29 de setembro de 2014

Livrai-nos do Mal

Deliver Us from Evil, EUA, 2014. Direção: Scott Derrickson. Roteiro: Derrickson e Paul Harris Boardman, baseado no livro de Ralph Sarchie e Lisa Collier Cool. Elenco: Eric Bana, Édgar Ramírez, Olivia Munn, Joel McHale, Chris Coy, Sean Harris, Mike Houston, Lulu Wilson, Scott Johnsen. Duração: 118 min.

Livrai-nos do Mal é um longa-metragem que já mereceria créditos por inverter a trama de uma maneira envolvente e instigante: a perspectiva da polícia quanto aos casos sobrenaturais. Envolvida num cenário de assassinatos e depravação, afinal, qual seria a visão policial quando se envolvesse numa manifestação demoníaca ou se deparasse com um mal primário? Desta forma, a batalha entre o ceticismo e o sobrenatural retorna às lentes do interessante Scott Derrickson, o qual, embora traga o comodismo e sustos que não acrescentam nada à obra, utiliza mais uma vez o drama de seus personagens como cenário para suas intenções.

Iniciando a narrativa num ambiente de guerra, onde a morte é algo esperado, e criando um paralelo excelente com a força policial que age no Bronx, Derrickson alcança um tom muito mais de thriller do que propriamente algo assustador. Orientando-se por casos que levam o espectador ao caso principal (numa série de coincidências decepcionantes), o cineasta sempre procura deixar seu filme nas penumbras, como se fosse indicado ao diretor usar uma contraluz constante, salientando o mundo em que o protagonista vive no seu cotidiano. Afinal, é o lado policial que nos intriga em Livrai-nos do Mal: atendendo os chamados, embarcamos na visão de Sarchie e Butler acerca do que o sobrenatural significa na trama - assim, o timing de McHale é sutil e agradável para oferecer o equilíbrio entre as duas realidades ("Você acha que ela é solteira?"), principalmente no assovio homenageando Família Adams.

Entretanto, sendo superficial na maneira com que lida com o ceticismo, depositando as expectativas por sustos em cenas despropositais e formulaicas (um encanamento, um cachorro que late, piano que toca sozinho ou um gato que sairá do armário), a obra falha em se sustentar até o clímax. Ainda que a homenagem a Seven seja simpática (a tatuagem no pescoço e a dupla intencional de agentes), o argumento dos amigos marines pintores que encontram numa gruta uma entidade demoníaca é demasiadamente exagerado. E só não soa pior, pois Derrickson é eficiente no pequeno tributo ao O Exorcista, como indica a própria cena na gruta, o vento que traz o mal e, claro, o clímax do filme.

Além disso, é notável algumas ideias que o diretor tenta aproveitar aqui e ali, como: um gato aberto e crucificado, a lanterna em primeira pessoa na escuridão de uma casa, o travelling no manicômio e, o meu favorito, a analogia entre a entrada na gruta com a entrada num corredor que dará ao porão - o primeiro contato. Sem contar a ótima (e assustadora) sequência que vai de uma coruja observando a casa do agente para o confronto direto com a filha.

Dedicando-se a um fim convencional, todavia, com uma entrega absoluta ao sobrenatural e o destino da família, Derrickson novamente versa com momentos brilhantes, mas que são freados por algumas indecisões e falta de coragem. Buscando soluções caricatas para objetificar o por quê Sarchie tem seus pressentimentos e a razão de ninguém dormir sozinho numa casa, o cineasta peca em não aproveitar o próprio formato de forma mais sólida. Rende ótimas sequências, como a do exorcismo numa delegacia com alguém ao fundo não acreditando no que se passa em sua frente ou a do uso da música do The Doors, mas a execução é muito mais curiosa do que concreta. 


26 de setembro de 2014

Mesmo Se Nada Der Certo

Begin Again, EUA, 2013. Direção: John Carney. Roteiro: John Carney. Elenco: Keira Knightley, Mark Ruffalo, Adam Levine, Hailee Steinfeld, James Corden, Mos Def, Cee Lo Green, Catherine Keener. Duração: 104 min.

