Skyfall, Inglaterra/EUA, 2012. Direção: Sam Mendes. Roteiro: Robert Wade, Neal Purvis e John Logan, baseado nos personagens de Ian Fleming. Elenco: Daniel Craig, Javier Bardem, Judi Dench, Ralph Fiennes, Naomi Harris, Bérénice Marlohe, Albert Finney, Ben Whishaw e Rory Kinnear. Duração: 143 min.
Se pegarmos os 23 filmes oficiais do agente britânico James Bond, pode-se observar que o mesmo espião já foi abordado de inúmeras formas e atmosferas: algumas mais intensas, outras mais voltadas ao cômico, umas que beiravam ao surreal e outras com toques mais pesados (a era de Dalton, principalmente). Não é incomum, portanto, a maneira como Sam Mendes o aborda nesse novo exemplar da franquia, mantendo uma abordagem tão realista quanto aquela vista no excepcional Cassino Royale – filme que marcou o início de Daniel Craig na pele de 007. Ainda assim, o diretor pode não ser tão marcante na forma como explora o realismo do personagem, mas certamente será lembrado por introduzir uma visão muito mais pessoal à trama e, com isso, ser dono de um dos melhores filmes do agente.
Escrito pelos habituais roteiristas Robert Wade, Neal Purvis (que inexplicavelmente são as mesmas mentes de Um Novo Dia Para Morrer) e por John Logan (estreante na franquia), baseado nos personagens de Fleming, a trama segue o roubo de um acessório que contém o nome de todos os espiões britânicos que estão em missão. Faz parte do trabalho de James Bond recuperar esse disco e salvar todos os seus colegas que se veem imediatamente em perigo mortal.
Apesar de ser um filme ímpar dentro do contexto da franquia 007, Operação: Skyfall tem algumas similaridades com um dos piores filmes da era Brosnan: Um Novo Dia Para Morrer. E não é muito difícil observar o porquê – o longa-metragem também conta com o agente obtendo graves ferimentos durante a sequência dos créditos iniciais, diagnosticado como inapto a voltar ao trabalho e descobre que há um agente traidor (nesse caso, um ex) em solo inglês. A grande diferença está presente na maneira como a narrativa é conduzida e na atmosfera medida pelo seu realizador, Sam Mendes.
E, aqui, o diretor quer deixar claro a sua marca desde o começo, quando observamos Bond transparecendo ares de humanidade ao ver um agente morto em um sofá ou quando observamos uma leve crise de identidade com o governo britânico após os créditos iniciais. Claro que as grandes explosões, ação desenfreada (o início com a perseguição sobre um trem é excepcional), perseguições de carro e mulheres deslumbrantes também estão presentes, mas o mais importante para Mendes é adaptar o agente à sua própria visão. Assim, aliado com a fotografia brilhante de Roger Deakins (que produz cenas lindíssimas em contraluz), o diretor executa tomadas que apresentam 007 de uma maneira bem mais próxima à realidade: alguém que tem seu instinto patriótico acima de sua própria sobrevivência (“Coração: alvo; assassinato: trabalho.”).
Igualmente é sua perspicácia em takes curiosos e interessantíssimos que demonstram as particularidades do mundo em que estamos inseridos – observe, por exemplo, a sequência de caixões com a bandeira da Inglaterra e como as cores vermelhas formam algo como um rastro de sangue até M. Ou note a maneira como o personagem de Bardem é revelado na trama: visualizado de longe e se aproximando aos poucos de forma ameaçadora até surgir em um contra-plongeé belíssimo. Mendes até mesmo se atreve a brincar com a virilidade exposta dos dois personagens em um ensaio de testosterona pura (“por que você acha que é minha primeira vez?”) e na química absurda dos dois atores – Javier Bardem divertidíssimo.
Além disso, não se pode deixar de salientar outros planos excepcionalmente executados pelo diretor: como aquele em que vemos se formar um coração na maneira como que os corpos de Bond e Sévérine se entrelaçam durante uma transa no chuveiro; mais uma vez um interesse contra-plongeé que consegue mostrar Bardem imponente até durante sua prisão; na tensa cena em que acompanhamos apenas os passos do agente enquanto espera a melhor maneira de atacar um dos vilões; ou, até mesmo, quando observamos um Martini sendo servido de forma curiosa e sem ser nada expositivo. Do mesmo modo, Mendes e Deakins também são admiráveis nos seus planos-detalhes – seja quando vemos 007 entrando em ação e a frieza contida em seus olhos ou na cena em que vemos Sévérine tremendo ao empunhar um cigarro e falar sobre Silva.
E se Javier Bardem constrói um dos melhores vilões da franquia, ao conferir a Silva uma qualidade cibernética ao mesmo tempo em que demonstra o prazer do trabalho de campo (contendo cenas que surgem cômicas e tensas quando o vemos diante de M ou num fascinante tiro ao alvo); Daniel Craig, finalmente, mostra-se muito mais à vontade no papel principal do que em ocasiões anteriores. E mesmo sem o charme e eloquência de Moore ou o talento de Connery, o ator consegue criar o Bond que sempre foi almejado por Dalton, por exemplo: alguém que ao mesmo tempo em que possui uma reprimida humanidade, esbanja frieza nas mais temíveis situações. E encontra até mesmo um timing muito mais agradável e sensível nesse novo filme (“o prédio vai abaixo, mas ainda conseguem salvar essa coisa”).
Sem esquecer-se do que sempre fez James Bond ser visualizado como o sonho social-machista (bem arrumado, galanteador, vive em meio de jogos, cigarros, mulheres, bebidas e defende bravamente seu país – e como não perceber a influência americana ao ver a bandeira inglesa exposta exacerbadamente no terceiro ato?), Sam Mendes consegue criar uma visão intimista e interessante para 007, que pode até ser considerada atípica. Assim, ao meio das inteligentes citações de ratos durante a narrativa, Operação: Skyfall não apenas consegue o status de um dos melhores filmes da franquia nesse percurso, mas de um dos melhores do ano.
Obs: Os créditos iniciais, com a música-tema de Adele, são os melhores de toda a franquia.
Obs: Os créditos iniciais, com a música-tema de Adele, são os melhores de toda a franquia.
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