The
Conjuring,
EUA, 2013. Direção: James Wan. Roteiro: Chad Hayes, Carey Hayes.
Elenco: Vera Farmiga, Patrick Wilson, Lili Taylor, Ron Livingston,
Shanley Caswell, Hayley McFarland, Joey King, Mackenzie Foy, Kyla
Deaver, Shannon Kook, John Brotherton, Sterling Jerins, Marion Guyot,
Morganna Bridgers, Amy Tipton. Duração: 112 min.
Terror é o meu
gênero favorito. Desde, bem... sempre. A minha primeira paixão
cinematográfica, inclusive, foi um improvável A Experiência,
de 95. Há algo no gênero que não existe em nenhum outro: a maneira
como as sensações são afetadas/conquistadas. Existe um sabor
diferente em experimentar uma obra como O Gabinete do Dr.
Caligari, com suas imagens inesquecíveis, um exemplar de Dario
Argento, Wes Craven, Mario Bava, Carpenter, e a fórmula quase
imortal que uma série de longas criaram ano após ano. James Wan,
assim como eu, também é um completo apaixonado pelo cinema de
horror e suas ramificações. Sua linguagem, seus realizadores, suas
sequelas, artimanhas e passado – para o diretor, não é o que se
cria, mas como você trabalha o que já foi criado, o segredo. O que
poderia ser considerado original em 2013?! Wan une o que o espectador
mais preza em uma estrutura típica – mansões mal-assombradas,
exorcismos, investigadores paranormais, levitações, possessões,
barulhos –, mas, muito mais do que isso, parece apreciar tanto
quanto nós aquele mundo de caos.
Não há
novidades em Invocação do Mal, afinal, mas um ápice do ambiente
formulaico que os personagens estão inseridos. Começando pela
atmosfera quase juvenil que embarcamos com o rosto de uma boneca
possuída e os Warren explicando a origem maléfica da possessão: as
expressões de choque de uma família assustada, as palavras deixadas
pelo demônio e o foco no “olhar” do brinquedo. O fundo branco de
um slide com os personagens em frente e a fusão para uma fotografia,
aliás, adiciona algo singular para os créditos. Da mesma
forma, James Wan segue em sua apresentação convencional de outra
temática, a família chegando em uma nova casa mal-assombrada, o
cachorro que pressente algo, a filha que não gosta da novidade, a
casa imponentemente bela por fora, mas triste e desgastada por dentro
(quase sufocante), e os primeiros acontecimentos sobrenaturais.
Porém, ao mesmo tempo em que o diretor busca imprimir os aspectos
conhecidos, ele nunca perde o estilo com que os demonstra – assim,
observe o plano-sequência com o que nos põe na casa pela primeira
vez e como só corta a sequência no instante em que um objeto para
afastar espíritos ruins é visto. Igualmente, analise como a
fotografia de John Leonetti evoca os tons claustrofóbicos que a
narrativa passa a ganhar – destacando-se as cenas passadas no
porão, a forma como o casarão passa a ter menos cor, a escuridão
gradual e como consegue indicar o frio. O design de produção de
Julie Berghoff também é competente em contrastar a mansão branca
entre a vegetação densa.
Todavia, ao
mesmo tempo em que o roteiro não nos surpreende com a trama geral,
os irmãos Hayes – e juro que é difícil acreditar que estou
dizendo isso – são eficazes em produzir as reais intenções por
trás dos espíritos que rodeiam a família Perron: quem são eles e
qual será a vítima (a mãe com os roxos no corpo ou as filhas que
tiveram contato direto com eles?)? Outra coisa, os fantasmas estão
com medo de outros, por isso se escondem? Além do mais, eles não se
sentem tímidos para responder perguntas básicas de outros filmes,
como os insultos a santíssima trindade e os três atos (infestação,
opressão e possessão). Mais, o humor também é suficientemente
sutil (“precisei ir ao banheiro”).
