8 de fevereiro de 2011

Bravura Indômita (2011)

Em 1968, o best-seller de Charles Portis, True Grit, teve sua primeira publicação – contava a história de uma menina de 14 anos que buscava vingança pela morte do pai com a ajuda de um federal e um Texas Ranger. O livro teve uma recepção tão favorável em crítica e público que em 1969, John Wayne, lançava o filme que levava o clássico de Portis para as telas.

Recepção favorável... Não é um fator que os Coen estão acostumados a ter. Criando obras com um humor ácido, pertinente e por muitas vezes brincando com estereótipos, os irmãos Joel e Ethan conseguem proporcionar um tipo de cinema raro, obras que são quase uma poesia técnica e de muito significado.

True Grit mantém a mesma fórmula usada pelos irmãos em muitas de suas produções – o estereótipo, a ação, o tipo de cenário e uma viagem pela proposta que o filme tem interesse em analisar. Se em Um Homem Sério foi o questionamento da vida, aqui os Coen mexem com o fator que move a sociedade: o dinheiro.

Escrito e dirigido pelos irmãos Ethan e Joel Coen, baseado na obra de Charles Portis, o filme conta a história da menina de 14 anos Mattie Ross que chega ao Forte Smith, no Arkansas, em busca do covarde Tom Chaney, que teria matado seu pai por duas barras de ouro antes de se embrenhar por território indígena. Para conseguir perseguir Chaney e o ver enforcado, Mattie procura a ajuda de um homem conhecido como o mais cruel federal da cidade – o impulsivo Rooster Cogburn, que, depois de muitas objeções, concorda em acompanhá-la. O bandido também é o alvo do policial texano Laboeuf, que quer pegar o assassino e o levar ao Texas por uma boa recompensa.

É interessante quando levamos à nossa mente imagens, diálogos e cenas que foram passadas em qualquer filme dos irmãos Coen. Sempre bem construídos, os diálogos conseguem ter o tempo correto em cada cena passada em tela, o que acaba ajudando o próprio timing dos atores e a construção de seus personagens.

Um grande exemplo é a garotinha de 14 anos vivida pela impecável Hailee Steinfeld e que serve como nossa guia para a história que se passa. Nós vemos quase que a obra inteira por seus olhos e seus ideais. Preste atenção na cena em que ela conversa pela primeira vez com Cogburn – somos guiados por ela até uma porta de um banheiro onde o personagem de Bridges começa a dialogar e salientando a demora que levará o que ele foi fazer ali. Em nenhum momento o personagem é mostrado nessa cena e só acompanhamos o diálogo hilário e, já, a ótima química que começa a se estabelecer dos protagonistas do passeio que iremos enfrentar.

É impressionante a confiança e o brilhantismo dos Coen nesse trabalho. A apresentação de Cogburn para o espectador só acontece quando o mesmo é apresentado através dos olhos da Mattie. Veja, por exemplo, a magnífica cena do interrogatório. A cena começa com a personagem entrando no ambiente meio receosa do que irá ver e começa a fazer uma aproximação devagar até ver por completo o personagem de Bridges. A câmera, nessa cena, começa mostrando a parte de trás das vestes formais das pessoas presentes no interrogatório, mostrando sinais de que o personagem de Cogburn estaria sendo cercado por essas pessoas. Bridges só vai ganhando forma aos poucos, conforme a personagem de Steinfeld vai se aproximando. Os Coen fazem uma aula de apresentação de personagem e já mostram qual será o destino do próprio personagem no final da obra. Note o sol presente nas costas de Cogburn o tempo inteiro e o desconforto que isso dá no personagem.

A aula de diálogos dos Coen também é um show à parte, trazendo amostras do que acontecerá no próprio filme e brincando com as referências e estereótipos dos personagens. Frases como: “Texas Ranger, seu jeito pode até ser arrepiante lá em sua terra, mas aqui pode gerar graça”, “Não preciso comprar Uísque, sou policial, eu confisco” ou “Uma mulher divorciada falando em decência” são hilários e brilhantes. Sempre ministrado pelo timing excepcional de todo o elenco.

Aliás, a segurança dos atores e naturalidade em que saem os diálogos eleva ainda mais a obra. Jeff Bridges está fantástico dando verdadeira bravura ao seu personagem (com o perdão do trocadilho), conferindo uma voz mais arrastada – quase inaudível, parecendo que o personagem está sempre bêbado e relembrando seu personagem de Crazy Heart, criando um personagem carismático, sujo e sincero.

Criando uma personagem forte, sólida e que não se intimida Hailee Steinfeld é um achado. Mostrando aspectos sutis da personagem em todas as cenas e diálogos, fica responsável por conduzir o espectador por aquele mundo e explorar o que aquela terra tem para oferecer. Veja, por exemplo, a cena em que somos apresentados a personagem Mattie, logo depois da morte de seu pai e a personagem pergunta: “Por que é tão caro um caixão? O espírito já se foi.” Em contrapartida, a personagem negocia a vingança de seu pai, não mais se preocupando com o dinheiro, mostrando o que realmente importa para Mattie. Ao passo que Matt Damon transmite a competência de sempre.

O trabalho do diretor de fotografia Roger Deakins, que já havia trabalhado com os Coen em “Um Homem Sério” e “Onde os Fracos não têm vez”, também é brilhante. Aqui, empresta sua qualidade de mostrar os cenários de faroeste com competência e brilhantismo. Deakins em muitos momentos prioriza uma lente grande angular, mostrando todo o cenário – belíssimo trabalho de Dechant – em tela e colocando os personagens cavalgando ao longe, sem grandes iluminações e dando mais atenção para o ambiente em que se situam.

Se em 1969 achávamos que John Wayne havia chegado lá, em 2011 ficamos com a impressão que não. O verdadeiro trabalho a ser considerado é essa nova obra-prima que os Coen apresentam. Os irmãos que sempre prometem trazer um cinema diferente, onde as piadas são sempre inteligentes, onde o clima de brincadeira está presente em muitos momentos, onde os diálogos constroem personagens com um brilhantismo natural. Se você não notar isso, pegue apenas um dos melhores diálogos do filme e veja a proposta, o significado e o que será o destino dessa frase. Tudo tem um propósito. E quando a nossa linda protagonista pergunta para Cogburn “Tu não vai enterrar ele?” e o personagem de Bridges responde que “O chão está congelado. Se quiser um enterro digno tem que morrer no verão”, aí que sabemos: vimos um filme dos Coen em que uma única frase pode revelar tudo.

(5 estrelas em 5)

Um comentário:

Raphael Camacho disse...

O do John Wayne é mto legal tb!!