência, neuroses cotidianas, medos comuns e possuir uma forma de desabafo – quer gostemos dele ou não. Um diretor que realiza uma espécie de crônicas filmadas, procurando estabelecer na figura de um protagonista a sua própria essência. Assim, pode-se observar exemplos recentes em sua filmografia que sustentam essa tese, como Owen Wilson em Meia-Noite em Paris ou Larry David em Tudo Pode Dar Certo. Quando surgem os primeiros acordes jazzistas de Blue Jasmine e o monólogo obsessivo de uma personagem, por exemplo, sabemos que estamos sendo inseridos em uma história roteirizada pelo diretor; todavia, uma narrativa que surpreende pela sua gama de sofrimento e completo desapego com o seu conhecido humor – algo que, talvez, não víamos desde Interiores.

Escrito e dirigido por Woody Allen, a história gira em torno de Jasmine (Blanchett), uma mulher extremamente rica que perde todo o seu dinheiro, após o marido Hal (Baldwin) ser preso pelo FBI por sonegação de impostos. Ela passa a viver com a irmã adotada em São Francisco e tenta se reestabelecer na vida – mesmo que ela não tenha nenhuma pista de por onde começar. Assim, ela ensaia uma volta aos estudos, mas acaba trabalhando de assistente de dentista para suprir suas dívidas e pagar os custos de um curso à distância que, acredita, poderá mudar sua vida mais uma vez.

Buscando encontrar o equilíbrio entre duas realidades, num contraste entre o brilho da alta classe e a aparência da classe média no ponto de vista de sua protagonista, Allen não se limita a concentrar a sua força narrativa na atuação de Cate Blanchett; muito pelo contrário, o diretor se permite criar um verdadeiro – e impressionante – retrato sobre a futilidade e a riqueza de alguns poucos. Jasmine, por exemplo, encontra-se nesta ótica: restringe-se à ostentação, ao círculo de amigos do marido e às grandes festas de arrecadações de fundos. Não planeja um futuro para si e vive sob completa influência dos laços matrimoniais, sem independência. Quando sua realidade muda abruptamente, entra em colapso. E é curioso avaliar essa estrutura dramática conduzida por Allen: note o desabafo incontido da personagem durante um voo, refletindo sobre a sua atual condição e como ela tenta ressaltar um brilho que não existe mais (“aquela ali é minha Vuitton!”). O diretor, aliás, escancara muito mais esse mundo infeliz e de angústia da personagem do que mascara com toques de humor, mesmo que eles apareçam vez ou outra (“Você olhou para mim.” “Sim. Uma vez. E foi um erro!”). Não há graça na situação de Jasmine, que chegou a trocar de nome para não representar nada de sua vida anterior, apenas o que lamentar: é doloroso ver a personagem falar sozinha ao insistir que está vendo Érica, alguém que só está presente em sua mente naquele instante.

Não existem caricaturas em Blue Jasmine. Qualquer um de seus personagens são palpáveis e instigantes. Chilli é uma pessoa que, por mais que tenha suas dificuldades com a bebida e em se manter apresentável perante a uma ex-socialite, está completamente apaixonado por Ginger – e vemos essa mesma confiança que ela observa nele. Ela, por sua vez, não quer errar de novo, e busca se guiar pelas dicas de sua irmã ao procurar conforto nas mãos de um “cavalheiro” Louis CK, que também é uma ilusão de vida para as duas protagonistas. Hal é o exemplo clássico de marido voltado ao trabalho e empresário que se tornou bem-sucedido devido às suas ilegalidades – cabe destacar a expressão de preocupação e atenção aos negócios que ele passa a ter à medida que os flashbacks vão ficando mais intensos. Já Cate Blanchett, finalmente, serve perfeitamente aos propósitos de Allen por conferir a dose certa de temperamento instável, perturbação, ansiedade e exibir uma dor constante na aparência de sua Jasmine. Seus monólogos solitários são sempre dolorosos e frágeis.

É, afinal, uma protagonista nostálgica. Sente-se desconfortável por falar na falência de seu marido ou de sua falta de perspectiva futura – analise o close que Allen faz durante uma refeição quando dois personagens insistem neste assunto. Não apenas saudosista com o relacionamento que cultivava com Hal, mas com sua própria riqueza e banalidades. O próprio romance breve com Dwight confirma essa tese. Porque Jasmine é agora um disco quebrado (e o filho adotivo trabalhando em uma loja de instrumentos usados não poderia ser um símbolo melhor) que continuará tocando a melodia de Blue Moon eternamente.  


                                   

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