6 de fevereiro de 2013

Os Miseráveis

Les Misérables, Inglaterra, 2012. Direção: Tom Hooper. Roteiro: William Nicholson, baseado no musical idealizado por Alain Boublil e Claude-Michel Schönberg, que se fundamentaram no romance de Victor Hugo. Elenco: Hugh Jackman, Russell Crowe, Anne Hathaway, Amanda Seyfried, Eddie Redmayne, Samantha Barks, Sacha Baron Cohen, Helena Bonham Carter, Aaron Tveit, Daniel Huttlestone. Duração: 158 min.

Existe uma predisposição a odiar cada nova obra de Tom Hooper desde que este ganhou o Oscar de David Fincher no ano de 2011. Já se criam suposições sobre o longa-metragem antes mesmo dele chegar as telas de cinema e procura-se erros por antecipação. Em seu novo filme, Hooper certamente é responsável por grande parte dos erros, mas também pelas irretocáveis decisões narrativas que confirmam Os Miseráveis como uma obra que funciona tanto como homenagem ao famoso musical quanto como algo belissimamente atuado e concebido.

Escrito pelo roteirista William Nicholson (Gladiador), que se baseou no musical idealizado por Alain Boublil e Claude-Michel Schönberg, fundamentados no romance de Victor Hugo, a história é basicamente dividida em duas tramas diferentes: na primeira, acompanhamos Jean Valjean recém-saído da prisão que era comandada pelo inspetor Javert e a de Fantine, que para sustentar sua filha se sujeita a todos os tipos de humilhações para ganhar alguns trocados; na segunda, a tentativa de uma revolução francesa.

Criando previamente duas decisões narrativas que auxiliam a história e as atuações (que transformam os sentimentos e emoções em algo muito mais crível), Hooper é inteligentíssimo a filmar seus personagens basicamente em closes constantes – assim, tornando-nos mais íntimos das suas vidas e sofrimentos. Além disso, com a determinação de alcançar uma honestidade nas interpretações das canções do musical, o diretor opta acertadamente a não interferir na trama gravando as vozes dos atores em estúdio – algo que, ao mesmo tempo em que prejudica alguns atores a atingir as notas (Russell Crowe em Stars), transforma as reflexões cantadas em algo muito mais intenso e humano.

Da mesma forma, suas elipses oferecem uma elegância que a maioria de seus outros enquadramentos não parece ter – neste cenário, aliás, analise como Hooper parece não ter ideia de quais tipos de planos irá utilizar, criando-se, assim, o ponto mais falho do longa-metragem. Continuando nesta linha de raciocínio, o diretor assemelha-se a um garoto emergente do colegial que viu um amontoado de enquadramentos e planos que considerou bonitinho e quis utilizar tudo isso em um filme seu, mesmo que eles sejam completamente inadequados para o que se sucede na trama. Por outro lado, mesmo com esses percalços estéticos, Os Miseráveis conta com uma excelente produção – desde o design arquitetado por Eve Stewart e Anna Lynch-Robinson (a cena na prisão é belíssima) até a mixagem de som.

Ofuscando quase tudo que poderia ser enquadrado como algo vergonhoso, o elenco ainda cria seres humanos com particularidades dúbias e que criam uma emoção que talvez o roteiro de Nicholson não apresentasse por si só. Hugh Jackman, assim sendo, faz uma das melhores atuações de sua carreira ao compor na figura de Jean Valjean alguém em constante conflito e que encontra seu ápice na comovente reflexão sobre si mesmo em uma capela ou na inclassificável interpretação de “Who Am I”, que – como se não bastasse – se repete no decorrer da narrativa. Da mesma forma, assistimos a sua frustração e genuinidade quando se depara pela primeira vez com o jovem Marius, culminando em mais uma tocante canção.

E se o filme perde um pouco o ritmo nesta segunda parte, graças às incursões deslocadas de Cohen e Carter, Samantha Barks quase rouba a cena com uma personagem extremamente ambígua e interessante – mesmo que ande sempre as sombras do seu amor, seu maior momento é na cumplicidade com Marius quando está à beira da morte. Russell Crowe também é comprometido com seu Javert e, mesmo que o roteiro não arranje tempo para aprofundar um pouco mais em seu caráter (soando superficial algumas vezes), através de seus olhares, ao decorrer do longa-metragem, consegue se estabelecer como um sujeito instigante. Mas é Anne Hathaway, mesmo com pouco tempo de cena, que deslumbra em seu impecável desempenho. Criando uma moça com a complicadíssima tarefa de mostrar toda a sua transformação em escassas cenas, a atriz deixa toda a amargura, rancor e frustração com a vida para uma performance impressionante em "I Dreamed A Dream". Neste caso, observe a raiva com que ela articula cada frase que profere ou os olhares suplicantes de atenção para que algo maior se manifeste ao seu favor.

Por fim, nada consegue afastar dos meus pensamentos que se Hooper fosse apenas um consultor narrativo ou mais equilibrado na direção, certamente, o filme seria mais abraçado do que está sendo. Afinal, ele é um diretor que já proporcionou obras televisivas excepcionais, como Longford ou a minissérie John Addams, mas que clama para que a mesma excelência e moderação apareçam nos cinemas. Quem sabe, algum dia, seja Hooper o nome inquestionável das premiações.

                                         

Um comentário:

Márcio Sallem disse...

Ei, não tenho uma predisposição a odiar Tom Hooper, inclusive defendo o cara no começo do meu texto. Aliás, Maldito Futebol Clube é um ótimo filme que se beneficia de uma direção mais econômica do cara.

De toda maneira, gosto da crítica cinematográfica como ela pega um instante e ganha múltiplas interpretações. Pois se você gostou dos closes fechadíssimos nos atores que nos aproximam de sua intimidade, eu já achei que ele desperdiçou uma boa oportunidade de revelar a excelente direção de arte e usar a linguagem cinematográfica da melhor forma. Mas enfim, com certeza ele deve ser queridinho entre os atores depois dessa, já que ao deixá-los livres, eles têm grandes momentos sem dúvida.