15 de janeiro de 2013

Som ao Redor, O

Idem, Brasil, 2012. Direção: Kleber Mendonça Filho. Roteiro: Kleber Mendonça Filho. Elenco: Gustavo Jahn, Maeve Jinkings, Irandhir Santos, Irma Brown, Sebastião Formiga, W. J. Solha, Lula Terra, Yuri Holanda, Clébia Souza, Maria Luiza Tavares e Mauricéia Conceição. Duração: 131 min.

É fácil enxergar O Som ao Redor como um retrato social pertinente e uma obra sensorial. Após um curta extremamente inteligente e ideológico sobre a cidade em que nasceu, em Recife Frio, Kleber Mendonça Filho já mostrava sua visão social dos costumes brasileiros e nossas piores neuras. Agora é traçando o domínio da classe média alta aos mais pobres, no seu novo filme, que ele explora nossas constantes aflições com o que nos cerca e oprime seus personagens ao mais alto grau de loucura.

Escrito e dirigido por Kleber Mendonça Filho, o filme tem início numa comunidade de classe média localizada na zona sul de Recife. Ao mesmo tempo em que os personagens daquela localidade precisam lidar com seus próprios problemas, surge uma pequena milícia que promete trazer segurança e tranquilidade para aquelas pessoas.

Porém, num lugar que é tomado por sons dos mais variados tipos – soldagens, batidas de carros, músicas altas, latidos de cães –, trazendo uma sensação absurdamente incômoda, a clamada tranquilidade surge apenas como um sonho distante da realidade. Não à toa, o momento em que Maeve Jinkings consegue dormir e encontrar a sua paz sem o latido do cachorro fica sendo o único em que ouvimos calmamente o som das árvores ao redor do apartamento. O roteiro ainda se reserva a uma forte crítica social denunciando o capitalismo selvagem que cerca aqueles indivíduos, sempre aspirando a mais do que realmente necessitam (cabe destacar a cena em que Bia paga 4 reais pela água e 70 pela droga), e encontra respaldo na apropriada direção de Mendonça (o momento no qual a personagem é agredida por ter comprado uma televisão maior do que uma vizinha ou em esbanjantes aulas de mandarim são claros exemplos).

O diretor, ainda, não poupa elegância na maneira como demonstra as discrepâncias entre os dois mundos (como não frisar os grandes complexos ofuscando as áreas mais miseráveis da cidade?) e nos belos planos que realiza – meu favorito, provavelmente, é a fusão feita de um grande grupo de prédios para um de cervejas. Observe também como uma criança afortunada escuta um mp3 e sua mãe tenta comprar um belo apartamento enquanto olha para baixo e vê um garoto jogando bola em uma área muito mais pobre. Além disso, não se pode deixar de mencionar a cena em que dois personagens entram em um cinema abandonado e, envolto naquela atmosfera, o diretor ainda se dá o luxo de realizar um plano holandês para ressaltar o destoante local que ingressaram.

Beneficiando-se de seus atores, que dão ainda mais força para sua mensagem, Mendonça aproveita para “brincar” com a linguagem – trazendo momentos como a de uma irreverente masturbação ou um incomum uso de maconha. Todos os personagens, aliás, parecem mais profundos por sua visível humanidade. Não vemos papéis, mas seres humanos – o que aponta para um trabalho fantástico na preparação de elenco. Pois soando naturais o tempo todo, as cenas em que João, Francisco e Clodoaldo dialogam parecem cenas cotidianas, sem nenhum tipo de dramatização excessiva ou novelesca – o que poderá, inclusive, passar uma desconfiança para o público brasileiro desacostumado a isso.

Diferente do sonho da filha de Bia, em que sequestradores não param de invadir as propriedades que tentam os esconder e levam todos os seus objetos materiais, a mensagem de Mendonça é muito mais que um sonho assustado ou algo irresponsável. O Som ao Redor nos remete a nossos problemas como indivíduos em comprar mais do que precisamos, fugir do que não nos atinge e clamar por uma falsa tranquilidade momentânea. Para Mendonça, se não formos forte o bastante para ver o lado do mais fraco e pararmos de olhar apenas para nós mesmos, algum dia alguém chegará para cobrar essa dívida.
                                  
                                    

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