10 de julho de 2013

O Homem de Aço

Man of Steel, EUA/Canadá/Inglaterra, 2013. Direção: Zack Snyder. Roteiro: David S. Goyer, baseado em uma história de Goyer e Christopher Nolan e nos personagens de Jerry Siegel e Joe Shuster. Elenco: Henry Cavill, Amy Adams, Michael Shannon, Diane Lane, Russell Crowe, Christopher Meloni, Kevin Costner, Antje Traue, Harry Lennix, Richard Schiff, Ayelet Zurer, Cooper Timberline, Dylan Sprayberry, Laurence Fishburne. Duração: 143 min.

Muito mais do que a incansável pergunta que filmes com temática extraterrena geralmente assumem para si, a famigerada interrogação de estarmos sozinhos no universo ou não, a busca pela sociedade utópica, em qualquer parte, é algo cada vez mais instigante e admirável. Como se sentenciasse que a procura pela paz não é uma exclusividade humana, os melhores filmes do gênero partem da premissa da comunicação serena entre os povos e a ambição de uma sociedade universal que concilie as diferenças em busca de pontos em comum: seja através da matemática, da música ou dos símbolos oferecidos. Ainda que costume ser taxado de um tipo de ressurreição de cristo, como se ele anunciasse a segunda vinda, Superman aspira ao que os povos desse tipo de temática almejam: um lugar melhor. Pode ser visto como algo demasiadamente clichê e insustentável ou, até mesmo, ingênuo e pretensioso, mas é coerente.

E o que pode ser mais tocante do que um alienígena, que tem a formação longe de suas raízes, pais e sociedade, percorrendo o globo atrás de sua verdadeira natureza? Uma busca existencial que supostamente nunca terá fim, porém, tão pertinente quanto à gênese humana e sua ciência. “Eu não quero ser”, afirma o personagem construído de forma talentosa por Henry Cavill quando seus pais apontam o que há de especial nele e o que se espera de seus talentos. Kal-El vive perdido entre dois mundos: a sua inalcançável civilização e o que poderia ter vivido com seus pais biológicos, que agora é apenas um sintoma em sua genética, e sua vivência terrena com os pais adotivos que geraram a sua fé e condição humana.

Essa dicotomia, de homem e sua natureza, não é exclusiva do pensamento do protagonista do filme, tampouco; Kripton é um lugar habitacional mágico e aspirado – onde as pessoas daquele lugar encontraram um equilíbrio entre vida, tecnologia e ambiente natural. Os efeitos especiais utilizados no primeiro ato são complementares a essa filosofia. O grande obstáculo de Kripton está exatamente no que foi criado: o máximo que havia sido alcançado. Passou a ser um lugar em que o estado de buscar passou a ser o estado de ser. Não existiam mais pessoas que poderiam mudar algo que não havia como ser mudado, apenas classes pré-fabricadas e automatizadas, sem a vida como a conhecemos. Sob esta ótica, Zod acreditou que apenas um golpe de estado devolveria uma clareza para Kripton sobre as coisas e um novo direcionamento – algo censurável, claro, mas que deu início a muitas “revoluções”. O general é um robô, não é natural, foi “esculpido” para ser uma espécie de guardião de seu planeta. Shannon esbraveja por seu povo, queima populações para chegar a uma nova raça e só descansará de seu código quando abraçar a morte. Jor-El é exatamente seu oposto. Mais “humano”, ele também acredita que Kripton está chegando ao seu fim, mas ambiciona uma nova era – “nunca o veremos andar, mas nossas esperanças e sonhos vão com você”. O sonho do general explode junto com seu planeta, o de um pai está percorrendo um novo caminho.

Kal-El é uma soma benéfica de duas diferentes raças. Obteve a sorte de cair em uma fazenda e ter pais adotivos que lhe formassem um caráter humilde, assim como o seu pai verdadeiro desejaria. Ele passa a descobrir seus poderes aos poucos, salvando, inclusive, seus próprios agressores do colégio em um desastre. Para ele, como lhe foi ensinado, qualquer vida é digna. “O mundo é muito grande? Faça-o pequeno!”. Os flashbacks de sua infância resgatados pelo montador David Brenner também são suficientemente eficientes para mostrar essa dubiedade nos sentimentos de nosso protagonista e apontar o porquê de estar naquela busca. Kevin Costner, por exemplo, é tão edificante para quem viria a ser o Superman como o próprio Jor-El. Ele não pestaneja em salvar qualquer tipo de vida (aliás, um parêntese curioso para a retomada da saga) e se sacrifica pelo próprio filho – e aqui cabe ressaltar dois diálogos intimistas em que o ator transborda sentimentos: em passar que talvez ele devesse deixar pessoas morrerem e que Clark é o seu filho.

Por outro lado, esse argumento social e humano é perdido no instante em que Snyder começa a fazer esforços para cumprir o orçamento milionário que tem em mãos, como denuncia o literalmente explosivo terceiro ato. Dono de cortes tão rápidos que a ação fica quase impossível de ser conferida e usando da mesma escola de Abrams ao conferir flares a todo o momento na trama, o diretor avança rápido demais na construção de alguns relacionamentos e abusa novamente em tratar Superman como um salvador católico. Kal-El tem trinta e três anos, posiciona-se como se estivesse crucificado assim que ouve que pode salvar todos os humanos e tenta se passar por um deles. O seu relacionamento com Lois passa a ser plausível apenas por uma questão de confiança e conhecimento prévio da história original – Kal-El encontra na personagem uma força feminina gigantesca, mesmo que ela pareça pequena quando está com ele, não fazendo jus a esse fator. O beijo trocado por ambos nasce tão robotizado e sem significado quanto uma vida nova surgia na Kripton que conhecemos. E, se a fotografia de Amir Mokri só dá lugar ao branco intenso e ofuscante, a trilha sonora de Zimmer é mais uma vez digna de aplausos a balancear cada momento vivido pelo personagem e não deve em nada para a trilha que Williams imortalizou.


Ainda, é notável a insegurança que Snyder possui em trazer uma trama menos explosiva e mais intimista para um filme que conta com um homem imbatível. E é por isso que ressalvo a escolha dele para um retorno à saga do Superman. O charme de O Homem de Aço não está na força de seu personagem, mas em sua dinâmica sentimental: como alguém imbatível pode ser dono de uma solidão eterna? Ele está buscando o seu lugar ao mundo, forçando-se a se adaptar a um sistema que já está pronto – como todos nós fazemos e como as coisas eram arranjadas em Kripton. O coronel do ótimo Christopher Meloni tem a mesma vocação do general de Shannon, ambos apenas pensam em defender os seus povos e suas raízes – sacrificando-se por elas em seus percursos. Não se pode dizer que não é um começo pretensioso e potencialmente bom para o herói, mas certamente não se pode jogar tudo fora apenas para corresponder às expectativas de um público que apenas quer ver sangue. Isso já é comum em nossa própria realidade.  

                                 

2 comentários:

Márcio Sallem disse...

Que sangue?
Você desgostou do que eu gostei - o momento em que o filme caí na ação - e gostou do que eu achei subdesenvolvido - os subtemas que envolvem Kal-El e todo o conflituoso universo em que ele se insere. Mesmo assim, concordo com tudo que você escreveu (exceto: Henry Cavill e os flashbacks, que acho intrusivos e pouco naturais) e só concluo que a crítica cinematográfica é uma coisa linda. Assim como o seu texto.

leo disse...

Eu ia escrever um texto sobre sua Crítica. Que de forma alguma está ruim. Mas acho que esse filme merece pelo menos 75 pontos.
Tirando a parte da igreja com o cristo de fundo. O resto está perfeito. Valeu.