Algumas das perguntas primordiais que uma narrativa pode traçar são: o que trouxe os personagens até aquele momento e como chegaram até lá; ou melhor, com quais seqüelas e cicatrizes? O que cada um visualiza quando se depara com um momento fora da curva e como percebe as coisas ao seu redor? No excepcional Inside Llewyn Davis, por exemplo, isto era exatamente o cerne do longa-metragem: dentro da mente do protagonista, necessitávamos compreender a fuga final de seus sonhos. A mesma melancolia que guiava John Carney na obra-prima Apenas uma Vez, onde o sacrifício dos personagens deixava a música como pano de fundo e um desabafo. Mesmo Se Nada Der Certo nasce como um acréscimo à lista, nesta perspectiva, ao interligar numa só trama: sonhos, perdas, intimidade, a arte e a valorização dos sentimentos em canções. É um filme em que as letras são indicações sobre quem são aquelas pessoas vivendo naquela realidade.

E é mantendo-se fiel ao seu maior êxito narrativo que Carney acerta em cheio ao deixar as canções como pano de fundo, nunca o principal atrativo. Pois, criando uma obra íntima, natural e crível, o cineasta valoriza as questões capitais levantadas pelo longa-metragem a todo o momento, fazendo com que seja compreensível as conseqüências de cada ação tomada a partir do segundo ato. Mantendo-nos próximos dos personagens com sua câmera, o diretor consegue transmitir em uma única seqüência tudo o que devemos saber sobre alguém - assim, analise o primeiro contato com a vida de Dan: o uísque é nossa primeira referência. Num jogo de foco eficiente, onde o protagonista só aparece ao fundo, notamos o seu vício e desânimo de imediato, numa simplicidade deliciosa. Da mesma forma, logo depois, o passeio que o diretor confere abordo do veículo de Dan nos revela a natureza da tristeza - nostálgico e infeliz, carregando o uísque em um cantil, ele está em busca de algo que o entusiasme, uma canção que lhe traga de volta, mas nunca a encontra. A mesma nostalgia e apego ao passado que podem ser visualizadas no próprio carro em que ele está e no seu prazer pelo velho toca-fitas, bem como o relacionamento com sua filha (o olhar julgador para as roupas e a convidando para um sorvete são bons exemplos).

E se Dan vive no passado, Gretta é exatamente o seu oposto. Norteando-se pelo relacionamento fracassado com seu ex-namorado, a personagem de Keira Knightley se orienta por sua frustração momentânea. É lindíssimo, igualmente, perceber como as fases de um pós-romance são encontradas marcadas no semblante de Gretta: a dedicação aos instantes de felicidades vividos, a necessidade de entender o erro, se foi dela ou se foi dele, os ruins aparecendo aos poucos, o preço da fama, as viagens e as respostas inseridas nas canções. Tudo serve como um diagnóstico para nos envolvermos nos sintomas dela e quais são as razões que a levaram a ser (literalmente) a pessoa que ela canta em sua primeira música: no metrô, sozinha, com uma mala, pensando se vai embora ou se fica. Um paralelo que se torna ainda mais comovente, aliás, quando ela se vê debaixo de uma placa de saída, no show do ex-namorado, sem saber se dá um passo para frente ou para trás. 

Afinal, ainda que suas realidades sejam temporalmente divergentes, as impressões entre os dois protagonistas se assemelham. E, como não poderia deixar de ser, a música os torna próximos; íntimos. É ela que os une, a paixão por ela. Sob esta ótica, a montagem de Andrew Marcus tem um papel fundamental em sintetizar o segundo em que essas duas pessoas se encontram. O foco em Dan, na primeira vez que ouve Gretta, por exemplo, é inesquecível ao expor numa orquestra imaginável a visualização de um potencial - sob a mente de um produtor. Do mesmo modo, a oferta imediata feita para ela sentada no sofá é quase cômica, por sabermos do seu prévio desespero.

Ao mesmo tempo, nunca soando forçada ou exagerada, a montagem estabelece cada minuto de maneira concisa. Assim, o espectador sente que esta assistindo a duas pessoas se apaixonarem em tempo real, lentamente e naturalmente. E uma das grandes cenas que evidencia isso é o brilhante passeio de Dan e Gretta, onde um adaptador de fones faz com que ambos andem por Nova York na calada da noite com suas playlists pessoais. E é mágico quando avaliamos como a situação é feita para metaforicamente os passados se cruzarem num presente aventureiro - a referência à Casablanca é absolutamente perfeita, neste caso, com As time goes by. Ou For Once in My Life numa balada. Duas músicas que refletem exatamente o espírito de seus protagonistas enquanto são executadas.

