26 de fevereiro de 2013

Além das Montanhas

Dupa dealuri, Romêmia/França/Bélgica, 2012. Direção: Cristian Mungiu. Roteiro: Cristian Mungiu, inspirado por um romance de não ficção de Tatiana Niculescu Bran. Elenco: Cristina Flutur, Cosmina Stratan, Valeriu Andriuta, Dana Tapalaga, Catalina Harabagiu, Gina Tandura, Vica Agache, Nora Covali, Dionisie Vitcu, Ionut Ghinea, Liliana Mocanu, Doru Ana e Costache Babii. Duração: 150 min.

Em 1994, o jornalista e escritor Christopher Hitchens lançou um documentário para TV sobre o tratamento dos doentes, que beirava ao criminoso, feito por Madre Teresa de Calcutá. Anjo do inferno (numa tradução literal) indicava o quanto a fé acabava influenciando os adoentados a passarem por situações terríveis e sem cuidados médicos apenas porque alguém se autoproclamava um enviado do espírito santo. Essa abordagem, de certa forma, é a mesma que Mungiu procura evidenciar em seu mais novo filme: um padre de uma pequena paróquia isolada “acredita” que através de orações, usando de tortura e amarras para pregar a “vontade de deus”, poderia curar o amor entre duas mulheres.

Escrito e dirigido por Cristian Mungiu (do inesquecível 4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias), a trama gira em torno de Alina (Flutur) e Voichita (Stratan), duas grandes amigas que não se viam há muito tempo e se reencontram depois de anos na Romênia. Alina pretende, inclusive, convencer Voichita de abandonar sua atual morada – um pequeno convento afastado das grandes cidades, onde ela pensa ter encontrado um lar e a fé. Combatendo ferrenhamente o padre da comunidade, Alina começa a despertar o medo e descrença das freiras, que passam acreditar que a moça está possuída por um espírito maligno; começando-se uma série de orações e torturas à “estranha” visitante.

Vale ressaltar, nesta perspectiva, que Mungiu é extremamente sábio e sutil em como tratar as duas personagens: jamais expositivo na forma como elas se amam e apenas sugerindo um antigo desejo entre ambas. Da mesma forma, sua mise-en-scène é sempre elegante e mantém a câmera próxima da trama o tempo todo, criando-se, em alguns momentos, um viés claustrofóbico. Neste caso, analise o instante em que o diretor prefere esconder o rosto de Alina quando ela confronta todos do convento ou a maneira como todos a cercam, fazendo uma espécie de interrogatório, quando ela volta a acordar no hospital. Mas é a naturalidade como expõe as angústias daquelas pessoas que é o grande triunfo do filme: a partir disso, observe a conversa reveladora de Voichita com um policial, os olhares julgadores direcionados a Alina, a anotação dos pecados e as primeiras manifestações de temor com a agressividade da protagonista (“Ela estava falando com outra voz”).

Mungiu é brilhante em como ele vai pontuando essas certezas que as freiras têm a respeito de Alina e, assim sendo, consegue aumentar a insegurança do espectador com o que irá ocorrer dali em diante – por exemplo, note como ele mostra um carro chegando para pedir informação somente para, mais uma vez, lembrar o isolamento daquele local. Um ambiente que é muito bem demonstrado, aliás: precário, iluminado por velas, onde ambulâncias não costumam ir e com comida escassa. Apenas a fé daquelas pessoas é relevante. Para Mungiu, é nesta fé que reside os principais perigos. As supertições que os rodeiam acabam sendo o fator decisivo para o tratamento com o desconhecido, onde cruzes pretas, manifestações demoníacas e a quebra de ícones religiosos imprimem uma insegurança que eles não estão acostumados. Considere o temperamento do padre diante das circunstâncias enfrentadas, o medo diante de uma condição em que ele não está habituado. Como se não fosse o bastante, o roteiro também proporciona frases que complementam com substância o drama vivido (“Estou suja!” ou “O homem que vai não é o mesmo que volta!”).

É interessante, por fim, como o pessimismo de Mungiu com o mundo influencia tanto suas obras. Não é surpreendente, portanto, ao sairmos da desordenada comunidade religiosa, visualizarmos numa cama de hospital uma jovem que havia tentado o suicídio apenas porque sua menstruação não chegava há semanas. Essa é a compreensão mundana do romeno: um lugar em que o amor/sexo é visto como uma concepção maligna e onde a sobrevivente passa a andar na direção contrária a todos os outros adaptados.
                                 

Nenhum comentário: