(Contém spoilers durante o texto)
É difícil considerar O Segredo da Cabana como um filme de terror, mesmo que sua abordagem queira prestar uma homenagem ao gênero. Assim como Pânico, por exemplo, o filme de Joss Whedon e Drew Goddard explora muito mais a autoparódia, brincando com as referências de outros filmes, do que oferece uma visão própria e original ao “terror adolescente” (mesmo que esteja lá). É uma pena, portanto, que muitos não conseguirão apreciar a atmosfera criada pela dupla, acusando-os de cínicos, pois é exatamente no cinismo e na sátira com que apresentam as situações da narrativa – com uma competência ímpar – que criam um clássico instantâneo.
Escrito por Whedon e Goddard e dirigido pelo último, a história mostra paralelamente dois ambientes: no primeiro, um grupo de amigos embarca numa viagem com destino a uma cabana isolada que é situada no meio da floresta; no outro, acompanhamos dois personagens que parecem ser algum tipo de cientistas que observam cada passo dado pelo primeiro grupo.
Investindo desde o começo no “fator surpresa” do longa-metragem, os dois roteiristas já se mostram competentes em não ser deveras explicativos nos diálogos entre Hadley (Whitford) e Sitterson (Jenkins), o que entregaria rápido demais os twists. Além disso, os dois não se importam em prestar homenagens e discutir sobre as variações do cinema de terror antes de sabermos explicitamente sobre o que ambos estão falando, a discussão entre a divergência americana e japonesa, neste quesito, é pertinente e interessantíssima quando revista. Do mesmo modo, os diálogos que apontam para isso são irônicos e bem executados: “O Japão tem registro perfeito. Somos os segundos, esforçamo-nos mais!” ou “Todos sabem que os suecos não são confiáveis para esse tipo de coisa”.
É sempre evidenciando essas sutis ironias que o roteiro começa a crescer a partir do segundo ato – observe, por exemplo, quando a protagonista afirma que ela não vai sair dali sem a amiga apenas para o assassino jogar a cabeça de Jules em sua direção ou quando um personagem reflete em um monólogo sobre como as vozes não vão mandar nele, apenas para fazer a ação que foi mandado pouco tempo antes (“Vou dar uma caminhada!”). Além disso, quando finalmente começamos a ter uma ideia sobre o que realmente se trata o filme, a montagem da parceira habitual de Joss Whedon, Lisa Lassek, compreende bem a forma como o mistério deve ser sucedido – assim, a cena que se passa no porão é perfeita ao sublinhar a tensão de qual o segmento que será o escolhido.
Igualmente, com uma direção consistente de Goddard, as transições de uma cena para outra são sempre muito bem realizadas, como a tentativa de fuga da água para o champanhe, o “que comece o show” e, provavelmente a minha favorita, as apostas sobre o destino da história. Aliás, o enfoque de O Segredo da Cabana é tão incomum que até a tensão provocada acaba sendo surpreendente: será que os personagens irão conseguir escapar pelo túnel? O que irá acontecer no elevador? Como será o final de tudo isso?
Goddard se mostra extremamente à vontade para conduzir o brilhante roteiro e constrói ambientações que deixam a sua história ainda mais atrevida – a cena com o quadro que expõe um sacrifício dentro de um quarto e atrás dele uma pessoa que pode ser vista sem perceber o que está do outro lado é magnífica; ainda mais quando o diretor se afasta do quarto para voltar à “sala de controle”. Ao mesmo tempo em que o anúncio apocalíptico no viva-voz é hilário, porém revelador.
E se o elenco não ganha muita importância dentro da estrutura criada por Whedon e Goddard, pois, segundo os próprios roteiristas, não deveria, as situações e homenagens em que se inserem já seriam por si só o suficiente: desde o tributo óbvio a Evil Dead até nos conduzir a outras diversas referências. Posto que parecem se divertir tanto quanto nós, o timing fica natural – note o sorriso de um dos rapazes, após pensar que está em um reality show ou durante os clichês (“O vento deve tê-la aberto. E isso faz sentido onde?” ou “Estava errado, devemos nos separar. Boa ideia”).
Contando com um terceiro ato que parece ser uma das melhores coisas já ocorridas ao gênero – o elevador que os mostra toda a estrutura em que estão inseridos é arrepiante, como se fossem um fragmento daquilo, os pesadelos que vêm à tona e saem de suas prisões e o monólogo final de Weaver –, O Segredo da Cabana acaba se tornando aquilo que achava não existir mais, uma grandíssima surpresa. Porque deuses gigantes demoníacos que não voltavam a dominar o mundo em troca de sacrifícios organizados, prova-se um grande recado da dupla Whedon e Goddard: "esperavam por essa?".
Um comentário:
Dos melhores mesmo.
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