A música, enfim, é o que retrata a aproximação. Toda a narrativa de Carney está inserida nesse contexto. Desde a crítica aos adolescentes monossilábicos modernos, a autenticidade perdida, produtos midiáticos e o uso das músicas em filmes (num belo modelo de metalinguagem) até chegar ao recado na secretária eletrônica de Dave: com o celular servindo como microfone e a música como o desabafo, o recurso final. Para o cineasta, as respostas estão em acordes e versos. Observe, assim sendo, a aproximação final entre pai e filha, na música, com a junção do baixo e da guitarra.

Claro que Dan continuará carregando a aliança, embriagando-se com as lágrimas de algum revés, mas ninguém poderá tirar de sua existência o instante em que ouviu algo que mudou sua vida. Algo que foi responsável por reascender seu entusiasmo pela simplicidade (garotos como back vocals, sutiã como abafador, fuga da polícia, tocar no meio do lixo da cidade) e reorganizar sua vida com a filha (os dois comendo sorvete juntos, a mudança no figurino, o passado que tanto amava ressurgindo). Algo que é resumido numa jovem música, a qual o braço de Dan não deseja mais soltar, no último momento juntos. 


24 de setembro de 2014

Isolados

Idem, Brasil, 2014. Direção: Tomas Portella. Roteiro: Mariana Vielmond e Tomas Portella. Elenco: Bruno Gagliasso, Regiane Alves, Juliane Alves, Orã Figueiredo, Silvio Guindane, Debora Olivieri, José Wilker. Duração: 90 min.

Há uma seqüência específica em Isolados que basicamente reflete toda a confiança que o diretor deposita no espectador: após voltar vinte e cinco anos no tempo para mostrar a personagem de Regiane Alves encontrando seu pai morto na cama, a informação é reafirmada segundos depois pelo personagem de Bruno Gagliasso. Algo que aponta para duas probabilidades: ou o cineasta calcula que todos os espectadores são acéfalos ou que são desprovidos do dom da visão. 

Escrito por Tomas Portella e Mariana Vielmond, afinal, a seqüência descrita não é um caso deslocado. Orientado-se pelos clichês do gênero sem que compreenda o significado de homenagem e falta de intenção, Portella utiliza uma fórmula que não apenas é desgastada, mas que carece de inteligência. E se o primeiro (e longo) plano-sequência do início - com quadros simples sendo fonte de terror e a essência do clima campestre, humilde e isolado sendo indicada - parece promissor, a trilha sonora intrusiva de Lucas Marcier e Fabiano Krieger imediatamente frustra qualquer promessa de eficiência ao ofuscar por completo a edição de som. E é notável que tenha passado despercebido pela montagem a ausência do maior temor da primeira vítima: a sensação de estar sendo vigiada através dos sons da mata.

Do mesmo modo, a correria instável com a moça sendo puxada, a câmera subjetiva para dar sinais de perseguição e a paixão por planos detalhes, jogo de foco e profundidade de campo denuncia o amadorismo de Portella na direção, que em todo momento quer passar a sensação de que existe um diretor ali. A cena em que um cigarro é aceso no fogão ou dois médicos caminham ao fundo com uma vassoura na frente, quase num jogo de hipnose, são exemplos óbvios.

Entretanto, é no roteiro o principal problema da narrativa. Conferindo uma previsibilidade desde o princípio, Portella e Vielmond parecem não ter noção alguma do que fazer com o argumento que têm em mãos: assim, observe o momento em que o casal para no bar pra pedir uma informação, a fim de "apenas" o protagonista saber o que anda acontecendo na região e citar pela primeira vez o quanto sua mulher é impressionável. Logo depois, veja como o personagem mostra o mapa ao dono do bar, buscando uma informação, mas vai embora sem ela e - pasmem! - sem o mapa. Mas se esses erros de continuidade não parecem importantes para os realizadores, o mesmo não se pode dizer da insistência em informações que já havíamos entendido cenas antes.

Deste modo, torna-se um grande exercício de paciência o número de vezes que Lauro afirma que sua esposa é sugestiva e impressionável, chegando ao cúmulo dela mesma reiterar que, sim, é impressionável e visualizarmos uma maleta de remédios para, sim, mostrar que ela é impressionável.  Ao mesmo tempo, a montagem de Marcelo Moraes é infantil ao tratar de, a cada momento, usar algum letreiro para apontar o período em que estamos. Sem contar as finalidades por trás dos flashbacks: como, por exemplo, Renata chegar correndo ao hospital desesperada procurando Lauro para... o quê? É difícil dizer, já que ninguém parece mais se lembrar dela no decorrer do longa-metragem e sugestiona ter nascido apenas para inchar uma trama que poderia ser finalizada em 15 minutos. 

