7 de fevereiro de 2011

O Vencedor (2010)

David O’Russel tem obras significativas em seu currículo, onde contrasta situações atuais com mensagens pertinentes. Em um de seus primeiros longas, o diretor criou uma obra que envolvia incesto e que colocava a prova o quão confuso pode ser um sentimento. Acabou saindo do cinema independente para aventurar-se no cinema norte-americano em 1999, com o polêmico “Três Reis” e finalmente foi ao fundo do poço com seu “Huckabees – A Vida é uma comédia” onde, depois de ter explosões com atores que dirigia, foi descartado pelos estúdios. Parecia ter chegado ao fim sua carreira.

É interessante falar isso, pois tanto o título original desse excelente filme quanto à tradução do título para português reflete a situação de cada um dos envolvidos. Desde os personagens e as situações enfrentadas até a vida pessoal de seus idealizadores. O’Russel, aqui, consegue passar cada etapa do árduo e exaustivo trabalho para como chegar lá, levando toda sua experiência de luta para dentro de uma obra que se mostra simples, mas com uma absoluta honestidade.

Escrito por Scott Silver, Paul Tamasy e Eric Johnson, o filme conta a história de Dicky Ecklund (Christian Bale) e Micky Ward (Mark Wahlberg). Dicky é uma ex-lenda do boxe que desperdiçou o seu talento e a sua grande chance. Agora, o seu meio-irmão Micky Ward tenta se tornar uma nova esperança de campeão e superar as conquistas de Dicky. Treinado pela família e sem obter sucesso em suas lutas, Micky terá que escolher entre seus familiares e a vontade de ser um verdadeiro campeão.

Mostrando o seu brilhantismo desde os primeiros minutos, O Vencedor é uma obra muito mais complexa e significativa do que aparenta ser. O’Russel já nos mostra na seqüência inicial o ambiente da história que virá a seguir e a situação em que os personagens se apresentam. Micky aparece asfaltando a rua enquanto Dick sempre se move de costas, buscando as atenções da câmera e relembrando seu passado e momento glorioso na luta contra Sugar Ray. Note sempre como o personagem de Wahlberg move-se para frente enquanto o irmão insiste em olhar pra trás, evidenciando os caminhos opostos que os dois vivem.

O diretor ainda acerta em cheio ao sempre conduzir a câmera circularmente, envolvendo o espectador no ambiente familiar e aproximando ainda mais a câmera em certas situações. Note como a câmera é colocada quando Micky está conversando com um possível empresário e O’Russel move sua câmera em direção à Dicky e Alice mostrando suas reações e preocupações com a proposta que o personagem de Wahlberg está ouvindo. Logo depois, a câmera se move com extrema velocidade e começa a circular até vermos apenas Micky, mostrando que o que importa para o espectador é apenas aquela situação e devemos nos preocupar é com Micky, pois ele é o foco das atenções. Brilhante!

A família, aliás, é um dos grandes ganchos que o filme se propõe a discutir. A instituição e o quanto ela pode afetar decisões, negócios e possivelmente o destino de cada um. Para a personagem de Alice, apenas a família é o que importa. Quando é confrontada por outros personagens sobre o destino do filho e as escolhas que poderão dar outras oportunidades só que com outros empresários, a personagem limita-se a dizer: “Eu conheço as pessoas, quem se preocuparia mais com Micky do que sua própria família?”

David O’Russel explora ainda mais esse universo familiar complicado e que pode oferecer diversas rupturas em seu caminho. O diretor desenvolve esse laço de uma forma impressionante. Veja como o vinculo familiar é demonstrado de forma espetacular em duas cenas envolvendo uma ligação. O diretor consegue demonstrar o vínculo familiar através da extensão do telefone. Na primeira cena, temos a personagem Alice decidindo uma próxima luta para seu filho – Micky – e tentando manter a instituição familiar firme mesmo diante do desequilíbrio. Na outra cena, Micky é mostrado com seu telefone, onde a câmera mais uma vez realiza uma passagem por sua extensão culminando finalmente no reencontro com Charlene e Micky desligando a extensão, quebrando o vínculo familiar que era mantido. Arrepiante!