James Wan, por
sua vez, continua ao mostrar seu talento na construção dos sustos
com travellings certeiros e suas sequências internas – afora o
esconde-esconde (“quer brincar?”) e os acontecimentos da
madrugada, a melhor deve ser entre as paredes da propriedade. O
diretor, ainda, inverte aos poucos o mundo dos protagonistas e
captura nos enquadramentos uma sensação de instabilidade –
quando entramos no porão, no terceiro ato, estamos de cabeça para
baixo. Também percebe que o silêncio é mais importante que a
trilha sonora invasiva: “Às vezes é melhor deixar o gênio na
garrafa”.
Rendendo-se até
mesmo aos antigos mitos ao indicar um lençol branco flutuando, James
Wan junta o que o cinema de terror possui de melhor. Ao final, quando
notamos a família em um círculo simbolizando a felicidade, acaba
sendo um perfeito exemplo para um apaixonado que esperava há anos
uma homenagem dessas.
O
esconde-esconde de James Wan
(A partir daqui, leia somente se já assistiu ao longa)
Uma das coisas
mais agradáveis do terror é a linha genérica que carrega as
homenagens aos grandes mestres antigos e a maneira como um diretor
que possui conhecimento da linguagem explora as artimanhas que o
gênero pode oferecer. Em um determinado instante de Invocação do
Mal, por exemplo, observamos uma cena icônica para demonstrar as
nossas ultrapassadas maneiras de assombrar as pessoas: por meio de um
lençol branco. Uma coisa que parece previamente simples, mas que se
torna muito significativa em todo o contexto proposto pelo diretor.
Afinal, nós somos postos perante diversas referências do cinema
clássico por toda a narrativa, o que torna a passagem do lençol até
a janela de Carolyn (perceba, aliás, que é para onde o cachorro
late na primeira noite antes de morrer e é a única iluminada em
toda a casa – como se necessitássemos prestar atenção apenas
nela) algo muito mais assombroso, pois representa a evolução do
gênero: o que as histórias eram e o que o cinema as tornou. Uma
simples sugestão de algo transparente e sem vida até o choque da
aparência demoníaca.
Da mesma forma que
Pânico, James Wan expõe de imediato o espírito na nossa primeira
entrada no porão (note que a sua forma é evidenciada passando ao
lado de Roger iluminado por um fósforo), como se quisesse nos dizer
que já havíamos visto tudo aquilo antes e não há motivo para
tardar essa exposição. Assim como o relógio parado às três horas
e sete minutos, descrito de maneira importante na historia – a
morte da primeira proprietária das terras foi nesse horário –,
mas que já havíamos visto em Amityville, O Exorcista, Desafio do
Além, A Mansão Macabra (o próprio relógio da casa lembra o do
filme), entre outros. As homenagens presentes nos dois primeiros atos,
aliás, são interessantíssimas: Poltergeist é óbvio quando vemos
a estática na televisão; O Exorcista na maneira expositiva das
sequelas físicas; Os Pássaros é outra referência clara ao
visualizarmos eles tentando invadir a casa, que possui uma espécie
de ímã; o corredor da casa tem muito de Psicose; as vozes de A Casa
Amaldiçoada; a boneca de Dolly Dearest; o lago de Amityville; a
névoa ressaltando o terror que aos poucos invade a tela, A Bruma
Assassina; além do terror circense que pontualmente aparece como
lembrança no museu de horror da família Warren e na caixa de música
de Rory que recorda as tendas de um circo.
Além do mais, os
espíritos tendem a ter motivos particulares acerca de suas mortes,
mesmo que elas façam parte de um mesmo ritual satânico. Rory, por
exemplo, é um garoto que não possui qualquer tipo de aura maléfica.