Claro que alguns sustos são produzidos para lembrar que, sim, trata-se de um terror e, sim, vamos continuar reafirmando isso. E é risível a forma como o diretor tenta interligar os sustos com o que está passando em tela: a sequência com uma boneca, a melhor do filme, só acontece porque - olhem só - a boneca lembra Renata de uma boneca igual que ela teve na infância. Impressionante.

Além disso, o processo de tormento de Lauro é ainda pior por não conseguirmos cultivar simpatia por um personagem controlador e quase criminoso na maneira como trata sua mulher (desde agressões físicas e morais até xingamentos convencionais). Por consequência, as desculpas para os personagens continuarem sitiados se torna insuportável, desde uma volta ao carro ("Faz sentido eu ter deixado a chave lá!") ou uma personagem retornar somente para deixar Lauro e Renata mais um pouco naquele lugar. 

E seria ilógico não comentar o maior ponto de virada do roteiro, neste caso; portanto, se você ainda não assistiu ao filme, eu sugiro parar por aqui e só retomar a leitura no parágrafo final. Tentando sustentar um roteiro insustentável, Portella e Vielmond procuram retratar uma perda de controle mental que nunca soa sólida, fazendo com que apenas pareça que o médico pegou uma "loucura transmissível" de sua esposa, o que torna tudo um pouco mais ridículo. Tão absurdo que os dois põem um grande flashback para explicar como teria sido cada cena, um recurso que espelha perfeitamente a resolução. Pois se uma pessoa deitar de bruços e bem, após uma fratura exposta e depois de ter dormido por 36 horas, conversando sobre uma paixão por cadáveres, não indica qual será o clímax, não dá para imaginar o que advertiria.

Sem tensão, inteligência e intenção, Isolados é uma obra brasileira que decepciona por dois grandes motivos: o primeiro deles, afastar o público de uma onda fascinante de diretores brasileiros de terror (Rodrigo Aragão, Marco Dutra, Juliana Rojas, Fabiano Soares, Ulisses da Motta Costa) por achar que o gênero no país não tem grandes ideias; segundo, por deixar locações tão bonitas e que renderiam planos tão tensos render seu resultado final. O que penso ser muito mais assustador. 


22 de setembro de 2014

Anjos da Lei 2

22 Jump Street, EUA, 2014. Direção: Phil Lord e Christopher Miller. Roteiro: Michael Bacall, Oren Uziel, baseado numa história de Bacall e Johan Hill  e na série de TV criada por Patrick Hasburgh e Stephen J. Cannell. Elenco: Jonah Hill, Channing Tatum, Peter Stormare, Wyatt Russell, Amber Stevens, Jillian Bell e Ice Cube. Duração: 112 min.

Existe uma lógica na comédia atual que indica que, desvirtuando-se completamente do tom sério e explorando o surrealismo que o gênero pode proporcionar, é muito mais fácil o longa-metragem funcionar. "Já que não nos levamos a sério, vocês também não podem". E julgo que o sucesso de filmes como Guardiões da Galáxia seja exatamente este: o puro entretenimento, sem qualquer grande objetivo dramático. É arriscado, porém, filmes que estabeleçam nessa lógica seu único recurso. Todavia, felizmente, não é o caso do simpático Anjos da Lei 2, que abraça o clima despretensioso de maneira envolvente e divertida, fazendo com que isso, inclusive, ofusque as repetições do filme anterior. 

Brincando com sua própria concepção narrativa, afinal, ao iniciar com uma prévia do outro filme, assumindo-se esquecível, a narrativa de Lord e Miller sempre investe na caricatura de seus personagens e na metalinguagem: uma obra em construção com o nome de "23 Jump Street" ou o "dobramos o orçamento sem motivo algum" são bons exemplos. Da mesma forma, a dupla retoma a fórmula do primeiro filme, mas acrescenta o nosso conhecimento acerca dos protagonistas: assim, uma apresentação de poesia fica muito mais divertida, pois já compartilhamos com Jenko outras experiências improvisadas por Schmidt. Aliando, igualmente, gags que funcionam muitíssimo bem durante a narrativa: e duas das melhores são as incongruências de alguém que soa preconceituoso tentando ser politicamente correto (um "(...) ele é negro e já passou por muita coisa" fora de hora ou "Nem ligaria se ela fosse branca" são indicações) e, claro, o relacionamento de Schmidt com a filha do capitão. A sequência que se passa num jantar de pais na faculdade é impagável.

