22 de fevereiro de 2017

Lion: Uma Jornada Para Casa

Lion, Austrália/EUA, 2016. Direção: Garth Davis. Roteiro: Luke Davies. Elenco: Dev Patel, Sunny Pawar, Rooney Mara, David Wenham, Nicole Kidman. Duração: 1h58min.

Sobre os trilhos de um trem, um garoto perdido mira o horizonte à procura de seu irmão. Seu nome é Saroo, que, após dormir numa estação, acabou se perdendo e pegando por engano um trem para uma ameaçadora Calcutá. Com suas expressões de assombro e encantamento sobre o mundo que percebe, num primeiro momento, a fragilidade do garoto se mostra sua inimiga ao tentar se informar sobre seu destino ou comprar bilhetes para outra cidade. Tudo é muito difícil para Saroo, que acaba sendo mandado para um orfanato de jovens abandonados.

De certa forma, a narrativa do australiano Garth Davis é sobre ritos de passagens: o nosso processo de amadurecimento e como dialogamos com o futuro, após passados turbulentos. Não à toa, a chegada de Mantosh na vida da família serve para demonstrar exatamente qual poderia ser o caminho tomado por Saroo, mesmo que o roteiro não precise sublinhar com tanto destaque. A questão levantada pelo roteiro de Luke Davies (Um Retrato de James Dean), que foi baseado no livro do próprio Saroo Brierley, é conscientemente essa: tudo gira em torno de nossa relação com o passado. E qual caminho tomaremos ao lidar com ele.

São os pensamentos que permanecem, as lembranças boas que levam o personagem de Dev Patel, ao atingir a maioridade, à procura de sua família biológica. Não existe, para ele, a memória da fome, da dificuldade. Não. É o carinho materno que o alimenta e, claro, que o guia. Portanto, é um pouco frustrante que o percurso iniciado pelo incrível Sunny Pawar, o verdadeiro talento de Lion, o qual interpreta o pequeno Saroo, nunca encontre respaldo na fase adulta de Saroo. É curioso, por exemplo, que jamais saberíamos quem era aquele homem se não tivéssemos contato com o menino num primeiro momento.

Patel, sim, consegue criar um laço através da expressividade de seu olhar, que nos lembra vagamente do garoto que encontramos no primeiro ato. Com as mesmas dificuldades de se comunicar, mas com um coração enorme. O roteiro não o acompanha, por outro lado, ao tentar saídas fáceis para seus conflitos, sem nunca soar natural: "você merece mais". A imaturidade do roteiro a partir do segundo ato não parece passar pelos personagens, que acabam evoluindo como se não dependessem desse processo. Assim, o diálogo que Saroo trava com sua mãe sobre maternidade parece de outro filme. Com outros personagens. Vivendo outras situações.

Ainda assim, a memória afetiva do pequeno Saroo criada conosco e sua disposição acaba sendo mais efusiva do que seu desfecho. Paradoxalmente, no fim, era exatamente isso que Davis queria: um filme sobre lembranças. E quando o protagonista volta aos mesmos trilhos, no último ato, parece que o garoto que vimos crescer finalmente encontrou o caminho que gostaria de ter tomado desde pequeno.  


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