23 de maio de 2014

Getúlio

Idem, Brasil, 2014. Direção: João Jardim. Roteiro: Tereza Frota e George Moura. Elenco: Tony Ramos, Drica Moraes, Thiago Justino, Alexandre Borges, Clarisse Abujamara, Caco Baresi, Michel Bercovitch, Luciano Chirolli. Duração: 100 min.

Existe certa similaridade no argumento de Getúlio com o de outras obras que humanizam ditadores. Num determinado instante, por exemplo, João Jardim trata de destacar o presidente possuindo dificuldades em algo tão simples como amarrar os sapatos, enquanto inúmeros problemas de cunho político o cercam. Mas se num ponto de vista histórico-idealista, Getúlio Vargas não era um sujeito que poderia ser considerado um “ditador comum”, tampouco o diretor oferece algo que apresente profundidade à figura complexa daquele gaúcho que mudou para sempre a história do país, limitando-se a contar com a atuação de Tony Ramos.

Não que isso aponte o que há de pior no longa-metragem, pois, muito pelo contrário, o ator protagoniza através de algumas particularidades o que Getúlio realmente poderia ser: um grande estudo de personagem. Tentando afastar dos pensamentos que um de seus filhos poderia estar envolvido num grande esquema de corrupção ou uma das pessoas com quem convivia diariamente poderia estar envolvida num assassinato, Ramos ostenta em seus gestos – muito mais que nas palavras – o que passa em sua mente. Assim, as ações que o levam até o esperado clímax ficam muito mais impactantes, ainda que o diretor falhe em assegurar essa tensão. Um dos melhores momentos do filme, aliás, é justamente quando um constantemente atacado Vargas sorri timidamente quando aplaudido em um evento, após passar cabisbaixo por um corredor de pessoas o julgando.

Mas se Tony Ramos procura criar um sujeito que não seja unilateral, o restante do elenco cai no exagero ligado ao filme: Dantas como líder da oposição ou Borges como Carlos Lacerda são sempre verdadeiros canalhas, o que também retrata a parcialidade do roteiro desenvolvido por Frota e Moura. Além disso, os dois roteiristas sempre tentam sugerir um paralelo atual para a história, orientando o público sobre um gabinete tomado de corrupção sem conhecimento do Presidente da República; mas sem passar do tom superficial.

Todavia, o amadorismo de João Jardim se sobressai mais que outros problemas. Ao tentar manter um clima breguíssimo de mistério, como os enquadramentos de portas entreabertas sugerem, o diretor ainda investe inexplicavelmente em tomadas breves e inorgânicas – observe, assim sendo, o momento em que o prato de arroz e feijão do presidente é mostrado apenas para sublinhar a sua “humildade” ou uma personagem jogando um copo contra a parede sem qualquer indício prévio. Aliás, suponho que o processo de decupagem do filme deve ter sido caótico, tendo em vista a tara de Jardim por longos planos concentrados nos lustres do catete. Além do mais, subestimando por completo a inteligência do espectador, o cineasta acha uma ideia brilhante colocar legendas especificando cada ministro numa reunião com o presidente.

Explorando o perfil de Vargas, sempre acompanhado de seu charuto, o maior erro de João Jardim é acreditar que o ritmo do filme é ditado por quantos planos ele tem; não por sua substância. Desta forma, Getúlio acaba sendo uma narrativa demasiadamente inchada e muito distante de seu retratado.


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