Por outro lado, o roteiro de Bacall e Uziel é confortável demais (e desnecessário) ao tocar novamente na discrepância física e afetuosa de algo já resolvido no filme anterior, fazendo com que o filme pareça uma simples repetição. Ainda que funcione em alguns momentos, principalmente nos split screens e no instante em que decidem tomar rumos diferentes ("Devíamos investigar pessoas diferentes" / "Uma investigação aberta, é isso o que você quer?"), não deixa o relacionamento dos dois personagens avançar mais que dois centímetros. Sem contar os diálogos explicativos do primeiro ato. 

O mesmo para a montagem de Keith Brachmann e David Rennie, que, embora acertem na transição entre as realidades opostas dos protagonistas na faculdade, pecam no exagero: a apresentação do que eles trazem ao dormitório é um exemplo. Mas nem mesmo as danças. as aulas sem inspiração ou a previsibilidade dos pontos de virada tiram de Anjos da Lei 2 seu apelo cômico. Pelo contrário, os diretores Lord e Miller conseguem ironizar o esperado tiro de quitação ou zombar Jenko procurando dentro do bolso de Schmidt uma granada. Não deixando de citar uma agradável homenagem à Corrida Maluca.

No fim, apesar de seus problemas, Anjos da Lei 2 constrói uma obra suficientemente inteligente para explorar sua abordagem ridícula (no bom sentido da palavra). Seja num encontro entre os dois protagonistas num campo aberto e dúbio - um vestido de policial e outro com uma bola de futebol americano, à frente de bandeiras americanas - ou nos bem humorados créditos finais, a obra consegue compreender e executar sua intenção; tornando-se, por conseqüência, um dos bons exemplares da comédia de 2014. 



15 de setembro de 2014

Rio, Eu Te Amo

Idem, Brasil/EUA, 2014. Direção: César Charlone e Vicente Amorim. Segmentos: Guillermo Arriaga, Stephan Elliott, Sang-Soo Im, Nadine Lebaki, Fernando Meirelles, José Padilha, Carlos Saldanha, Paolo Sorrentino, John Torturro e Andrucha Waddington. Roteiro: Andrucha Waddington, Paolo Sorrentino, Antônio Prata, Chico Mattoso, Stephan Elliott, John Torturro, Guillermo Arriaga, Sang-Soo Im, Elena Soarez, Otavio Leonidio, Nadine Lebaki, Rodney El Haddad, Khaled Mouzannar, Fellipe Barbosa, Mauricio Zacharias. Elenco: Fernanda Montenegro, Eduardo Sterblitch, Regina Casé, Emily Mortimer, Basil Hoffman, Vincent Cassel, Marcio Garcia, Ryan Kwanten, Marcelo Serrado, Vanessa Paradis, John Torturro, Jason Isaacs, Laura Neiva, Tonico Pereira, Rodrigo Santoro, Bruna Linzmeyer, Wagner Moura, Cléo Pires, Caio Junqueira, Harvey Keitel, Cláudia Abreu, Michel Melamed, Cauã Antunes, Débora Nascimento. Duração: 110 min.

Ainda que seja um filme de segmentos, os problemas de Rio, Eu Te Amo são muito maiores que "apenas" segmentos díspares. Não servindo nem como obra de apreciação estética nem de reflexão, muito mais para um cartão postal infantilizado, a narrativa tenta contornar seus problemas criando alguns truques a fim de parecer totalmente pensada, como nos indica a inserção de um personagem ou outro em histórias diferentes, além de combinar alguns dos piores (e mais rasos) pensamentos sociais num só filme. Assim, referindo-se muito mais ao Estado com cinismo e indiferença do que "amor".

A começar pelas inúmeras indagações e exclamações que não fazem sentido algum na montagem: "acho que o amor é bom" ou "a sorte é uma coisa muito boa". Claramente superficial nas abordagens, os segmentos seguem a mesma lógica - seja numa "vida simples" que a personagem da (ótima) Fernanda Montenegro vive até a desilusão da personificação de Wagner Moura. Na história de Andrucha Waddington, por exemplo, iniciamos com um grande plano de aproximação, o promissor reflexo da protagonista no chão, na água que sobra na rua, ouvimos a música Copo Vazio, mas esbarramos na redação de colegial que o roteiro nos oferece: "moro na rua porque quero". O mesmo problema que o belo curta de Sorrentino enfrenta ao demonstrar o dinamismo necessário para compreendermos a ruptura na vida daquele casal, mas sem a escrita para isso. E se fosse um segmento mudo, nesta perspectiva, ficaria muito mais fácil apreciar. Basta notar as divisórias que o diretor aponta (duas visões, duas sacadas, dois cigarros, a aproximação de Dorothy na piscina) e o clímax representado na frase: "Também te amo". La Fortuna, como foi chamado, dita-se apenas pela lógica da imagem - e há de se aplaudir o design da piscina lembrando a orla do calçadão de Copacabana -, mas sem reflexão alguma.

