13 de fevereiro de 2012

Artista, O



The Artist, França, 2011. Direção: Michel Hazanavicius. Roteiro: Michel Hazanavicius. Elenco: Jean Dujardin, Bérénice Bejo, John Goodman, James Cromwell, Penelope Ann Miller e Malcolm McDowell. Duração: 100 minutos.

É curioso que em um ano em que Hugo represente a entrada de grandes diretores estabelecidos em película nas novas tecnologias, algo que salienta as campanhas publicitárias do filme: “Scorsese em 3D”; O Artista represente justamente o contrário dessa maré – investindo na transição do cinema mudo para o falado. Contudo, o mais admirável da obra de Hazanavicius é não prender-se apenas a nostalgia de uma época, mas tratar seus personagens com inegável inteligência e, por que não, magia.

Escrito pelo próprio diretor, a trama gira em torno de George Valentin (Jean Dujardin), astro do cinema mudo em 1927, que passa por uma derradeira decadência ao se opor ao começo do cinema falado. O ator acaba perdendo espaço e caindo no esquecimento, enquanto uma jovem dançarina, Peppy Miller (Bérénice Bejo), por quem Valentin sentia-se atraído, começa a representar o começo da nova era cinematográfica.


Brincando com a linguagem que aborda, desde o começo do longa-metragem, Hazanavicius é inteligente ao não limitar-se ao cinema mudo e não utilizar em demasia diálogos expositivos para situar o espectador na narrativa. O diretor, por exemplo, é admirável ao utilizar a metalinguagem para manter o ritmo de sua narrativa – como vemos logo na primeira cena do filme em que observamos um dos personagens de George Valentin e em seguida passamos ao local onde o filme está sendo exibido. Igualmente elegante é a decisão de o diretor focar a platéia, buscando as reações exageradas e deliciadas dos espectadores ao ver o filme e realizar um belo plano aberto para mostrar a lotação do lugar.

Hazanavicius também acerta em não deixar as limitações dos diálogos de filmes mudos comprometer sua obra, apostando tanto nos gestos e expressões de seus personagens, como também não subestimando a inteligência de seu espectador. Assim, momentos marcantes são recorrentes – como na seqüência em que Peppy é escolhida como uma das três bailarinas e a vemos, depois da dança e de alguém apontar para a manchete “Who’s that girl?”, respondendo: “O nome é Miller. Peppy Miller.”.

Destacando-se na parte técnica, a direção de arte de Laurence Bennet é competente ao ilustrar cada ambiente da história – desde o camarim de Valentin cercado por espelhos até o estúdio cercado por câmeras e retratos de artistas ao fundo –, e evidenciando sua qualidade quando Valentin aparece sentado em sua casa e tudo destruído ao seu redor. A montagem é igualmente eficiente e não cumpre apenas seu papel na transição dos tempos gloriosos do mudo para o falado, como também é certeira ao ilustrar a produção do filme “Tears of Love” de George Valentin, intercalando cheques, máquinas de escrever, dias de produção, pôsteres e demonstrando a concepção de fazer um filme.

Mas é na construção de seus personagens que reside à força de O Artista e Hazanavicius é suficientemente esperto para priorizar a química em tela de Dujardin e Bejo. Se em primeiro momento a trilha trata de dar o tom certo quando ambos se conhecem na première do filme de Valentin, a química demonstrada no reencontro e na cena da dança estabelece o platonismo adquirido pelos dois e realça um possível envolvimento como natural e, principalmente, necessário. E note o olhar de Dujardin e Bejo no quinto take da cena em questão e no simbolismo envolvendo: cinco takes e um romance.

Ainda, Hazanavicius é perspicaz também ao explorar a dualidade que passa a cercar os dois no segundo ato quando, em um elegante enquadramento, vemos Valentin e Miller como dois extremos, opostos, em um restaurante – um tendo um jantar solitário e a outra com jornalistas. O mudo de um lado, o falado de outro. Algo que também é salientado pela afirmação dolorosa de Valentin ao sair do estabelecimento: “Eu abri caminho pra você”.

Aliás, a dor de Valentin e o sofrimento e autodestruição adquiridos pelo personagem a partir do segundo ato, só ganham tamanha força dramática pela fantástica atuação de Dujardin. O francês consegue desenvolver George Valentin primeiramente como um clássico sonhador deslumbrado com o mundo que vive, sempre sorridente, passando por seu aspecto orgulhoso em se opor ao futuro (e a cena em que o personagem aparece parado em escadas e todos passando por ele, remete perfeitamente a isso) e culminando na sua tempestuosa solidão. Observe como Dujardin aparece sorridente em uma exibição com os chefes de estúdio com seus grandes charutos e seu personagem aparece quase como a pureza daquele local e depois vemos em seu declínio o personagem sempre com um copo de bebida e um cigarro na mão.

Além disso, Dujardin consegue mostrar perfeitamente sua dor apenas em seus gestos e olhares, como na cena em que, com um aspecto frio, vê sua esposa partir – em nada lembrando as bem humoradas cenas do café da manhã dos dois. Ou quando o personagem olha para a janela esperando encontrar seu motorista e fica decepcionado quando não o vê, mesmo sendo o responsável por isso.

Surgindo como um “contraponto” fascinante a Valentin, algo que torna ainda mais natural e instigante o relacionamento dos dois, Bejo cria Miller com absoluta segurança ao demonstrar ao mesmo tempo seu afeto por Valentin, como também sua visão apaixonada pelo cinema e por sua nova profissão (note como a personagem olha para os lados no cinema, em sua primeira atuação, para ver se alguém a reconhece). Soando perfeitamente natural, ainda que não totalmente honesta, sua fala para os jornalistas: “O mundo agora fala e eles querem ouvir minha voz. Chega de atores fazendo caretas.”.

Ainda, a atriz se sai muitíssimo bem ao demonstrar seu platonismo por Valentin durante todo o longa, sendo marcante nas cenas em que ela vai assistir o filme mudo do ator com sua própria estréia passando no cinema ao lado ou, talvez minha cena favorita, quando ensaia carinhos com as roupas de Valentin em um cabide.

E quase como uma atração a parte, a apaixonante trilha de Ludovic Bource tem a difícil função de manter o ritmo na narrativa durante todo o tempo e consegue pontuar cada ponto de virada – tendo destaques na já citada cena em que Valentin e Miller se conhecem ou quando Dujardin, em seu ato final, começa a destruir seus rolos de filmes.

Por fim, é realmente notável que Hazanavicius não se prenda apenas ao saudosismo que sua abordagem permite. Não há apenas a nostalgia do cinema mudo presente nas telas. Há personagens com emoções perfeitamente construídas, há pontos de viradas surpreendentes e há humanidade em seus protagonistas. E mais do que isso, O Artista acaba sendo um forte sopro de inteligência em um ano tão fraco para o cinema e é realmente curioso que tivemos que voltar 90, 100 anos no tempo para isso.

Um comentário:

Márcio Santos disse...

Imagina se vc não estivesse inspirado. Ótima crítica, como sempre. Me conta uma coisa, o que vc achou do uso da trilha de Vertigo no fim do filme?