9 de fevereiro de 2011

Lixo Extraordinário (2010)

Em 2002, Eduardo Coutinho lançava seu aclamado documentário Edifício Master que oferecia uma proposta simplíssima – conhecer as pessoas que moravam naquele prédio do Rio de Janeiro, suas neuras, problemas, experiências e o mais importante: como foram parar naquele apartamento. Coutinho surpreendia em sua linguagem por buscar o lado humano, fazendo quase um trabalho jornalístico e explorando as diversidades que podemos encontrar em um único local.




A produção brasileira e inglesa, Lixo Extraordinário, nos apresenta em tela a mesma proposta, fugindo do lado de conscientização por muitos momentos e nos apresenta personagens que acabam mostrando o quão somos preconceituosos e não lidamos com coisas simples da vida: ouvir o que o outro tem a falar. O documentário nos mostra pessoas incomuns e estimulantes. O “lixão” pode ser um lugar de um povo sofrido, sem estudo e de aparência precária, mas também é um lugar humano e de muito aprendizado.



Produzido pelos diretores brasileiros João Jardim e Karen Harley e dirigido pela inglesa Lucy Walker, Lixo Extraordinário relata o trabalho do artista plástico brasileiro Vik Muniz com catadores de lixo em um dos maiores aterros sanitário do mundo, localizado no Jardim Gramacho. Vik mostra o seu encontro com sete trabalhadores do aterro, suas histórias e como uma simples transformação pode mudar a vida dessas sete pessoas.



Contando com o carisma de Vik Muniz, aqui o nosso guia pelo mundo que vamos adentrar, o filme já acerta em sua montagem inicial colocando uma cena em que Vik vai ao talk show “Programa do Jô” e mostrando a partir daí qual a proposta que os envolvidos tem para o projeto e os rumos que irão tomar. É no minimo hilário a chegada de Vik no aterro, onde um personagem surge dizendo que “o bom é que nós nos acostumamos com o cheiro” e o artista logo responde “claro, já me sinto em casa”.



O timing verdadeiro e natural de todos os envolvidos do projeto é excelente, desde Vik e Fábio até quem entra no projeto mais pra frente ou quem aparece em uma pequena cena, como é o caso de Valdir – “99 não é 100”. O ritmo que a diretora Lucy Walker dá para o projeto colabora com isso e mostra em posições inusitadas cenas hilárias e com sentimento. Um grande exemplo é a cena em que a diretora usa uma abordagem um pouco intrigante – usando a câmera quase na vertical em queda – e mostra a conversa de Tião com outra personagem falando da mudança de vida que tiveram com Vik e como as pessoas passaram olhar diferente para eles.



Aliás, sem as pessoas escolhidas para dar vida ao documentário nada seria possível. Tião surge sempre devastador. Desde o momento em que ele é apresentado para o espectador, ficamos com a impressão de que aquela pessoa é dinâmica, carismática e brincalhona, alguém que queremos por perto. Vik e Lucy acertam em colocá-lo como o principal de seu documentário e nos guiam sempre com competência, através do olhar de Tião. Veja, por exemplo, quando Tião vai para Londres conhecer o museu onde um dos quadros será leiloado e começa a verificar com Vik outras obras de arte, guiando não só Tião por aquele mundo que muitos não conhecem, mas o próprio espectador.



Não só Tião, mas todos os escolhidos para fazerem parte da proposta são bem acertados. Somos surpreendidos assim como eles através do longa e também transformados por suas histórias de vida. A naturalidade de cada um deles ao contar as histórias que os cercam é muito impressionante. Em um determinado momento, uma delas fala: “Tenho que criar meu filho sozinho, o pai não pode fazer nada. Trabalha na boca de fumo.” As histórias são bem escolhidas e um destino melhor para cada um deles passa a ser torcido pelo próprio espectador.



Por fim, é interessantíssimo que dois dos indicados a melhor documentário falam sobre arte. Algo que começa com uma proposta encontra outra totalmente diferente e bem mais tocante. Vik constrói em suas obras algo maravilhoso não só de olhar, mas de viver a experiência. Cada momento que passamos com aquelas pessoas é importante, cada uma tem seu significado, o resultado de cada arte é esperado tanto por eles quanto por nós. Queremos o sucesso de todos, tanto de Vik quanto o de Tião e cia. Assim, é maravilhoso ver a montagem final do longa, onde somos apresentados para uma nova entrevista no “Programa do Jô” e onde realmente a mensagem é passada: “o que era algo de uma pessoa no começo, virou um projeto de muitos”.



(5 estrelas em 5)

2 comentários:

Raphael Camacho disse...

é um belo doc!!

Anônimo disse...

Ótima crítica de um ótimo filme.
abraço,
fernando