Ele deseja proteger sua nova amiga, pois sabe do que o demônio é
capaz. Os próprios espíritos agem de maneira diferente e têm medo
de Bathsheba. A menina sonâmbula é guiada por Rory, pois ele tenta
a levar para seu esconderijo – não é algo gratuito. O armário,
igualmente, é filmado por Wan com uma certa imponência (de baixo
para cima), pois é quase inatingível. Enquanto isso, a mãe já
passa a ser utilizada como o receptáculo do demônio, ela é levada
a chamá-lo – o piano, convencionalmente utilizado em outras
décadas para provocar pavor, é tocado por Carolyn três vezes; os
mesmos três acordes que são usados para chamá-la no porão. É um
belo jogo de xadrez entre investigadores paranormais e espíritos:
analise, por exemplo, a maneira como a felicidade é destituída
daquela residência, começando pelas cores que vão desaparecendo
pelo lado de fora e os quadros sendo jogados ao chão, para depois
provocar um desgaste na mãe das crianças, que sofre por ver suas
filhas assustadas e a sua impotência diante sua “doença”. O pai
é o cético, óbvio. Não sabe o caminho para seguir. A primeira vez
que entra na casa e vê a situação no seu novo lar, ele pergunta
quem está lá. Quem entrou na casa para machucar a sua família. Não
sabe a dimensão do perigo. A natureza da sua dor é verossímil:
possui uma família de sete pessoas, gastou todo o seu dinheiro numa
propriedade que os quer morto (meio sarcástico ela ter sido sorteada
pelo banco, certo?!), sacrifica-se pelo conforto de todos ao aceitar
serviços pela metade do preço e se vê impotente numa sociedade
machista dos anos 70. As filhas, por sua vez, contém seus próprios
problemas. A mais velha se preocupa com as mais novas, mas ela não
queria ter ido para a casa de início. Sente-se triste ao ver o
sofrimento das irmãs, que são assombradas individualmente pelos
espíritos (o olhar perdido de uma delas quando vê alguém na
escuridão do quarto é comovente).
Mais,
James Wan também versa com a racionalidade de muitos casos – algo
que outros filmes do gênero também já fizeram – e aponta para os
nossos medos juvenis, principalmente: armários, quartos escuros,
mansões mal-assombradas, pés sendo puxados de noite, barulhos
incômodos, trovoadas, a presença dos espíritos sentida pelo frio,
bruxas, etc. Vale salientar que até o tom documental adquirido pela
câmera subjetiva dá as caras, oferecendo os temores de algo mais
moderno. Mas mais do que isso, Wan indica seu talento claro para o
terror ao produzir sensações interessantes pelos seus planos: afora
a câmera invertida vista em dois momentos, observe o controle de
seus travellings – seja na passagem pelos cômodos da casa na
instalação das câmeras ou quando a personagem de Farmiga (os
tiques da atriz com a mão são fantásticos) desce ao porão para
sentir a presença de fantasmas no local –, a maneira como faz sua
câmera se aproximar nas cenas mais tensas e, num dos melhores
enquadramentos do longa, quando focaliza Carolyn conversando com
outros personagens pelas divisórias de uma janela, após ter sido
possuída. Neste caso, avalie que, além dela ser a última a se
levantar para socorrer o policial, a divisória a enquadra separada
dos demais – como se, de fato, não pertencesse mais àquele grupo.
Não há como esquecer, ainda, o brilhantismo com que o diretor pensa
sobre a chegada dos Warren na casa dos Perron – para isto, basta
analisar a mudança feita de uma lente para outra a fim de registrar
uma crescente profundidade de campo que mostra que a casa está
tentando se distanciar daqueles “inimigos”.
E é retomando o
mesmo jogo que sempre fez parte das brincadeiras da família, um
juvenil esconde-esconde, que o diretor finalmente assume o seu
terceiro ato com uma adorável coesão: já que o jogo que foi se
intensificando cada vez mais culminou numa desgastante perseguição
de mãe e filhas no clímax. Depois de prestar homenagens no ótimo
Sobrenatural para o cinema setentista, agora o diretor é mais
atrevido ao explorar vários tipos de gêneros que mereciam a
lembrança. Com isso ficando de lado, eu mal posso esperar por uma
obra totalmente original de James Wan.
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