Algo que também ocorre com o segmento de Meirelles, que possui um argumento interessante no isolamento do mar e da areia, contrário à miscigenação de rostos, cores e sons nas calçadas de Copacabana, mas usa uma execução pífia para seus fins. Uma pessoa obesa ao som de um trombone é terrível. Sem esquecer de curtas, como o de Elliot, cujo clímax é uma suposta "anja" voando no alto do pão de açúcar, ou o inesquecível de Sang-Soo Im, que deriva num apanhado de estupidez envolvendo vampiros, presas, lua e carnaval. E se os segmentos de Saldanha e Arriaga são corretos, mas carecem de emoção, o de Padilha usufrui um cinismo condescendente ridículo e digno de ranço de classe média ao conjecturar os lamentos sociais de um brasileiro que olha pro Brasil sempre de cima.

Uma pena que o de Nadine Lebaki seja o único que se destaque e ofereça algum tom comovente para um longa-metragem que deveria sintetizar o amor por um ambiente tão diversificado e rico. No final, o drama do menino pobre que espera uma ligação de jesus retrata a falsa benevolência, o cinismo adulto e a ingenuidade infantil de forma madura e crível. Algo que poderia ser abraçado pelos outros diretores, mas que se mostrou um lapso de inteligência num antro de obviedades. 


2 de setembro de 2014

Magia ao Luar

Magic in the Moonlight, EUA, 2014. Direção: Woody Allen. Roteiro: Woody Allen. Elenco: Colin Firth, Emma Stone, Simon McBurney, Marcia Gay Harden, Hamish Linklater, Jeremy Shamos, Erica Leerhsen, Catherine McCormack, Jacki Weaver e Eileen Atkins. Duração: 97 min.

Durante sua prolixidade cinematográfica, Woody Allen já passeou por diversas cidades refletindo sobre existência, juventude, temores e legado. Como se suas narrativas não passassem de um monólogo do próprio cineasta, é curioso como cada novo filme apresenta um pouco dos pensamentos de Allen sobre suas próprias dúvidas, como se aquela obra fosse necessária para ele continuar vivendo. Como se dirigir um filme fosse escrever um novo livro. E, claro, nesta perspectiva, alguns acabam soando muito mais profundos que outros. Como foi o caso de Blue Jasmine no ano passado, mas que infelizmente não é o caso de Magia ao Luar. Um filme correto, mas que ironicamente carece de magia.
Escrito e dirigido por Allen, o filme gira em torno de um ilusionista famoso (Firth) que viaja até uma cidadezinha para desmascarar uma mulher que se declara vidente (Stone) e que passa a auxiliar os negócios de uma família poderosa. Mas após ser surpreendido pela moça, Stanley passa a viver de maneira bem mais otimista.
Estabelecendo seu protagonista como um protótipo de Nietzsche, Allen utiliza a figura de Firth para apresentar sua visão sarcástica e pessimista da existência. Neste caso, é notável as divagações sobre a morte que Stanley possui pontualmente e sobre o legado que deixará. Da mesma forma, as reflexões sobre ciência, religião e literatura são afiadas o bastante para nos lembrar que estamos diante de um filme de Allen. Ou a maneira com que o diretor conversa conosco pela imagem: observe, por exemplo, a vela que separa Stone e Firth num primeiro momento ou analise o instante em que Sophie indaga por que a encaramos e a câmera se afasta lentamente.
Por outro lado, ainda que a essência esteja lá, a obra nunca deixa de ser previsível ou sem vida. No próprio primeiro ato, os diálogos não soam natural, como se as conversas parecessem aleatórias, principalmente nas conversas de Stanley e Howard. E ainda que Stone e Firth estejam suficientemente em sintonia, o exagero da relação acaba suavizando muito o clímax já adocicado.
Magia ao Luar está longe de ser um exemplar ruim na carreira de Allen, mas aponta para um trabalho feito por necessidade. Divertido pontualmente, mas insípido.