6 de maio de 2012

Um Método Perigoso


A Dangerous Method, Inglaterra/Alemanha/Canadá/Suiça, 2011. Direção: David Cronenberg. Roteiro: Christopher Hampton, baseado no livro de John Kerr. Elenco: Michael Fassbender, Viggo Mortensen, Keira Knightley, Vincent Cassel e Sarah Gadon. Duração: 99 minutos.

De certa forma, a sexualidade e a psicanálise sempre fizeram parte da extensa filmografia de David Cronenberg. Afinal, ainda que o diretor também se interessasse pelo macabro em seus filmes, sempre intrínseca a essas narrativas também estava o sexo e a tensão psicológica, como em “A Mosca”, “Gêmeos – Semelhança Mórbida” ou Crash. Torna-se, portanto, uma decisão sábia a de o diretor assumir a condução de uma história que envolve sexualidade e duas das maiores mentes que já apareceram na psicologia comportamental. E mesmo que Cronenberg fique em momentos na linha tênue entre o burocrático e o fluido, o terceiro ato nos remete mais uma vez a perspicácia do diretor aos detalhes e a segurança ao abordar algo que domina.

Tendo como base uma troca de cartas entre Carl Jung e Sigmund Freud, baseado no livro de John Kerr, o roteiro escrito por Christopher Hampton aborda o relacionamento dos dois pais da psicanálise em um dos períodos importantes da vida do primeiro. Na trama, Jung (Michael Fassbender) começa um tratamento inovador em Sabina Spielrein (Keira Knigthley) e se envolve “romanticamente” com a jovem. Com uma admiração ímpar pelo trabalho de Sigmund Freud (Viggo Mortensen), Jung se dispõe a discutir novos tratamentos e penetrar mais a fundo nos mistérios da mente humana; porém, as divergências entre Jung e Freud sobre suas filosofias se tornam cada vez mais constantes...

Limitando-se a planos convencionais no começo da narrativa e introduzindo o espectador de maneira abrupta naquele mundo, Cronenberg falha basicamente ao expor a identidade de seus personagens de maneira inorgânica na narrativa, algo que apenas não se torna problemático por já termos prévio conhecimento sobre quem são aquelas figuras. Todavia, Cronenberg acerta em não se ater apenas em jogar dois personagens históricos debatendo sobre suas filosofias e tenta construir com sabeboria o relacionamento de Sabrina e Jung no primeiro ato.

Assim, não esquecendo de suas habilidades como diretor, Cronenberg realiza planos admiráveis ao retratar que caminho aqueles personagens estão percorrendo – para isso, basta observar a cena em que Jung e Sabrina dão uma longa caminhada numa grande escadaria e a semiótica da cena ao representar o trajeto de altos e baixos que os dois irão ter no decorrer de seu relacionamento. Ou até mesmo quando vemos a estrada linear que Sabrina passa a percorrer em certo instante.

Não apenas isso, o diretor também é preciso (como não poderia deixar de ser) nos embates analíticos presentes durante a narrativa. Além disso, como não ficar instigado por frases como a de Otto Gross ao diagnosticar Freud (“Acredito que a obsessão de Freud está ligada ao fato dele nunca conseguir transar!”) ou no próprio Freud tentando estabelecer racionalidade em certa circunstância ("No geral, não ligo se um homem acredita em Ramã, Marx ou Afrodite, desde que deixe isso do lado de fora do consultório")? Assim, os diálogos do longa-metragem conseguem sempre manter a qualidade com uma pertinente acidez, principalmente nos encontros entre Freud e Jung e suas divergências sobre sexualidade X espiritualidade.

E é encontrando força dramática em seus protagonistas que os diálogos e a direção de Cronenberg ganham outros ares a partir do segundo ato. Criando Jung como um sujeito centrado, frio em certo aspecto e com uma postura atenciosa, Fassbender é eficiente ao retratar o conflito entre sua filosofia e a de Freud, porém, falha em demonstrar o emocional de seu relacionamento com Sabrina e as sequelas que trazem em sua vida – nunca soando genuíno o seu possível “amor” pela personagem ou ao menos interessante.

Nesta perspectiva, Keira Knightley é ainda pior ao compor Sabrina com trejeitos caricaturais absurdos e deslocados, como suas constantes risadinhas no início, sua tremedeira ou seus gritos desesperados. A atriz ainda é desconcertante ao se contorcer de todas as maneiras imagináveis no primeiro ato e remeter a sua respiração a algo que talvez seria mais pertinente num fingimento de orgasmo, por exemplo. Ciente disto, é no mínimo curioso notar que até Cronenberg, sabendo das limitações da atriz, não tenta demonstrar a evolução da personagem durante o tratamento – algo salientado pela utilização do recurso simples e precário: “dois anos depois...”.

Por outro lado, Viggo Mortensen impressiona pela naturalidade ao personificar Sigmund Freud e a maneira com que posta sua voz. Um bom exemplo é o modo como o personagem se altera e o alto controle de temperamento, além da calma com que profere uma ofensa a alguém ou alguma coisa. Assim, torna-se sempre fascinante observar a maneira de agir de Freud em determinados momentos da narrativa, como quando se sente desconfortável ao entrar no barco de Jung ou o olhar suplicante, em uma das várias discussões entre os dois analistas, buscando o bom senso do amigo. Ao passo que Vincent Cassel é competente ao compor Gross como alguém inquieto e que sempre está preocupado com algo.

Deixando suas melhores cartas para o final, Cronenberg consegue não apenas fechar todas suas subtramas no terceiro ato, como também dar substância para tudo que havíamos visto na narrativa até então. Do mesmo modo, o diretor ainda nos proporciona um plano excepcional ao mostrar Freud e Jung de lados opostos de uma mesa de debate, evidenciando as diferenças dos dois. E mesmo que aqui o lado obscuro ou macabro de Cronenberg não é apresentado, não dá para não notar que vimos mais um filme do diretor quando nos deparamos com Sabrina, depois de um ato sexual, afirmando: “há um poema do Lermontov que não sai da minha cabeça...”.

2 comentários:

Márcio Sallem disse...

Eu não desgostei do filme (o que frisei na minha crítica), mas o Michael Fassbender, embora digno, é um bananão como Jung. O personagem mais influenciável dos últimos 100 anos rsrs.

Anônimo disse...

Qual é o poema de Lermontov que Sabina (Keira) cita no filme ?