No primeiro ano da minha faculdade, chegou às mãos de vários colegas um vídeo em que uma garota que conhecíamos fazia sexo com um rapaz. Estudava na mesma sala que nós e, extremamente envergonhada por ter confiado em alguém que não era digno de confiança, passou vários dias com os alunos – supostamente maduros – fazendo graça com o fato de alguém de nossa sala ter uma sex tape. Depois de Lúcia, basicamente, move-se pelo mesmo paralelo: uma juventude hipócrita que ainda acha cômico a liberdade sexual de outra pessoa.
Escrito e dirigido por Michel Franco, a narrativa acompanha a história de Alejandra e Roberto que, depois da morte de Lúcia, tentam reencontrar a paz em outra cidade e redescobrir seu relacionamento, deixando de lado a rotina triste dos dois. Após se matricular em um novo colégio, porém, Alejandra encontra uma realidade muito mais nociva e a dificuldade de se relacionar com seus colegas, que depois de divulgarem um vídeo contendo a menina fazendo sexo com outro jovem, passa a sofrer abusos físicos e emocionais.
Não apenas abordando a distância entre pai e filha e as consequências do bullying, como também escancarando a sociedade machista, onde a mulher é vista como vagabunda e o homem como herói, Michel Franco estabelece cada particularidade de seus dois protagonistas aos poucos e proporciona substância para cada um de seus destinos. Se começamos a história dos dois abordo de um carro em um mecânico, dando alusão a pessoas feridas buscando fugir de suas rotinas – note que só o que visualizamos nesse instante são para-choques destruídos e sendo readaptados –, o diretor mostra os sofrimentos distantes de Roberto e Alejandra. Observe que o pai vacila antes de dar a partida no motor e, não aguentando voltar à rotina de trânsito e negociações, deixa o passado na estrada; ao passo que a menina tenta se isolar na melancolia e solidão do oceano, ouvindo apenas o barulho das águas. Apenas depois de compreendermos os dois separados, que os vemos juntos pela primeira vez, inseridos abordo de um veículo novo – aliás, avalie como as figuras dos dois são muito menos claras que as árvores que percebemos do lado de fora do veículo, como se ambos buscassem uma realidade mais viva, colorida e de paz.
A eficiente direção de Franco, além do mais, merece os devidos créditos: se observamos divisórias quando Roberto e Alejandra estão no mesmo ambiente (o quarto de hotel é um belo exemplo), a chegada no novo colégio é ainda mais interessante por manter a câmera próxima dos alunos – salientando ares de lotação estudantil, como se qualquer pessoa nova fosse vista como intrusa. Até o receio de Alejandra em se dirigir ao seu lugar e a sombra do sorriso que vai se apagando auxiliam em demonstrar a falta de receptividade, o que irá ocasionar o bullying futuro. Sua capacidade para detalhes, ainda, torna Depois de Lúcia ainda mais instigante: veja como o primeiro close que vemos em Roberto surge durante uma conversa sobre casamento/filhos e como ele se sente sufocado. Além disso, o mesmo mar que acalma Alejandra no começo é a mesma saída que ela encontra no final, o seu único porto-seguro; algo que Roberto descobre depois, mas de uma maneira muito mais vingativa e cruel.
Dono de uma mensagem ainda mais forte do que aquela deixada pelo documentário Bullying, Depois de Lúcia é um perfeito retrato de uma juventude influenciada e hipócrita – basta analisar como uma das garotas que humilham Alejandra é vista logo depois sendo muito mais explícita. E é triste constatar que outras histórias, como aquela de minha colega e a da garota do filme, ainda virão e assombrarão mais famílias.
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