(Sugiro apenas ler a crítica, após ter visto o filme)
Zero Dark Thirty, EUA, 2012. Direção: Kathryn Bigelow. Roteiro: Mark Boal. Elenco: Jessica Chastain, Jason Clarke, Jeremy Strong, Kyle Chandler, Jennifer Ehle, Harold Perrineau, Mark Strong, James Gandolfini, John Barrowman, Reda Kateb. Duração: 157 min.
Há uma cena em Argo que é extremamente audaz: quando a embaixada americana é invadida em Teerã, um militante islâmico fica furiosíssimo ao ver a foto de um de seus líderes servindo como tiro ao alvo. Ela é corajosa pela força com que nos passa uma empatia com aquelas pessoas que se sentem agredidas em suas convicções. É ainda mais impressionante, portanto, que Bigelow comece seu novo filme com duas cenas extremamente díspares entre si: na primeira, o som do horror proporcionado no dia 11 de setembro, a impotência diante da tragédia; na segunda, a perda de controle dos americanos em torturas absurdamente desumanas e que nos fazem criar de imediato uma simpatia lógica com o torturado. Mesmo que esse conflito ideológico não seja tão frequente em A Hora Mais Escura, a diretora já mereceria aplausos apenas por evidenciar até onde vai uma sociedade quando se sente acuada ou com puro temor de seus “grandes inimigos”.
Escrito pelo excelente Mark Boal (que já tinha ressaltado o seu talento em Guerra ao Terror), a história é basicamente concentrada nas buscas incessantes por Maya (Chastain), uma agente da CIA, que tem como principal missão capturar o líder da Al Qaeda, Osama bin Laden.
Nesta linha de raciocínio, o roteiro e a montagem de Goldenberg e Tichenor (indicados ao Oscar) aplicam seus esforços em mostrar a evolução de Maya ao decorrer das investigações, paralelamente com missões frustradas, depoimentos, vídeos, fotos, ataques e relações com os colegas que a cercam. Por isso, observamos a personagem com problemas para dormir, passando dificuldades para entrar na embaixada, ouvindo pela primeira vez o nome Abu Ahmed e seguindo a pista (“É o mensageiro em que ele confia!”) e assistimos a outras missões que nos levarão até o principal foco. As divisões acabam sendo muito bem estruturadas: por exemplo, a cena em que Chastain confronta um radical o ameaçando só surte o efeito desejado porque já sabemos o que ocorre nos galpões secretos da CIA no Paquistão, ficando mais fácil compreender o seu medo. Do mesmo modo, é notável o instante em que os agentes começam a perder a cabeça ao mesmo tempo – aliás, curioso notar a “humanidade” de Dan sendo retratada enquanto este dá comida a símios (simbolizando um aspecto amoroso enjaulado) e faz com que ele desista dos interrogatórios justamente quando ele perde essa válvula de escape.
Além disso, o brilhante roteiro de Boal não oferece saídas fáceis: se qualquer outro roteirista poderia usar “tantos dias depois” para pular a ação da trama, Boal opta por Maya cobrando a demora em agir do governo americano. Não apenas isso, o roteiro denuncia particularidades de cada um dos personagens ao longo da trama – o melhor exemplo, provavelmente, é Jessica (Jennifer Ehle, excelente!). Neste caso, analise a aparentemente simples conversa entre Maya e Jessica durante um intervalo e o diálogo que iniciam: a divergência delas acerca do radicalismo, uma acredita nos ideais do islã e a outra afirma que tudo gira em torno do dinheiro. Para depois, visualizarmos a empolgação de Jessica durante uma importante missão, após apostar no dinheiro para convencer um radical a mudar de lado. Nada surge gratuito, nem mesmo o discurso de Obama, que invade uma sala silenciosa afirmando que ninguém está sendo torturado no Paquistão.
A direção de Bigelow, por outro lado, começa bastante irregular até encontrar o ritmo desejado. Como em seu filme anterior, Guerra ao Terror, a diretora encontra dificuldades em corroborar o clima tenso e inseguro que as pessoas estão vivendo, ainda que aqui e ali recorra a tiroteios e explosões em ônibus ou hotéis. Igualmente, explora planos aéreos, omite o rosto de personagens sem razão visível, nunca deixa as conversas durarem muito tempo e peca por usar demais a câmera subjetiva. Em contrapartida, as corajosas decisões narrativas de Bigelow ofuscam sua falta de talento para enquadramentos elegantes, inclusive, jamais tratando sua história de maneira maniqueísta – o que já é surpreendente. Logo, cenas como a de Maya pedindo uma garrafa de vinho enquanto vê um bombardeio na tela do computador ou a bandeira americana coberta por um véu negro ou os soldados brincando de forma trivial antes da missão para depois assassinar uma mulher a sangue frio nascem de forma impactante. Do mesmo modo, a lágrima que corre do olho do torturado na sequência inicial ou Bradley visto de frente no momento em que a televisão está ao fundo noticiando os atentados, como se aquilo estivesse pesando em suas costas, são triunfos da diretora.
E criando uma personagem que vive apenas de seu trabalho, sem contato com a família, a única pista que temos sobre a vida pessoal de Maya é quando vista numa foto de computador com a filha, Chastain é eficiente na forma gradual com que vai mudando de atitude (“não como fora!”). Se antes engolia seco e tentava desviar a atenção das torturas, noutro momento ela é bem mais confiante e fria nas abordagens – portanto, o minuto em que ela olha para seu próprio reflexo no espelho e não se reconhece mais é bem interligado. (Não se pode deixar de citar também a mudança de figurino, repare como Maya passa a usar roupas mais folgadas no decorrer da trama e como Dan é enfatizado no prédio da CIA nos EUA). Além do mais, sua crescente segurança é desenvolvida sempre de forma natural, não ficando inverossímil, portanto, quando ela é a única a confrontar o chefe com o olhar ao passo que todos os seus colegas mantém-se acuados. Contudo, suas explosões nunca são apropriadas – analise o temperamento dela perante Bradley e como não consegue ser intimidador ou forte o suficiente para acreditarmos no quanto ela quer aquilo; pior, pontua os gritos, como se tudo fosse calculado ou estivesse no script.
Finalmente, A Hora Mais Escura, justifica todas as suas indicações ao Oscar em sua melhor cena. Salientando a ansiedade daquelas pessoas durante a “visita” de um radical que pode ajudá-los nas buscas por Bin Laden, Bigelow, Boal, Goldenberg e Tichenor não dão nenhum tiro fora do alvo. Desde os suspiros de Jessica, passando pela garrafa de água nas últimas gotas, todos sentados cansados de esperar e o gato preto cruzando a estrada, até culminar no sorriso que desaparece com o árabe sussurrando suas últimas palavras – algo que funciona como uma sinfonia. Uma orquestra que até não contava individualmente com os melhores músicos do planeta, mas que juntos chegaram ao melhor trabalho possível.
Nenhum comentário:
Postar um comentário