Aliás, Charlene é uma das grandes responsáveis pelo começo do destino vitorioso de Micky. Sempre demonstrando personalidade diante das situações em que vive ou nos convívios que passa a ter, Amy Adams oferece a personagem uma segurança impressionante, lutando para ser alguém e ter sua vitória também através do personagem de Wahlberg. Um grande momento de sua personagem é quando ela vai até a sacada e vê Dicky seguindo em frente e voltando aos treinos. Ao invés de parar o personagem, ela simplesmente não fala nada e deixa Micky seguir o caminho vitorioso que virá. Olhe também a cena em que ela vai com Micky confrontar a família e tentar um novo rumo para sua vida, Amy Adams funciona perfeitamente como o porto seguro do personagem, envolvendo-se no braço de Wahlberg e servindo como apoio diante daquela situação.

Em contraponto ao personagem de Adams, surge a brilhante Melissa Leo sempre procurando estabelecer um equilíbrio para a instituição familiar e permanecer fria em situações que parecem ser trágicas. Leo consegue manter frieza e calma em qualquer situação que parece danificar o futuro que ela queria ter alcançado para todos. É tocante ver a primeira cena em que ela finalmente desaba vendo a vida que Dicky leva e que nunca mudará do jeito em que está. Um sorriso envergonhado do espectador – na cena em que Bale procura fugir da mãe pela janela –, acaba virando um mar de lágrimas em uma cena devastadora dentro do carro, onde é cantada a música I Started a Joke pelo personagem de Bale.

Aliás, as músicas escolhidas por Michael Brook para compor a obra refletem totalmente em cada momento e sentimento vivido por seus personagens. A cena do carro é mostrada de uma forma impressionante ao ressaltar a sintonia em que estão os personagens – como se a música fosse um grito de socorro e arrependimento proporcionado pelo personagem de Bale. Ao passo que Here I Go Again reflete perfeitamente a situação que Wahlberg vai enfrentar junto com seu irmão – caminhando sozinho, contra todas as especulações e contra toda a multidão.

A obra ainda conta com a excelente montagem de Pamela Martin que consegue passar cada etapa do treino árduo e que mostra um ritmo e dinamismo impressionante. Conseguindo manter o dinamismo, sem soar forçado, nas lutas que o personagem começa a encarar. O momento em que Micky vê o seu adversário e a mudança para o vestiário é montado de forma muito competente. Ao passo que as montagens envolvendo os treinos de Micky tentando voltar a vencer e Dicky tentando dar a volta por cima são brilhantes.

Christian Bale como Dicky Ecklund é algo extraordinário. Postando uma voz extremamente rouca, uma aparência magérrima e sempre encenando apenas seus momentos de glória, Bale cria um personagem extremamente complexo e ao mesmo tempo carismático. Mesmo deixando claro seu defeito como ser humano, o personagem de Bale impressiona por manter o carisma até em situações trágicas. É extremamente importante, aliás, que Bale consiga produzir essa sensação de preocupação com seu personagem, pois a influência que isso adquire e abala o espectador no documentário é tão devastador que parece que freqüentamos a mesma família do personagem.

Criando um personagem completamente diferente de seu irmão desde o começo do filme e que tenta trilhar seu próprio caminho, Wahlberg é um complemento honesto, contido e verdadeiro para o filme. Dominando seu personagem já em suas primeiras cenas, ele procura sempre sentar um pouco distante de seus familiares, mostrando que apesar de pertencer àquele meio já não se sente mais tão influenciado por eles, o que se mostra na cena seguinte em que Micky encontra seu porto seguro nas mãos da deliciosa Amy Adams.

Quase sempre auxiliado pela direção perfeita de O’Russel, Wahlberg surpreende também na seqüência do cinema. Começando a brincar com estereótipos até a cena em que o personagem se mostra envergonhado e a câmera passa a mostrar o personagem através da janela, sem a intimidade que era vista durante maior parte do filme.

Mostrando-se extremamente confiante, David O’Russel explora por completo as atuações de seu excelente elenco e nos guia por toda a trajetória que enfrentaríamos e enfrentamos. E se em seus primeiros minutos o diretor mostra os personagens caminhando completamente opostos, em seu final, passa a mostrar os dois personagens em perfeita sintonia caminhando em frente, cheios de motivações e aspirações. Talvez esse também seja o sentimento de seu realizador que proporcionou uma perfeita sintonia com o público em seu projeto e merece o reconhecimento que adquiriu.

(5 estrelas em 5)

Um comentário:

Raphael Camacho disse...

Christian Bale vai ganhar mais oscars que o Jack Nicholson...